Boletim Tributário - Outubro 2018

I. Alterações legislativas e normativas

I.1 Receita esclarece consequências de declaração falsa na adesão ao RERCT

A Instrução Normativa (IN) nº 1.832, de 20 de setembro de 2018, da Receita Federal do Brasil (RFB), alterou normas das INs RFB nº 1.627, de 11 de março de 2016, e nº 1.704, de 31 de março de 2017, ambas sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), instituído pela Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, e reaberto pela Lei nº 13.428, de 30 de março de 2017.

As alterações tiveram por objetivo (a) esclarecer as consequências de declarações falsas sobre determinadas condições necessárias à adesão ao RERCT e (b) incluir na IN RFB nº 1.627/16 regras sobre o procedimento de revisão dos valores de ativos declarados para regularização, as quais já constavam na IN RFB nº 1.704/17. A primeira IN é relativa ao RERCT com data-base em 31.12.2014, ao passo que a segunda se refere à reabertura do RERCT, com data-base em 30.6.2016.

De acordo com a nova redação dos arts. 26 de ambas as INs, serão consideradas causas de exclusão do RERCT declarações falsas sobre (i) condenação em ação penal por algum dos crimes listados no §1º, do art. 5º, da Lei nº 13.254/16; (ii) residência ou domicilio no País em 31 de dezembro de 2014 ou 30 de junho de 2016; e (iii) detenção de cargos, empregos ou funções públicas de direção nas datas de publicação das Leis nºs 13.254/16 e 13.428/17.

Falsidades nessas declarações vinham sendo tratadas como causas de nulidade ou não adesão ao regime especial. Como a única consequência possível seria a inaplicabilidade dos benefícios do RERCT, aquelas situações equivaleriam à exclusão do regime.

Fica claro agora que, nesses casos, serão cobrados os valores equivalentes aos tributos, multas e juros incidentes, calculados de acordo com a legislação ordinária do Imposto sobre a Renda (IR), deduzindo-se o que houver sido anteriormente pago, sem prejuízo da aplicação das penalidades cíveis, penais e administrativas cabíveis. Além disso, a anistia em relação a punição criminal desaparecerá também.

Já o procedimento para revisão dos valores declarados não é novidade. Constatada incorreção quanto ao valor dos ativos, o Auditor-Fiscal da RFB lavrará auto de infração para exigir o pagamento dos tributos e acréscimos legais incidentes sobre os valores declarados incorretamente, nos termos da legislação do IR. Constatação de incorreções nos valores dos ativos não causará exclusão do RERCT, mas somente o pagamento integral dos tributos e acréscimos exigidos no auto de infração, no prazo de trinta dias da ciência do auto, extinguirá a punibilidade dos crimes praticados pelo declarante, relacionados aos ativos cujo valor for tido como incorretamente declarado.

A IN prevê que eventual impugnação do auto de infração pelo declarante não suspende nem interrompe o referido prazo de trinta dias. Ainda que a impugnação não tenha efeito suspensivo da punibilidade criminal (o que pode ser discutível), eventual sucesso do declarante na impugnação significa que não houve incorreção nos valores declarados, a adesão ao RERCT foi perfeita e, portanto, deverá ser extinta a punibilidade de todos os crimes listados na Lei nº 13.254/16, preservando os efeitos da anistia.

II. Decisões administrativas

II.1 Para Carf, plataforma de petróleo não é embarcação

Com base no argumento de que plataformas semissubmersíveis não atenderiam à definição legal de “embarcação”, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) negou a aplicação da alíquota zero do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre pagamentos ao exterior por afretamento de plataforma. A decisão foi tomada por voto de qualidade, em sessão do dia 26 de setembro.

A interpretação é inédita na CSRF e contraria posição anterior da própria administração tributária federal, manifestada na Solução de Consulta nº 12, de 9 de fevereiro de 2015, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).

No caso julgado pela CSRF, para negar aplicação da alíquota zero, conselheiros representantes da Fazenda invocaram a definição legal de embarcação constante no art. 2º, V, da Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, segundo o qual embarcação é “qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas”.

Plataformas semissubmersíveis flutuam, em regra são suscetíveis de locomoção na água e estão aptas a acomodar e transportar pessoas e cargas, ainda que não sejam essas as suas funções principais. Atendem, portanto, à definição legal dada pelo dispositivo mencionado, o qual não exige que o transporte de pessoas ou cargas seja a função principal da construção flutuante que se queira qualificar como embarcação.

A redação original do art. 1º, I, da Lei nº 9.481, de 13 de agosto de 1997, já previa alíquota zero do IRRF para rendimentos pagos ao exterior a título de arrendamento de embarcações. Alterações posteriores pelas Leis nº 13.043, de 13 de novembro de 2014 e 13.586, de 28 de dezembro de 2017, somente buscaram restringir a aplicação da alíquota zero nos casos em que o contrato de afretamento é executado em conjunto com contrato de prestação de serviços relacionados à exploração e produção de petróleo ou de gás natural (art. 1º, §2º, da Lei nº 9.481/97). Nesses casos, a alíquota zero passou a ser aplicável apenas sobre a parcela da remuneração referente ao afretamento, calculada de acordo com percentual determinado da remuneração total dos contratos executados simultaneamente.

