O novo regulamento do Código de Minas

No contexto da reforma do setor de mineração, o Presidente Michel Temer publicou em 12 de junho de 2018 o Decreto nº 9.406, que regulamenta o Código de Minas (Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967)1 e revogará, em 9 de dezembro de 2018, o Decreto nº 62.934, de 2 de julho, de 1968, que atualmente regula a lei.

A nova norma deve modernizar o marco regulatório da mineração brasileiro, mas traz também pontos de legalidade questionável. Além disso, uma das mais importantes mudanças – a substituição do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pela Agência Nacional de Mineração (ANM) – requer medidas que, se não colocadas em prática, afetarão a efetividade da nova agência.

Pontos positivos

O regulamento traz algumas das inovações positivas previstas na Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017, que perdeu eficácia por não ter sido votada a tempo pelo Congresso Nacional.

Uma delas é a inclusão de conceitos técnicos internacionalmente usados na medição de recursos e reservas minerais2, a serem definidos em resolução da ANM, com base em padrões internacionais de declaração de resultados. O uso de conceitos padronizados e internacionais permitirá melhor comparação entre resultados de pesquisas feitas em empreendimentos minerários em território nacional ou estrangeiro, trazendo mais segurança a investidores estrangeiros.

Também como previsto na MP, o regulamento permite a continuidade da pesquisa mesmo após a apresentação do relatório final de pesquisa mineral à ANM quando do pedido da concessão de lavra. Isso possibilita que o titular do direito minerário aprofunde seu conhecimento sobre a jazida em questão. Resultados atualizados também podem ser utilizados para complementar o relatório final entregue à agência, bem como o Plano de Aproveitamento Econômico sobre a exploração da mina.

Outra inovação proposta pela MP e mantida pela norma é sobre o tratamento dado às áreas que deixaram de ser vinculadas a um direito minerário anteriormente existente, chamadas “áreas desoneradas”. Tais áreas serão disponibilizadas a terceiros interessados na exploração mineral, em processos competitivos. O vencedor será determinado por critérios objetivos de seleção e julgamento a serem definidos por resolução da ANM. Com isso, reduz-se a chance de que áreas desoneradas sejam requeridas por pessoas mais interessadas na sua especulação do que na efetiva exploração. Esse problema era frequente no marco regulatório anterior, que permitia que qualquer interessado pleiteasse autorizações de pesquisa em áreas desoneradas – sendo dada prioridade ao primeiro que protocolasse o pedido. Isso gerava a “fila” nas unidades do DNPM, com mais interessados em adquirir os direitos minerários para vendê-los que para exploração mineral.

O regulamento tratou ainda da possibilidade de concessões de lavra serem oferecidas como garantia em financiamentos, com regras a serem definidas em resolução da ANM. Apesar de a oneração de concessões de lavra já estar prevista no Código de Minas, o fato de haver menção expressa a financiamentos foi bem recebido pelo mercado.

Pontos de legalidade questionável

Alguns pontos que o novo regulamento trouxe da MP nº 790/17 são questionáveis, pois não poderiam ter sido regulados por decreto.

Os primeiros são os artigos 5º, §3º, I, e 34, XVIII. Este último estabelece que a execução do plano de fechamento de mina é condição para a extinção do título de concessão de lavra. Já o primeiro diz que o fechamento de mina pode incluir, entre outras medidas, a recuperação ambiental da área degradada. Conjuntamente, estes dispositivos implicariam que a não recuperação ambiental das áreas degradadas pela mineração pode impedir a extinção do título minerário.

A obrigação de promover a recuperação ambiental das áreas afetadas pela mineração está prevista na Constituição Federal3, mas não como condição à extinção do título. A fixação, por decreto, de condições não previstas em lei para a extinção de um direito minerário cria problemas práticos. A recuperação ambiental de áreas degradadas pela mineração é processo demorado. Se for condição para a extinção do título de mineração, ao menos duas perguntas se põem: (i) do ponto de vista do minerador, ele terá que continuar cumprindo obrigações periódicas, como a entrega do Relatório Anual de Lavra, apesar de não ter lavra ativa, por ter um direito minerário não extinto?; e (ii) do ponto de vista de quaisquer terceiros, eles poderão requerer direitos minerários em áreas cobertas pelo direito não extinto do minerador que ainda não tenha concluído a recuperação ambiental das áreas degradadas pela sua atividade?

