Boletim Tributário - Fevereiro 2018

I. Alterações legislativas e normativas

I.1 A polêmica (im)possibilidade da “penhora administrativa" de bens e direitos

Publicada em 10 de janeiro de 2018, a Lei nº 13.606 causou polêmica ao instituir medida que tem sido chamada de “penhora administrativa”1 e permite à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) decretar o bloqueio e a indisponibilidade de bens e direitos do contribuinte sem autorização judicial. De acordo com a norma, para que seja feita a penhora, basta que o contribuinte, notificado da inscrição do débito em dívida ativa, não pague o débito em até cinco dias.

Embora a lei não tenha previsão para a data em que a medida será aplicável, a PGFN estabeleceu, por meio da Portaria PGFN nº 33, publicada em 9 de fevereiro de 2018, que a penhora não pode ser aplicada em relação a débitos inscritos antes de 9 de junho de 20182. A PGFN determinou também que o contribuinte poderá, no prazo de 10 dias após a notificação do débito3, oferecer bens de forma antecipada como garantia do débito ou apresentar pedido de revisão deste4, hipóteses em que a penhora administrativa não será realizada sem que haja análise do pleito do contribuinte.

A portaria estabeleceu ainda que estarão sujeitos ao bloqueio somente os bens e direitos integrantes do patrimônio da pessoa física e os bens registrados no ativo não circulante da pessoa jurídica, em ambos os casos desde que sujeitos a registro público. Assim, não seria possível o bloqueio de contas correntes dos contribuintes

Já há questionamentos judiciais sobre a medida. Duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins)5 foram propostas no Supremo Tribunal Federal (STF), nas quais se busca afastar a penhora administrativa sob os argumentos de que ela violaria (i) a garantia à propriedade privada; (ii) as garantias à ampla defesa, ao contraditório e ao acesso à justiça, uma vez que, com o bloqueio e indisponibilidade de bens o contribuinte poderá não ter condições de se defender adequadamente; e (iii) a disposição constitucional que estabelece a separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, já que a imposição da indisponibilidade seria prerrogativa do Poder Judiciário, e não da PGFN. O relator das ações, ministro Marco Aurélio Mello, ainda não se manifestou sobre o tema.

Paralelamente às Adins, alguns contribuintes e entidades têm buscado a Justiça para evitar que a medida seja aplicada até o julgamento pelo STF.

A 21ª Vara Cível Federal de São Paulo, por exemplo, concedeu liminar a uma indústria paulista impedindo que tenha seus bens bloqueados e indisponibilizados para garantir determinado débito sem prévia autorização judicial. A mesma empresa, contudo, teve liminar negada pela 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, em caso que tratava sobre débito distinto, por ter o Juízo considerado que não haveria inconstitucionalidade ou ilegalidade na norma. Já a 2ª Vara Federal Cível de Vitória, no Espírito Santo, rejeitou liminar semelhante, sem analisar se a medida seria constitucional ou não, por considerar que ainda não haveria risco aos contribuintes – de acordo com a decisão, até que fosse editada a regulamentação da lei, a PGFN não poderia realizar a penhora e, portanto, não haveria risco que justificasse liminar.

A discussão assemelha-se àquela travada quando da edição da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que instituiu o arrolamento de bens e direitos de contribuintes e responsáveis por débitos tributários6, possibilitando a averbação da existência dos débitos perante os órgãos competentes (tais como registro imobiliário ou o Detran), porém sem tornar tais bens ou direitos indisponíveis. A Lei nº 9.532/97 exige que o contribuinte, após ser notificado do arrolamento, comunique à Receita Federal sobre a transferência, alienação ou oneração dos bens ou direitos arrolados. A inexistência da indisponibilidade dos bens nesse caso motivou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a julgar legal o arrolamento fiscal de bens.7

No caso da penhora, entretanto, como os bens e direitos dos contribuintes se tornam indisponíveis com afronta a regras constitucionais8, esperamos que o julgamento que analisa sua validade tenha conclusão distinta daquele relativo ao arrolamento fiscal.

II. Decisões do Poder Judiciário

II.1 Liminar possibilita a compensação antecipada de saldo negativo do IRPJ

Decisão de 24 de janeiro de 2018, da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro, possibilitou que um contribuinte carioca quite débitos tributários federais de forma imediata por meio de compensação com saldo negativo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), independentemente da prévia entrega da Escrituração Contábil Fiscal (ECF).

Desde a edição da Instrução Normativa (IN) nº 1.765, publicada em 4 de dezembro de 2017, a Receita Federal só admite a apresentação de pedido de restituição e/ou compensação de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL após a confirmação da transmissão da ECF, cujo prazo de apresentação, neste ano, se encerrará em 31 de julho.

Esta restrição não encontra amparo legal. Os arts. 6º, § 1º, II, e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, autorizam o contribuinte a requerer a restituição ou a compensação do saldo negativo do imposto sem condicioná-lo à apresentação de qualquer obrigação acessória além do próprio pedido de restituição ou declaração de compensação.

Além disso, como o preenchimento da ECF é complexo e dificulta sua entrega antecipada, a IN nº 1.765/17 tem por efeito prático postergar o exercício do direito à compensação pelo contribuinte, obrigando-o a dispor de recursos para pagar tributos mesmo tendo créditos contra a Fazenda.

Por isso, é acertada a decisão da 28ª Vara, na medida em que as instruções normativas têm função meramente instrumental aos desígnios da lei e não podem inovar para criar limitações inexistentes na lei. A decisão deve servir de importante precedente para que outros contribuintes busquem o Poder Judiciário com o fim de permitir a imediata compensação do saldo negativo relativo ao ano-calendário de 2017, sem se submeter à ilegal postergação imposta pela IN nº 1.765/17.

1 Tal possibilidade foi veiculada pelo art. 25 da lei, que incluiu o art. 20-B na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. A PGFN poderá, ainda, promover o protesto extrajudicial de débitos, com a inscrição do nome do contribuinte perante órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito.
2 Arts. 50 e 52 da Portaria PGFN nº 33/18.
3 Arts. 8 a 14 da Portaria PGFN nº 33/18.
4 Arts. 15 a 20 da Portaria PGFN nº 33/18.
5 Adin nº 5.881, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), e Adin nº 5.886, proposta pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad).
6 A lei permite o arrolamento quando o valor dos créditos tributários do contribuinte ou responsável “for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido”.
7 “O arrolamento de bens, instituído pelo art. 64 da Lei 9.532/1997, gera cadastro em favor do Fisco, destinado apenas a viabilizar o acompanhamento da evolução patrimonial do sujeito passivo da obrigação tributária. Este último permanece no pleno gozo dos atributos da propriedade, tanto que os bens arrolados, por não se vincularem à satisfação do crédito tributário, podem ser transferidos, alienados ou onerados, independentemente da concordância da autoridade fazendária” (Agravo Regimental nº 289.805/SC, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, 12.9.2013).
8 Art. 5º, LIV e LV, segundo os quais ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, no qual sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

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Camila Mariotto

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Isabela Schenberg Frascino

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