Referidas alterações não ampliaram nem restringiram, portanto, o conceito de embarcação passível de desoneração do IRRF. Apenas tornaram ainda mais evidente que “embarcações com sistema do tipo sonda para perfuração, completação e manutenção de poços” de petróleo e gás natural (caso das plataformas e dos navios-sonda) sempre estiveram e continuam abrangidas pelo caput e inciso I do artigo, como “embarcações”.

Pelos motivos resumidos acima, consideramos questionável o entendimento adotado pela CSRF, merecendo ser desafiado no Poder Judiciário.

II.2 Resultado de MEP compõe limite de receita para lucro presumido, diz Cosit

Por meio da Solução de Consulta nº 138, de 19 de setembro de 2018, a Cosit concluiu que os resultados positivos referentes a investimentos em sociedades coligadas ou controladas, avaliados pelo Método de Equivalência Patrimonial (MEP), integram o grupo de receitas que, somadas, não podem ultrapassar R$ 78 milhões no ano-calendário, ou R$ 6,5 milhões multiplicados pelo número de meses de atividade (se inferior a 12 meses), para que uma empresa possa optar pelo regime de lucro presumido no ano seguinte.

Segundo a Cosit, embora o art. 13 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998 – que trata das empresas autorizadas a optar pelo regime –, utilize a expressão “receita bruta total” para definir os valores que devem entrar na conta, deveria prevalecer regra do artigo seguinte, segundo o qual estão obrigadas ao lucro real as empresas cuja “receita total” no ano-calendário anterior superar aqueles limites quantitativos.

É certo que uma empresa não deveria estar em situação na qual, ao mesmo tempo, possa optar pelo lucro presumido, mas esteja obrigada ao lucro real. As duas regras (de permissão ao lucro presumido e de obrigação ao lucro real) precisam ser interpretadas harmonicamente de forma a eliminar possíveis contradições.

A solução dada pela Cosit eliminou essa possibilidade dando prevalência à regra que obriga ao lucro real, de forma mais gravosa ao contribuinte, mas não trouxe justificativa adequada para essa escolha. Limitou-se a recorrer à Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017, que definiu “receita total” de modo abrangente1  e utilizou essa expressão no lugar da “receita bruta total” ao tratar da opção pelo lucro presumido2.

A Instrução Normativa não poderia contrariar a Lei nº 9.718/98, eliminando o termo “bruta” da regra que permite a opção pelo lucro presumido. Além disso, a antinomia mencionada acima seria igualmente eliminada se a regra que obriga ao lucro real fosse interpretada conforme a regra que permite opção pelo presumido, de forma mais favorável ao contribuinte. Para essa interpretação há justificativas razoáveis, algo que não se encontra na solução dada pela Cosit.

A primeira justificativa, mais evidente, é o fato de que o lucro presumido é calculado a partir da receita bruta. Portanto o valor do tributo efetivamente pago varia em função direta do total da receita bruta, ao passo que, no lucro real, “receita total” em volume maior não significa necessariamente maior valor de tributos devidos, pois da receita serão deduzidos custos e despesas para se chegar ao lucro tributável. Em resumo, “receita bruta total” é critério mais adequado à limitação da possibilidade de optar pelo lucro presumido do que “receita total”.

Outra justificativa reside no fato de que a opção pelo lucro presumido não elimina a tributação de boa parte das receitas que compõem a “receita total”, definida pelo art. 59, §1º, da IN RFB nº 1.700/17. Isso porque à base de cálculo presumida devem ser acrescidos integralmente, entre outros, os ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos de aplicações financeiras e as demais receitas. Entre tais acréscimos não se mencionam os ganhos por aplicação do MEP por estarem excluídos da incidência.

Por fim, especificamente com relação às receitas decorrentes do resultado positivo do MEP, justifica-se a interpretação aqui defendida pelo fato de não serem tributadas, seja no lucro real ou presumido. Se não há diferença, as receitas de MEP não deveriam ser fator determinante para impossibilitar a opção pelo lucro presumido, especialmente considerando que a opção por esse regime leva em conta outros fatores que não apenas a carga de tributos, notadamente a simplificação de mecanismos de controle, contabilização e obrigações acessórias.

Como se vê, a opção adotada pela Cosit para solucionar a consulta em questão não foi adequadamente justificada e pode ser solidamente contraposta, merecendo revisão. Contribuintes, por sua vez, podem e devem defender-se caso sejam autuados ou tenham a opção pelo lucro presumido negada nestas bases.

II.3 IRRF não incide no licenciamento de software de prateleira para uso próprio

Publicada em 12 de setembro, a Solução de Consulta nº 6.014 da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 6ª Região Fiscal (SRRF06/Disit) definiu que as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a residente ou domiciliado no exterior em contraprestação pelo licenciamento de software de prateleira (não customizado), desde que destinado ao uso do próprio adquirente/licenciado, não estão sujeitas à incidência de IRRF.

