Novo marco regulatório da mineração – incertezas à vista

Em 19 de junho foi recebido na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.807/2013, com proposta de novo marco regulatório para o setor de mineração. Seu principal objetivo é promover o desenvolvimento dos investimentos e da produção no setor. Quando comparada ao Código de Mineração vigente (Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967), a sistemática proposta para acesso aos direitos minerários e seus regimes de aproveitamento tende a elevar riscos e custos ao setor privado e, com isso, desestimular investimentos. Além disso, ao aumentar o papel da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) na realização de pesquisas minerais, a nova legislação pode onerar substancialmente os cofres públicos.

A mineração é atividade de alto risco. Entre a identificação de um maciço mineral, a definição de uma jazida e a determinação da exequibilidade de seu aproveitamento econômico, são necessárias diversas etapas, cuja conclusão pode levar anos e envolver elevados investimentos. Frequentemente, fases iniciais da pesquisa, que por si já consomem recursos substanciais, indicam resultados potencialmente promissores que não são confirmados. A credibilidade dos resultados finais das pesquisas minerais também depende de sua certificação, conforme critérios estabelecidos pelo Australasian Code for Reporting of Exploration Results, Mineral Resources and Ore Reserves ou pelo National Instrument 43-101 canadense. A obtenção de informações sobre reservas minerais é, portanto, processo moroso e caro, e nem sempre resultados parciais positivos implicam na existência de reserva mineral economicamente viável.

A legislação minerária vigente contém mecanismos compatíveis com relevantes riscos envolvidos no setor. Impõe poucas barreiras ao início das pesquisas minerais e os custos a serem incorridos pelo minerador previamente ao início de suas pesquisas são relativamente baixos. Além disso, permite que, iniciado um programa de pesquisas minerais, a decisão sobre a evolução para uma etapa posterior dependa dos resultados obtidos em fases anteriores, para que sejam evitados custos elevados e inúteis.

O novo marco regulatório propõe a substituição do mecanismo de prioridade previsto no Código atual por um sistema pelo qual a maioria dos recursos minerais será aproveitada mediante contratos de concessão, precedidos de licitação ou chamada pública1 . O projeto também prevê o aproveitamento de recursos minerais2 pelo regime da autorização, em princípio aplicável a um rol restrito de minérios . Sob ambos os regimes, há um único título para a pesquisa e lavra mineral, diferentemente do sistema atual. No regime da concessão, a nova regulação impõe riscos adicionais à iniciativa privada em comparação à lei vigente. Nos dois regimes, parece haver custos adicionais ao empreendedor.

No que diz respeito a riscos sob o regime de concessão, o principal problema tem relação com as obrigações que o concessionário terá que assumir sob o contrato, considerando as informações que terá disponíveis sobre a área de interesse. Tais informações serão decorrentes de pesquisas realizadas, alternativamente, pela CPRM ou por prévios titulares de direitos minerários sobre a mesma área e cujos resultados tenham sido requisitados pelo poder público, nos termos do projeto de lei.

Ainda é incerta a medida em que a CPRM desenvolverá pesquisas minerais sob a nova legislação. Dificilmente a companhia estará apta a realizar pesquisas além de estágios iniciais, a não ser em parcela pequena de áreas a serem pesquisadas. Caso ocorra, a realização de pesquisas avançadas pela CPRM em áreas extensas comprometerá substancialmente os recursos orçamentários que constituem parte de sua receita. Quanto às pesquisas realizadas por prévios titulares de direitos minerários sobre as áreas de interesse, é improvável que as informações disponíveis sobre qualquer área possam ser consideradas conclusivas por critérios internacionalmente aceitos, pela ausência de certificação.

Com base em tais informações, e antes de ter realizado pesquisas próprias, o interessado em celebrar contrato de concessão deverá definir e, se vencedor, se vincular a pagar à União os seguintes valores: (i) bônus de assinatura - devido no momento da celebração do contrato de concessão; (ii) bônus de descoberta - devido quando da definição da viabilidade econômica da exploração da área; e (iii) participação no resultado da lavra - valor que pode ser adotado como critério de julgamento para a concessão de direitos minerários, sendo este último aplicável apenas às concessões precedidas de licitação.

O concessionário também estará vinculado ao chamado programa exploratório mínimo, que consiste no conjunto de atividades que obrigatoriamente serão realizadas na fase de pesquisa. Essa vinculação, associada à impossibilidade de renúncia a seu direito minerário, pode obrigar o concessionário a ir adiante com todas as etapas do programa, mesmo que fases anteriores tenham indicado a inexistência de jazida ou a inviabilidade econômica de sua exploração, submetendo o minerador a gastos sem expectativa de retorno.

Somam-se a esses riscos os custos, superiores aos atuais, associados à mineração. O modelo proposto parece priorizar o aumento de arrecadação. Os custos compreendem o bônus de descoberta, devido por concessionários e autorizatários, o bônus de assinatura, devido por concessionários, e a participação no resultado da lavra, devida apenas sob concessões precedidas de licitação. O projeto prevê também: (i) a Taxa de Fiscalização, em valor anual entre R$5 mil e R$80 mil, a depender do porte da empresa; (ii) a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), incidente sobre a receita bruta da venda de bens minerais, cujas alíquotas serão fixadas para cada minério em regulamento, até o limite de 4%; (iii) a parcela do proprietário ou possuidor do solo no resultado da lavra, correspondente a 20% do valor devido a título de Cfem; e (iv) o pagamento pela ocupação ou retenção da área, devido anualmente à União, em valor a ser definido pelo Poder Executivo federal.

O projeto também prevê o aumento significativo da multa administrativa simples aplicável a infrações à legislação e regulação minerárias, cujo teto passa a ser R$100 milhões.

O governo alega que o Código de Mineração atual possibilita alto grau de especulação no setor, ao permitir que qualquer pessoa, física ou jurídica, seja titular de direito minerário, independentemente de ter recursos financeiros ou mesmo intenção de realizar o aproveitamento mineral. O modelo proposto pelo novo marco procura atacar esse problema. O objetivo é meritório, mas parece certo que o projeto criará riscos e custos adicionais à iniciativa privada e com isso inibirá investimentos. Alterações pontuais à legislação vigente alcançariam o objetivo sem inibir investimentos no setor.  


1 Fica a cargo do Poder Executivo federal estabelecer as áreas (não os minérios) em que a concessão será precedida de licitação, sendo a chamada pública aplicável às demais.
2 Especificamente, o regime de autorização é aplicável a minérios para emprego imediato na construção civil ou como corretivo de solo na agricultura, água mineral e rochas ornamentais. O Poder Executivo Federal poderá ampliar esse rol.
 

Arquivo PDF

Autores L&S

Christian Galvão Davies

Christian Galvão Davies

Sócio

Outras edições

Política restritiva sobre rankings

Não participamos de ou damos informações a publicações classificadoras de escritórios de advocacia (rankings) com uso de informações confidenciais de clientes. Também não pagamos por espaço editorial ou publicitário. Isso pode levar a omissão ou distorção de informações relativas a nossas atividades em tais publicações. Assim, a visita a nosso site é a maneira mais adequada de conhecer nossas atividades.
developed by asteria.com.br designed by pregodesign.com.br
^