O segundo ponto questionável é a fixação de multas em função do descumprimento de obrigações decorrentes de direitos minerários. O artigo 52 do regulamento replica o que diz o artigo 63 do Código de Minas: as sanções aplicáveis ao descumprimento de obrigações decorrentes de diretos minerários são advertência, multa e caducidade do título.

No entanto, em seu artigo 53, o regulamento estabelece o valor mínimo e máximo de multas que podem ser aplicadas, e nesse ponto é ilegal. O Código de Minas não atribui a decreto a possibilidade de estabelecer multas pelo descumprimento da legislação minerária. Além disso, a mesma lei já estabelece limites mínimos e máximos para tais multas no artigo 64. Não cabe a decreto regular o que a lei já regula, especialmente se conflitar com o que ela determina – pelo Código de Minas, a multa máxima para infração à legislação mineral é de 1.000 UFIR (correspondente a R$1.064,10)4, aplicada em dobro em caso de reincidência. A nova norma estabelece multa máxima de R$3.293,90, aplicável em dobro em caso de reincidência no prazo de até cinco anos. O regulamento também estabelece, em seu artigo 80, a competência da ANM para reajustar anualmente os valores das multas aplicáveis ao descumprimento da legislação minerária, o que também é ilegal considerando o disposto acima.

Instalação da ANM

Conforme determinado em seu artigo 84, II, o novo regulamento passa a vigorar na data de instalação da ANM. Já a Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017, que cria a nova agência, estabelece que cabe ao Poder Executivo federal instalar a ANM. A mesma lei determina que os integrantes da primeira diretoria da agência, após aprovação pelo Senado Federal, serão nomeados na data de entrada em vigor do decreto que aprovar o regulamento e a estrutura regimental da ANM. A efetiva instalação da ANM também depende de tomarem posse os membros de sua Diretoria Colegiada.

Os seus integrantes já foram indicados pelo Presidente Michel Temer. Portanto, para a efetiva instalação da ANM, estão pendentes a aprovação pelo Senado dos indicados e a publicação e entrada em vigor do decreto com o regulamento e estrutura regimental da ANM, para que os diretores tomem posse.

Na prática, no entanto, há outra questão a ser solucionada para a efetividade da futura agência – a falta de pessoal. Quando da entrada em vigor da lei que criou a ANM, quase 900 pessoas do DNPM foram transferidas ao órgão. Dessas, mais de 300 já têm direito a se aposentar. Portanto, fosse instalada hoje, a ANM teria um contingente 1/3 menor que o do DNPM, com um número de atribuições substancialmente maior. Assim, para que a agência possa funcionar eficientemente, é crucial que haja concurso público para preencher seus quadros, o que depende do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

O novo marco regulatório da mineração procurou criar agência reguladora independente com prerrogativas de regulação e supervisão. No entanto, se o órgão não tiver pessoal suficiente para cumprir suas funções, essa mudança legislativa será de pouca efetividade prática.


1 Na mesma data foi publicado do o Decreto nº 9.407, que trata: (i) da distribuição da CFEM entre Distrito Federal e Municípios afetados pela atividade de mineração, quando a produção não ocorrer em seus territórios; e (ii) da destinação de fração da parcela de 15% para compensar a perda de arrecadação da CFEM por Municípios gravemente afetados pela Lei nº 13.540, de 18 de dezembro de 2017.
2 A medição se dará a partir dos chamados “recursos inferidos, indicados e medidos” e das “reservas prováveis e provadas”.
3 Artigo 225, §2º - “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
4 Apesar de ter sido extinta em 2000, a Unidade Fiscal de Referência (UFIR) continuou a ser utilizada em diversas leis, tendo mantido o seu valor ao tempo de sua extinção: R$1,0641.

 

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Autores L&S

Christian Galvão Davies

Christian Galvão Davies

Sócio

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