MPF publica Orientação nº 7/2017 sobre acordos de leniência

Nos últimos três anos, acordos de leniência tornaram-se um instrumento eficaz de investigação de casos de corrupção no Brasil. Só no âmbito da Operação Lava Jato, ao menos dez acordos já foram firmados, por meio dos quais foi possível identificar esquemas de corrupção que, de outra forma, permaneceriam desconhecidos.

Em 24 de agosto de 2017, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (5ª CCR) do Ministério Público Federal (MPF), composta por três membros do MPF responsáveis por coordenar e dar diretrizes para investigações de corrupção no país, publicou a Orientação nº 07/2017, que trata sobre a negociação e a celebração de acordos de leniência com pessoas jurídicas interessadas em cooperar com investigações de corrupção. A Orientação reflete em grande parte a prática atual dos membros do MPF na negociação de acordos de leniência e é vinculante para todas as unidades do MPF no Brasil.

Acordos de leniência firmados com o MPF endereçam primordialmente a esfera cível de responsabilização e não seguem estritamente o procedimento previsto na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção). Os acordos firmados pelo MPF resultam da interpretação combinada de diferentes marcos regulatórios, incluindo a Lei Anticorrupção, a Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 (Lei Antitruste), a Lei nº 8.429. 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), a Lei nº 12.850, 2 de agosto de 2013 (Lei de Organizações Criminosas), a Convenção de Mérida e a Convenção de Palermo. A Orientação é um esforço de trazer mais transparência e previsibilidade à negociação desses acordos. O texto está dividido em dezoito itens cujos pontos de destaque podem ser agrupados da seguinte forma:

Autoridade responsável pela negociação. A negociação deverá ser conduzida por pelo menos dois membros do MPF, sendo um deles o detentor da atribuição para a propositura da ação de improbidade ou da ação civil pública prevista na Lei nº 12.846/13 para os fatos relacionados ao acordo. O acordo de leniência deve ter repercussão, pelo menos, sobre a responsabilidade civil a que a pessoa jurídica proponente está sujeita. Na hipótese de haver interesse de pessoas físicas na celebração de acordo de colaboração premiada, o início das negociações do acordo de leniência deve se dar concomitante ou posteriormente à negociação do acordo de colaboração premiada, no âmbito criminal.

Aspectos formais da negociação. O juízo de conveniência acerca da celebração do acordo é uma decisão discricionária do membro do MPF responsável pela investigação. Após conversas iniciais com a pessoa jurídica interessada sobre os fatos e provas a serem apresentados, e estabelecida a necessidade e oportunidade do acordo para as investigações, o início das negociações sobre as cláusulas do acordo deve ser precedido pela assinatura de “Termo de Confidencialidade”, que deve ser autuado em separado como “Procedimento Administrativo”, com o assunto/tema “Acordo de Leniência”. A assinatura do termo de confidencialidade será comunicada à 5ª CCR, por memorando, por meio do qual o Procurador poderá solicitar o apoio de Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada. Todas as reuniões deverão ser registradas nos autos do Procedimento Administrativo do Acordo de Leniência, com informações sobre data, lugar, participantes e assuntos tratados. O Procedimento Administrativo permanece em sigilo até o momento fixado no acordo como próprio para o levantamento do sigilo. Todos os fatos reportados por meio do acordo devem ser descritos em anexos, incluindo documentos probatórios. A Orientação não fixa prazo para conclusão das negociações.

Obrigações da colaboradora. A Orientação prevê obrigações mínimas para a pessoa jurídica colaboradora: (i) compromisso de cessar condutas ilícitas, (ii) implementar um programa de (conformidade ou integridade) ou equivalente e de se submeter à auditoria externa, às suas expensas, se for o caso, (iii) colaborar de forma plena com as investigações, (iv) pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido, (v) pagamento de multa (da Lei de Improbidade Administrativa e/ou da Lei Anticorrupção, conforme o caso), (vi) prestar garantias do cumprimento da multa e da antecipação de reparação de danos, e (vii) declarar que as informações prestadas são verdadeiras e precisas, sob pena de rescisão. Adicionalmente, o acordo pode prever restrições sobre alienação de ativos por parte da colaboradora.

