Bancos insolventes podem parar na Justiça

13/01/2014

O projeto de lei de resolução bancária, que atualiza o marco legal sobre a quebra de instituições financeiras, vai incorporar aspectos da Lei de Falências (11.101, de 2005), como o "comitê de credores" e o "juízo universal". Desde 2005, a quebra de bancos, financeiras, consórcios, cooperativas e entidades de previdência complementar ficou de fora do alcance da lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e de falências de empresas, uma vez que, na maioria dos casos, o processo corre fora da Justiça. Pela lei atual de intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras (6.024, de 1974), o BC pode encaminhar casos para a falência na Justiça comum só em duas situações: indícios de crime ou se os ativos não forem suficientes para cobrir até 50% das dívidas com os credores.

O objetivo da nova legislação é tirar o peso das insolvências bancárias das costas do Banco Central (BC)- e os custos, do bolso dos contribuintes. Ampliando as hipóteses de levar uma instituição financeira quebrada à falência, será possível aplicar o conceito de "juízo universal" - que evita julgamentos em várias instâncias. Hoje, por exemplo, os bens dos controladores de bancos que forem relacionados para pagar os prejuízos são apartados do processo de liquidação do banco, que corre judicialmente, separada do processo extrajudicial.

E o "comitê de credores" decide por maioria, evitando discussões intermináveis, e facilitando o trabalho do liquidante. No ano passado, o Banco BVA foi à liquidação exatamente por falta de acordo entre os credores na fase de intervenção. "Além disso, a lei atual dificulta a sucessão: quem comprar um banco falido leva junto a sucessão cível e trabalhista", diz uma fonte do governo, que preferiu não se identificar. "Incorporar esses aspectos da Lei de Falências é o mesmo que transformar a intervenção e liquidação de bancos, que é extrajudicial, em um processo judicial, como no caso das empresas", diz o advogado Eduardo Salomão, sócio do escritório Levy & Salomão.

O projeto de lei de resolução bancária, que está praticamente pronto, também introduz o conceito de "bail in" - quando o resgate de instituições financeiras quebradas é feito pelos próprios acionistas e investidores, e não por dinheiro público. O "bail in", previsto pela lei americana Dodd-Frank, de 2009, foi usado pela primeira vez em bancos no Chipre, no ano passado.

Mas, como todo novo conceito, já está criando polêmica: "Como não será aplicado em bancos públicos, os bancos privados temem ser preteridos pelos investidores, que, sabendo que não serão chamados a contribuir em caso de quebra de um banco público, prefeririam investir neles", diz uma fonte, que preferiu não se identificar. Mas dentro do BC há a convicção de que o temor é injustificado. "O ‘bail in' não é necessariamente ruim; evita uma crise que levaria todos ao prejuízo. Não necessariamente o investidor vai perder mais com o ‘bail in' do que com uma liquidação, quando pode reaver no máximo metade do seus créditos", diz outra fonte, que também não quis se identificar.

"Nem sempre o que é bom para bancos no exterior é bom para o Brasil", diz Salomão. Na sua opinião, a vantagem do "bail in" é tornar mais transparente quem paga a conta em caso de quebra. "Mas atualmente só serviria para salvar bancos de pequeno porte. Nos grandes bancos de varejo, a maior parte dos investidores são pequenos clientes de varejo, sem condições de ajudar a resgatar bancos insolventes. Esses bancos pouco captam no exterior", lembra.

Com a adoção do "bail in", o dinheiro do contribuinte entraria em última circunstância no caso da quebra de um banco: primeiro, é chamado o capital dos acionistas; depois, vários instrumentos "híbridos" (emissão de dívida subordinada e bônus perpétuos); depois, os depositantes e investidores - que terão seus créditos convertidos em ações, tornando-se sócios do negócio. A exceção são os créditos protegidos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC), até R$ 200 mil - estes continuam livres.

José Perez, diretor da área de ratings de instituições financeiras da Standard & Poor's, diz que para viabilizar o "bail in" no Brasil, a nova lei de resolução bancária precisa criar e/ou transformar alguns instrumentos de captação em dívida subordinada - aquela que é chamada, em primeiro lugar, a capitalizar o banco em caso de quebra. "Atualmente, o BC não tem poder de executar o ‘bail in' por falta de instrumentos adequados em volume suficiente", diz Perez. Mas ele acredita que apesar das leis hoje em vigor serem bastante boas, novas ferramentas para resolução bancária são sempre bem-vindas. "O sistema financeiro cresceu muito, e hoje o BC não pode mesmo mais fazer frente sozinho a eventuais problemas que aconteçam com bancos grandes", completa.

