São Paulo, 10 - O anúncio da fusão Sadia/Perdigão, que originou a BRF - Brasil Foods, faz dois anos neste mês e ainda não recebeu o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A empresa luta para provar que a operação é benéfica para a economia do País e para os consumidores, mas órgãos anticoncorrenciais estão preocupados com a concentração de mercado e em eventual reflexo nos preços finais. Exemplo disso foi o parecer de ontem da Procuradoria-Geral do Cade (ProCade), que questionou as recomendações da Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda (Seae).
Mesmo sem o aval do Cade, a empresa tenta obter ganhos de sinergias de algumas áreas nas quais o Cade liberou a integração. Por conta da assinatura do Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (Apro), em julho de 2009, as estruturas administrativas, produtivas e comerciais das duas companhias (com preservação de marcas, de relações contratuais com terceiros, entre outros) ainda são independentes. O Cade, a princípio, permitiu a reestruturação financeira da Sadia e a contratação de consultoria independente para a identificação das sinergias.
Mas em setembro de 2009, o Cade liberou a integração das atividades de exportação das companhias e, em dezembro, a coordenação das atividades na negociação e aquisição de insumos e serviços. No encontro com analistas e investidores sobre os resultados de 2010, o vice-presidente de Finanças e de Relações com Investidores, Leopoldo Saboya, anunciou, pela primeira vez, o valor total de sinergias após a fusão com a Sadia: R$ 74 milhões.
Segundo o executivo, foram capturados R$ 187 milhões basicamente em economias nas áreas de suprimentos, mas foram gastos R$ 64 milhões e descontados R$ 49 milhões em Imposto de Renda e Participações. "O saldo final ficou acima do que esperávamos, de que, ao final do ano, as sinergias seriam neutras", disse o executivo, na ocasião. Entretanto, segundo ele, o montante promoveu um efeito caixa, mas não de resultado. "Ainda foram ativados R$ 52 milhões de projetos de integração de sistemas", explicou.
Para um analista que preferiu não se identificar, o montante capturado até o momento representa 20% a 30% do que a empresa poderia levantar no período se tivesse o aval do Cade. "Você ainda tem duplicações na questão de pessoal, nas redes de distribuição e eficiência logística das unidades. As sinergias estão aparecendo, mas ainda são muito pequenas", disse. O analista ainda citou que se houvesse a aprovação do Cade, a empresa poderia fazer um melhor posicionamento de suas marcas, com públicos-alvos diferentes e segmentação de preços.
O analista da Link Investimentos, Rafael Cintra, enxerga que, no cenário atual, ainda dá para aumentar os ganhos com a integração das operações internacionais e na aquisição de insumos. "Mas as sinergias serão limitadas. Se demorar muito mais a decisão do Cade, a empresa não conseguirá ir muito além do que ela está apresentando nesse quesito", disse.
Mesmo com esse empecilho, Cintra disse que a empresa, dentro do possível, conseguiu mostrar melhoras nesses dois anos de fusão. "A empresa conseguiu se desalavancar e zerar as questões com os derivativos da Sadia e já houve capturas - mesmo que modestas - das sinergias", destacou o analista.
Para uma fonte ligada à BRF, os benefícios da fusão foram mostrados nos resultados de 2010. "Aumentamos nossas vendas no mercado externo, no doméstico, recuperamos margens, tivemos algum ganho de sinergia mesmo com as restrições impostas pelo Cade. Mas o tempo da decisão final sobre a fusão cria uma expectativa muito grande na companhia. É o que mais está atrapalhando", ressaltou a fonte.
Dois anos: muito tempo ou adequado?
Para o sócio-advogado da Levy & Salomão Advogados, Alexandre Ditzel Faraco, os dois anos de análise do Cade não é um prazo longo. "O caso é muito complexo e exige uma análise profunda de aspectos concorrenciais. São muitos mercados a serem considerados", explica Faraco.
Segundo ele, com o parecer do ProCade, a decisão final está próxima. No mercado, comenta-se que o julgamento do caso pelo Cade pode ser realizado em junho. "O Ministério Público Federal também pode dar um parecer sobre a fusão, já que há um procurador ligado ao Cade. Mas não é regra. Junho seria um prazo razoável para o aval final sobre a operação", esclareceu Faraco.
Já o advogado da Dias Carneiro Advogados, Ricardo Inglez de Souza, o ideal é que a decisão do Cade tivesse sido mais rápida. "Dois anos é justificável pela complexidade do assunto, mas quando há demora no processo de análise, perde-se a eficiência e a eficácia da operação. E aí, as preocupações levantadas na época do anúncio podem ter um efeito colateral inverso na ocasião da aprovação, já que o cenário pode mudar", explicou Souza.
O advogado também ressaltou que no meio do processo de análise da fusão Sadia-Perdigão, a estrutura do Cade passou por mudanças. Entre eles, o término de mandato do então presidente do órgão, Arthur Badin e da saída de outros conselheiros, o que acarretou na inexistência de quórum mínimo para o julgamento do caso. Além disso, o novo presidente empossado, Fernando Furlan, também não pode participar do julgamento do caso, por ser parente de Luiz Fernando Furlan, ex-presidente da Sadia e conselheiro da BRF.