Obrigações do MPF. Ao celebrar um acordo de leniência, o MPF se compromete a (i) interceder junto a outras autoridades e entidades públicas buscando adesão ao Acordo de Leniência ou a formalização de seus próprios acordos, desde que compatíveis com o do MPF, (ii) estipular benefícios e, se for o caso, não propor contra a colaboradora qualquer ação de natureza cível ou sancionatória – inclusive ações de improbidade administrativa –, pelos fatos ou condutas revelados em decorrência do Acordo de Leniência enquanto cumpridas integralmente as cláusulas estabelecidas no acordo, (iii) requerer a suspensão de ações que já tiverem sido propostas ou requerer a prolação de decisão com efeitos meramente declaratórios, (iv) defender perante terceiros a validade e eficácia de todos os termos e condições do acordo. O MPF pode recusar o representante da empresa, requerendo que outro o substitua, caso entenda que o negociador não está agindo de boa-fé no contexto das negociações.

Outras autoridades. A Orientação prevê a possibilidade de adesão por outros órgãos do MPF, outros Ministérios Públicos ou outros órgãos e instituições públicas mediante o compromisso de respeitarem os termos do acordo ao qual estão aderindo, viabilizando-se, somente então, o compartilhamento das provas e informações obtidas por meio do acordo. O texto contempla também a possibilidade de negociações conjuntas com outras autoridades, tais como Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU), caso em que os acordos deverão ser instrumentos independentes, a fim de viabilizar o encaminhamento aos respectivos órgãos de controle.

Multas e antecipação de reparação de danos. As sanções devem ser calculadas com base nos parâmetros do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa e/ou dos artigos 6 e 16 da Lei Anticorrupção, bem como naqueles previstos nos artigos 17 a 20 do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. O cálculo da multa e do valor pago como antecipação de reparação de danos observará ao princípio da proporcionalidade, buscando-se o equilíbrio entre o proveito trazido à investigação e o benefício concedido à colaboradora. Não será dada quitação por danos ou prejuízos, devendo o valor pago ser considerado como uma antecipação de pagamentos, sendo possível que outras autoridades não signatárias do acordo ajuízem novas ações cobrando o valor que consideram devido. Esse cenário pode desestimular a celebração de acordos, uma vez que, legalmente, todos os partícipes são considerados solidariamente responsáveis pelos danos causados pelos atos ilícitos. Por fim, não deve haver previsão de aplicação ou investimento diretamente nos órgãos da administração pública.

Práticas de corrupção transnacional. A negociação deve, sempre que possível, compreender tratativas a respeito de prática de corrupção transnacional, em atenção às obrigações internacionais a que o Brasil está vinculado, sendo possível a cooperação com autoridades estrangeiras.

Homologação pela 5ª CCR. Todos os acordos de leniência devem ser submetidos à homologação pela 5ª CCR que pode (i) proferir decisão de homologação, (ii) restituir os autos à origem requerendo novas diligências ou esclarecimentos, ou (iii) rejeitar o acordo. Extrato da deliberação da Câmara será publicado e divulgado, preservando-se, se for o caso, o sigilo do procedimento.

Desafios e perspectivas. Apesar de ser um aperfeiçoamento bem vindo, o texto não endereça importantes questões que circundam os acordos de leniência. Não prevê, por exemplo, (i) um sistema de markers que permita ao interessado iniciar as tratativas sem que tenha reunido todas informações e documentos necessários para celebração do acordo, tal como ocorre com o Programa de Leniência do CADE, e (ii) regras para negociações em que um acordo não é alcançado ou, se alcançado, é rejeitado pela 5ª CCR. É razoável supor que todas as informações e documentos (incluindo os eletrônicos) fornecidos durante a negociação serão devolvidos ou descartados caso as partes não cheguem a um acordo. Essa preocupação ganha ainda mais relevância ao se considerar que todo o processo de negociação é documentado por escrito e os membros do MPF que participam da negociação são exatamente aqueles com atribuição para ajuizamento de ações que busquem a responsabilização da potencial colaboradora. As regras regendo a cooperação com outras autoridades também são bastante limitadas, gerando incerteza sobre o processo.

Empresas envolvidas em casos de corrupção precisarão avaliar cuidadosamente a opção de firmar um acordo de leniência, considerando a multiplicidade de desafios envolvidos em uma negociação de contornos ainda tão pouco definidos. A transição do Programa de Leniência do MPF para um conjunto de regras e procedimentos testado e maduro é um processo ainda em curso e, como é natural em tais situações, incerteza e imprevisibilidade são esperadas.

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