O "bail in" não será obrigatório - o BC decidirá quando e onde usar. A princípio, será aplicado apenas para salvar entidades vitais para a infraestrutura crítica de funcionamento do mercado financeiro (BM&FBovespa e Cetip, por exemplo), seguradoras e "instituições financeiras sistemicamente importantes" (ou SIFIs, na sigla em inglês). O Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board - FSB), ligado ao Banco de Compensações Internacionais (BIS) divulga anualmente uma lista dos SIFIs globais (veja ao lado). As instituições globalmente importantes podem não ser importantes em determinado país, mas todas são obrigadas a reforçar seu capital além do exigido pelo acordo de Basileia. Quanto mais capital, menos alavancagem - e menos risco.

Os países integrantes do G-20 (Brasil entre eles) também passaram a monitorar as suas SIFIs. No entanto, nenhum dos países (Brasil inclusive) divulga a lista dos SIFIs domésticos. "Primeiro, porque ela pode mudar dependendo da situação; depois, pode provocar reações, favoráveis ou desfavoráveis. Tudo o que o BC diz tem um peso muito grande e a entidade tem a obrigação de evitar ruídos", disse outra fonte. Estudo divulgado no ano passado pelos pesquisadores do BC Benjamim Tabak, Solange Guerra e Sérgio Rubens Souza mostra que entre sete e 11 instituições financeiras podem ser consideradas "sistemicamente importantes" no Brasil. O presidente do BC, Alexandre Tombini, disse, porém, que de 2017 a 2019, somente 2% de todo sistema financeiro nacional precisará de mais capital.

O documento com a proposta de lei de resolução bancária está praticamente pronto para ser analisado por outras esferas e autarquias federais antes de seguir para a Casa Civil e ser encaminhada, pela presidente Dilma, ao Congresso, onde deve passar por audiência pública. O BC colocou o projeto em audiência pública em 2009, mas a versão atual está bem diferente - incorporou as lições aprendidas pós-crise de 2008 e com as últimas liquidações, bem como as "Key Attributes of Effective Resolution Regimes for Financial Institutions" - ou atributos-chave para regimes de solução de crises em instituições financeiras, acordados no âmbito do FSB pelos países do G-20. São 12 atributos, que visam resolver o problema sem penalizar o contribuinte.

O projeto é uma iniciativa conjunta de órgãos como Susep, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e BC - e liderado por este último. Em maio, Tombini havia dito que o anteprojeto estava quase pronto. Fontes ouvidas por Brasil Econômico disseram nesta semana que o BC já discutiu as principais linhas do documento com entidades de classe, como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e Associação Brasileira dos Bancos Comerciais (ABBC). Agora, aguarda um relato do grupo que estuda novas regras para resolução bancária no âmbito do FSB.

O resgate com dinheiro público (do contribuinte), conhecido como "bail out", foi usado no Brasil diversas vezes - e também pelo governo americano quando resgatou a seguradora AIG em 2008 com uma injeção de US$ 85 bilhões, por exemplo. "Não é interesse do BC ficar administrando liquidação", disse a fonte. Segundo observou, o ideal é propor uma nova lei de resolução enquanto o sistema não está em crise - o Proer, programa de resgate de bancos privados quebrados com dinheiro público, na década de 1990, foi instituído em meio a uma crise. "O sistema de resolução não é para salvar bancos nem banqueiros; é para salvar a infraestrutura do mercado e o SFN", afirmou.

29 MAIS CONTAGIOSOS

Grupo 1
HSBC
JP Morgan Chase

Grupo 2
Barclays
BNP Paribas
Citigroup
Deutsche Bank

Grupo 3
Bank of America
Credit Suisse
Goldman Sachs
Group Crédit Agricole
Mitsubishi UFJ FG
Morgan Stanley
Royal Bank of Scotland
UBS

Grupo 4
Bank of China
Bank of New York Mellon
BBVA
Groupe BPCE
Industrial and Commercial
Bank of China Limited
ING Bank
Mizuho FG
Nordea
Santander
Société Générale
Standard Chartered
State Street
Sumitomo Mitsui FG
Unicredit Group
Wells Fargo

Esta é a mais nova lista de 29 bancos sistemicamente importantes, segundo o Financial Stability Board (FSB). Os bancos no Grupo 1 precisam reforçar o capital em 2,5% além da regra básica de Basileia III; no Grupo 2, 2%; Grupo 3, 1,5% e Grupo 4, 1%. A lista será atualizada novamente em novembro.

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Léa de Luca

Brasil Econômico

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