MP traz debate sobre leniência conjunta

13/06/2017

Até que a Medida Provisória 784 altere definitivamente a lei que regula a atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), alguns pontos estão gerando debate no mercado, tanto entre investidores como entre advogados societários. A permissão para que a xerife do mercado possa fechar acordos de leniência - assim como o Banco Central - trouxe o debate, e a esperança, sobre se a instituição poderá, a partir de agora, ser chamada pelo Ministério Público Federal (MPF) para que seja feita uma negociação única desde que respeitadas as esferas de competência de cada órgão.

As competências são distintas, mas a negociação conjunta não é impossível, na visão de especialistas. O MPF trata de todas as condutas na esfera criminal, enquanto a CVM, de infrações administrativas contra o mercado de capitais.

Atualmente, já existe um acordo de cooperação entre as instituições, MPF e CVM, especialmente voltado ao compartilhamento de informações. Contudo, uma negociação conjunta, na opinião de jurista especialista em direito societário, poderia poupar o trabalho muitas vezes dobrado que os órgãos realizam.

De acordo com especialista ouvido pelo Valor, o próprio advogado de uma companhia interessada no instrumento terá condições para provocar, quando for o caso, discussões concomitantes com ambos os órgãos e as negociações poderiam ser, naturalmente, unificadas. "As primeiras aplicações que envolverem as duas esferas, criminal e administrativa, vão criar o histórico", disse a fonte.

Nos Estados Unidos, a praxe é que seja feito um único acordo, e a CVM americana, a Securities Exchange Commission (SEC), atua conjuntamente com o Departamento de Justiça (DoJ).

Além da questão da presunção da culpa, a diferença da leniência para o termo de compromisso que a autarquia já utiliza é a troca de informações. Nos acordos de leniência, a pena pode ser diminuída em troca de informações, como na prática do MPF na esfera penal.

Até o momento, a CVM esteve à reboque das iniciativas do MPF. As informações divulgadas dentro dos acordos de leniência na esfera criminal levaram a xerife do mercado a buscar o MPF para acesso a informações e início de seus próprios trabalhos. Muito dos processos relacionados à Petrobras, por exemplo, surgiram de informações obtidas no âmbito das delações de ex-diretores da estatal, como as investigações relacionadas à encomenda de diversas sondas e à compra de refinaria americana de Pasadena. Contudo, a autarquia está tendo de ouvir os envolvidos para construir suas investigações.

Esse é o ponto ligado a uma das pautas mais cotidianas do país, desde que a Operação Lava-Jato revelou um dos maiores esquemas de corrupção já descobertos no mundo, em 2014.

Entre os temas dessa agenda e pertinentes à CVM está o crime de corrupção. Não cabe à autarquia investigar e punir crimes de corrupção. Trata-se de uma atribuição do MPF. Contudo, tal conduta criminosa quase sempre significa infração à Lei das Sociedades por Ações, que determina que o administrador e o controlador de empresa aberta devem agir no melhor interesse da sociedade, de forma proba e seguindo os preceitos de lealdade à companhia.

Com a MP 784, a CVM ganhou novas ferramentas para punir empresas e administradores. Leonardo Pereira, presidente da autarquia, destacou um item da medida que, na avaliação dele, passou despercebido nas primeiras leituras, mas é "muito importante".

A CVM poderá aplicar bloqueio por cinco anos de contratação com serviços públicos, participação em licitações, entre outros. "Adicionalmente às penas previstas no caput, a Comissão de Valores Mobiliários poderá proibir os acusados de contratar, até o máximo de cinco anos, com instituições financeiras oficiais, e de participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realizações de obras e serviços, concessões de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, distrital e municipal e em entidades da administração pública indireta", diz a MP.

Segundo Pereira, a CVM terá a capacidade de influenciar no acesso das companhias e pessoas ao crédito fornecido por bancos públicos. "Isso é muito importante", disse ao Valor.

O bloqueio pode ser feito de forma adicional, junto com a multa. A MP elevou a multa que a autarquia pode aplicar. O teto subiu de R$ 500 mil para R$ 500 milhões. Mas a pena não pode exceder o dobro da emissão ou operação irregular; três vezes o ganho obtido ou a perda evitada; 20% do faturamento da companhia.

O texto da MP também gerou outros debates. E a expectativa é que alguns pontos possam ficar mais claros até a aprovação final e conversão em lei das novas regras.

Ao falar sobre suas avaliações sobre o texto, o ex-presidente da CVM Marcelo Trindade afirmou que há algo muito preocupante no que foi assinado pelo presidente Michel Temer na quarta-feira à noite: a inversão do ônus da prova.

A MP determina que os argumentos alegados pela defesa dos acusados devem ser provados. "Essa questão precisa mudar até a aprovação final. Só vejo isso causar problema. Não vejo nada de bom saindo disso. Mas jabuti não sobe em árvore." Trindade enfatizou que não compete ao réu provar sua inocência, mas sim à CVM provar a culpa.

Combinado às penas mais altas, houve críticas, por parte de advogados societários, ao fim do efeito suspensivo automático, em caso de condenação pelo colegiado da CVM. A questão, prevista na MP, é vista com preocupação pelo advogado Eduardo Salomão, sócio do escritório Levy & Salomão.

Salomão ressalta que o réu condenado pode pedir efeito suspensivo em relação à aplicação da pena, da primeira instância administrativa, mas "terá de fazê-lo para a própria entidade que emitiu a decisão recorrida". A MP determina que o pedido seja feito ao relator do caso e, se negado, ao colegiado. "Que relator e que colegiado vão rever a própria decisão?", questiona Trindade, que também demonstrou contrariedade.

Para que se transforme em lei, a MP precisa passar pelo legislativo. O trâmite leva ao menos dois meses. Se receber emendas, o texto precisa voltar para sanção presidencial. Caso continue o da MP original, pode ser promulgado pelo presidente do Congresso Nacional. (Colaborou Fernando Torres)

Graziella Valenti | Valor Econômico

Política restritiva sobre rankings

Não participamos de ou damos informações a publicações classificadoras de escritórios de advocacia (rankings) com uso de informações confidenciais de clientes. Também não pagamos por espaço editorial ou publicitário. Isso pode levar a omissão ou distorção de informações relativas a nossas atividades em tais publicações. Assim, a visita a nosso site é a maneira mais adequada de conhecer nossas atividades.
developed by asteria.com.br designed by pregodesign.com.br
^