Embora a Cosit tenha esclarecido, na Solução de Divergência (SD) nº 18, de 27 de março de 2017, que incide IRRF à alíquota de 15% sobre pagamentos ao exterior pela licença de comercialização ou distribuição de software, não tratou expressamente dos pagamentos por licenciamento de software de prateleira para uso próprio, o que motivou a consulta respondida pela SRRF06/Disit.

Nesse caso, o contribuinte informou que atua no ramo educacional e pretende adquirir software de prateleira via transferência eletrônica de dados (download) para uso de seus alunos. A SRRF06/Disit interpretou a SD Cosit nº 18/17 e esclareceu que remessas ao exterior a título de contraprestação pelo licenciamento de software de prateleira, para uso exclusivo do próprio adquirente/licenciado, não se enquadram como remuneração de direitos autorais (royalties), portanto não há que se falar em incidência de IRRF.

O tratamento, para esses casos, é equivalente ao de uma importação de mercadoria (seguindo a linha de precedentes do Supremo Tribunal Federal) e a não incidência do IRRF independe de o software ser fornecido em mídia física ou por meio de download.

Embora a decisão não faça referência específica a fornecimento via streaming ou acesso em servidor externo do fornecedor localizado na nuvem (“Software as a Service”), foi estabelecido que essa “não incidência do IRRF independe da mídia em que o software de prateleira é fornecido ao licenciado (discos, disquetes, fitas, downloads da internet, etc.).” Ou seja, a desoneração foi prevista de forma abrangente, devendo portanto abarcar também aqueles meios de fornecimento.

III. Decisões Judiciais

III.1 STJ define início da contagem de prazo da prescrição intercorrente

No dia 12 de setembro, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o Recurso Especial nº 1.340.553/RS e definiu que não é necessária decisão judicial para que se inicie o prazo de um ano de suspensão de execuções fiscais após insucesso do Fisco na localização de devedores ou bens penhoráveis, findo o qual volta a correr o prazo prescricional a favor do contribuinte. Decorrido este último sem localização do devedor ou constrição de bens, considera-se prescrito e extinto o crédito tributário.

Como o recurso estava afetado ao rito dos recursos repetitivos, a decisão deverá ser observada pelas instâncias inferiores e tem potencial de encerrar milhões de execuções fiscais, muitas delas bastante antigas, que deixaram de ser impulsionadas pelo Fisco depois de frustradas as tentativas de localizar devedores ou bens, mas que nunca foram formalmente suspensas por decisão judicial.

Nestes casos, segundo o STJ, o prazo de um ano de suspensão da execução fiscal terá iniciado automaticamente, na data em que a Fazenda Pública teve ciência da não localização do devedor ou de bens sobre os quais pudesse recair penhora.

A Lei de Execuções Fiscais3  determina que o juiz (i) suspenderá o curso da execução enquanto não encontrados o devedor ou bens penhoráveis, deixando de correr o prazo de prescrição nesses casos4, (ii) ordenará o arquivamento dos autos após um ano de suspensão5  e (iii) poderá reconhecer de ofício a prescrição intercorrente, depois de ouvida a Fazenda Pública, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional6.

Há indicação7  de que uma das teses fixadas na decisão do STJ teria definido também a desnecessidade da decisão de arquivamento, pelo que o prazo prescricional se iniciaria também automaticamente, depois do decurso do primeiro ano de suspensão.

Embora não possamos confirmar a fixação desta tese, já que o acórdão ainda não havia sido publicado até a data de fechamento deste boletim, decisão neste sentido estaria consistente com a lógica que levou o tribunal a dispensar a decisão de suspensão. Afinal, ciente a Fazenda da não localização do devedor ou de seus bens (e cabendo a ela tais providências), bem como das consequências da manutenção prolongada dessa situação, inviabilizando resultado útil ao processo, não há razão para se eternizarem demandas com base na ausência de decisões de suspensão ou de arquivamento, o qual poderia inclusive ser revertido, se efetiva e tempestivamente localizados devedores ou bens penhoráveis.

Em época na qual a Fazenda dispõe de alternativas comprovadamente mais eficazes para cobrança de créditos tributários que antes provavelmente alimentariam execuções fiscais não impulsionadas (por exemplo o protesto de Certidão de Dívida Ativa de créditos de menor valor), andou bem o STJ ao flexibilizar a contagem do prazo de prescrição intercorrente.

Resta aguardar que os juízes das varas de execução ponham em prática a orientação, eliminando o enorme estoque de execuções fiscais paradas e permitindo que esforços e recursos, inclusive financeiros, sejam concentrados em feitos que de fato têm alguma chance de produzir resultado útil.


1Art. 59, § 1º, da IN RFB nº 1.700/17.
2Art. 214 da IN RFB nº 1.700/17.
3Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (LEF).
4Art. 40, “caput”, da LEF.
5Art. 40, §2º, da LEF.
6Art. 40, §4º, da LEF, incluído pela Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004. O §5º do mesmo dispositivo, incluído pela Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, estabelece que a manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no §4º será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.
7Jota: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/stj-define-contagem-prescricao-12092018.
 

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