Privatização aeroportuária ainda é aposta no escuro

04/07/2011

O processo de privatização do setor aéreo tem início oficialmente este mês, com o leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal, marcado para o próximo dia 19 de julho. Se por um lado isso é uma boa notícia, afinal, a iniciativa privada começará a aportar recursos numa área extremamente carente de investimentos, como é o setor aeroportuário, por outro há o problema de que o processo de privatização do setor terá início sem ter sido definida uma política clara para os próximos cinco ou dez anos.

Uma das principais incertezas da iniciativa privada, por exemplo, é com relação a qual será de fato o papel da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) na gestão dos aeroportos, porque isso influencia diretamente as estimativas de retorno do investimento.

Recentemente o governo anunciou que pretende fazer as próximas concessões aeroportuárias por meio das Sociedades de Propósito Especifico (SPE), nas quais a Infraero poderá ter até 49% de participação. Também anunciou que os três primeiros aeroportos já em operação a serem privatizados são o de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e o de Brasília. Depois devem ser passados à iniciativa privada o de Confins, em Minas Gerais, e o Galeão, no Rio de Janeiro. Mas, na prática, tudo isso ainda não passa de intenções. E restam muitas dúvidas a respeito de como, de fato, se dará o processo de privatização do setor. "Enquanto não tiver nada no papel, não há nada garantido", afirma o advogado Eduardo Salomão, do escritório Levy & Salomão Advogados, que recentemente promoveu um seminário sobre o tema.

O governo promete divulgar até o final do ano o edital para a licitação dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, prazo que muitos consideram inviável. "É possível, mas será apertado. O edital do aeroporto de São Gonçalo do Amarante levou dois anos para ficar pronto", lembra Alexandre Ditzel Faraco, também advogado do Levy & Salomão. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante será o primeiro aeroporto a ser privatizado no Brasil, mas, diferentemente dos demais, é um empreendimento que vai começar do zero, já que o consórcio vencedor terá de construí-lo.

O presidente da Infraero, Gustavo Vale, já deixou claro que a participação do órgão nos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos poderá ser menor do que 49%, mas não será zero, porque o objetivo é fazer com que o poder público continue tendo influência sobre o futuro desses três aeroportos, que estão entre os principais do País. São Gonçalo do Amarante, por sua vez, será 100% concedido à iniciativa privada.

Outra questão diz respeito à concorrência. No edital do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, por exemplo, não há garantias de que um novo aeroporto não poderá ser construído na sua área de influência. O texto do edital não é claro a esse respeito. "O fator concorrência é uma incerteza a mais nesse debate", diz Faraco.

O advogado americano Zane Gresham, do escritório Morrison & Foerster, que já assessorou parcerias público-privadas em vários setores, inclusive aeroportos, destaca que outro ponto-chave a ser definido é o modelo de tarifa: se será o chamado "single till" ou "dual till".

Pelo "single till", as receitas aeronáuticas e as comerciais, como a obtida com o aluguel de lojas e restaurantes, são consideradas em conjunto e sujeitas a regulação do governo. Já pelo "dual till", elas são consideradas de formas separada e apenas as aeroportuárias estão submetidas a regulação. "O modelo dual till é muito mais atrativo para o setor privado", afirma Gresham.

Também ainda não está claro se o critério para a escolha do vencedor dos leilões será a menor tarifa ou o pagamento do maior valor pela outorga. No aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o critério será a maior outorga.

Com relação a prazo de concessão, o modelo mais comum, segundo profissionais de mercado, são prazos que variam de 25 a 30 anos. Outra dúvida é se os demais aeroportos do País serão licitados em bloco ou individualmente, como o governo diz que fará com Guarulhos, Viracopos e Brasília.

O ideal é que fosse adotado o modelo em bloco, que possibilitaria repassar também à iniciativa privada os aeroportos que individualmente não são rentáveis. Mas isso tornaria a privatização mais complexa e demorada. E a questão do tempo é fundamental para o governo, já que boa parte dos aeroportos já enfrentam gargalos hoje devido ao crescimento da demanda.

"O problema dos aeroportos no Brasil não é para a Copa, é hoje", diz Daniel Goldberg, presidente do Morgan Stanley no Brasil. Segundo ele, durante eventos como a Copa do Mundo, o número de viagens a negócios cai drasticamente no Brasil e boa parte dos turistas que virão ao Brasil chegarão aos aeroportos fora dos horários de pico, em voos fretados. "O problema é agora", afirma, ressaltando que 44 aeroportos no Brasil deixaram de receber voos regionais nos últimos anos.

Ele destaca a importância de o governo rever o sistema tarifário do setor, tornando-o mais flexível e coerente com a realidade de cada aeroporto. "Um sistema de tarifas rígido e uniforme como o atual é oneroso e ineficiente", diz. Alterar essa realidade só será possível, segundo ele, se a gestão do setor for descentralizada. "Cada aeroporto precisa ser visto como uma unidade de negócio."

Apesar das inúmeras incertezas que ainda pairam sobre o processo de privatização do setor, que terá início neste mês de julho, é dado como certo o interesse de investidores privados. Isso porque o negócio de aeroportos costuma ser muito mais rentável do que o de concessões nas áreas de energia e rodovias, por exemplo. Alguns especialistas estimam que, em função das receitas comerciais, o retorno pode chegar a até 60%, enquanto nas outras áreas raramente passa dos 15%.

Silvana Mautone

Agência Estado

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