Governo tenta novamente alterar a tributação de fundos de investimento

Em 31 de julho de 2018, o Governo Federal apresentou ao Congresso projeto de lei (PL) que pretende alterar a incidência do imposto de renda sobre rendimentos de aplicações em alguns fundos de investimento, especialmente os constituídos sob a forma de condomínio fechado, com efeito a partir de 1º de janeiro de 2019. Mudanças similares estavam na medida provisória (MP) nº 806, de 30 de outubro de 2017, que perdeu eficácia por não ser apreciada a tempo pelo Congresso.

Na mesma linha da MP, o PL nº 10.638/18 propõe que fundos fechados sofram incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na sistemática do “come-cotas” (semestral sobre a valorização das cotas de um fundo, em antecipação ao IRRF devido no momento do resgate), exceto em casos ressalvados. O PL soluciona algumas dúvidas que existiam na MP, mas mantém proposições de legalidade e constitucionalidade questionáveis.

Fundos fechados em geral

Atualmente, o come-cotas se aplica apenas aos fundos abertos, com poucas exceções1. De acordo com o PL, a partir de 31 de maio de 2019, passaria a valer também para os fundos fechados, aqueles que não admitem resgate de cotas durante o prazo de sua duração.

O IRRF cobrado em 31 de maio de 2019 alcançaria todo o “estoque” de ganhos/rendimentos acumulados até a data, antes com tributação postergada.

O IRRF recolhido semestralmente seria complementado no momento do efetivo resgate das cotas do fundo, se os rendimentos estiverem sujeitos a alíquotas de IRRF superiores àquelas aplicadas para o recolhimento do come-cotas. Ao contrário da MP, o PL deixa mais claro que o come-cotas seria calculado com base nas alíquotas fixas de costume (15% para fundos de longo prazo e 20% para fundos de curto prazo2).

A extensão do come-cotas para os fundos fechados é mais uma alternativa do Governo para geração de caixa visando ao equilíbrio das contas públicas federais. Estima-se que com a cobrança do IRRF em 31 de maio de 2019 sejam arrecadados cerca de R$ 10,7 bilhões.

A cobrança poderá ser questionada. Fundos fechados, por natureza, não permitem o resgate de cotas durante o prazo de duração do fundo. Portanto, não dão ao cotista disponibilidade jurídica sobre a renda acumulada antes da liquidação do fundo ou de uma efetiva amortização de cotas de acordo com o que estiver estabelecido em seu regulamento.

Segundo o PL, os seguintes fundos fechados ficariam a salvo do come-cotas e continuariam a ser tributados de acordo com a legislação específica:

  • Fundos de Investimento Imobiliário (FII) de que trata a Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993;
  • Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e fundos de investimento em cotas de FIDC (FIC-FIDC);
  • Fundos de Investimento em Ações (FIA) e fundos de investimento em cotas de FIA (FIC-FIA);
  • Fundos constituídos exclusivamente por investidores residentes ou domiciliados no exterior;
  • Fundos de Investimento em Participações (FIP) e fundos de investimento em cotas de FIP (FIC-FIP) qualificados como entidade de investimento, de acordo com a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)3;
  • Fundos de Investimento em Participações (FIP) não qualificados como entidade de investimento, de acordo com a regulamentação da CVM (tributados conforme nova disciplina trazida pelo próprio PL);
  • Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), instituídos pela Lei nº 11.478, de 29 de maio de 2007; e
  • Outros fundos fechados em geral (inclusive fundos de investimento em cotas) que, na data da publicação da lei, prevejam expressamente em seu regulamento o término improrrogável até 31 de dezembro de 2019, caso em que permanecerão tributados apenas por ocasião da amortização de cotas ou do resgate para fins de encerramento, sem prejuízo da incidência prevista nos casos de cisão, incorporação, fusão ou transformação do fundo.

FIPs qualificados

O PL propõe alterações, a partir de 1º de janeiro de 2019, à tributação dos FIPs qualificados como entidade de investimento, isto é, entidade com investidores independentes de mercado, de acordo com a regulamentação da CVM.

Os recursos obtidos pelo FIP qualificado na alienação de investimentos em companhias investidas e em outros ativos considerados para fins de enquadramento, deduzidas as despesas e encargos do fundo, seriam considerados como distribuídos aos cotistas (se não distribuídos anteriormente) no último dia útil do mês subsequente ao recebimento. Seriam também considerados distribuídos aos cotistas, para incidência do IRRF, recursos recebidos pelo FIP qualificado em decorrência da amortização de cotas de FIPs nos quais invista.

Os rendimentos distribuídos ou considerados distribuídos nos termos acima estariam sujeitos ao IRRF à alíquota de 15% a partir do momento em que seu valor total superasse o total do capital integralizado no fundo.

O intuito é impedir que o FIP reinvista os ganhos com tributação postergada, como atualmente.

Embora o PL não esclareça este ponto, dá a entender que tal IRRF seria tratado como recolhimento definitivo, no lugar de uma antecipação do IRRF devido no resgate das cotas do FIP.

Assim como a MP nº 806/17, o PL revoga a exigência da Lei nº 11.312, de 27 de junho de 2006 de que as carteiras de FIPs e de Fundos de Investimento em Empresas Emergentes fossem compostas de no mínimo 67% de ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição. Passariam a se aplicar somente as regras regulatórias de enquadramento e composição das carteiras desses fundos.

A classificação do FIP como entidade de investimento envolve alguma subjetividade e discricionariedade pelo administrador do fundo, o que pode trazer insegurança quanto ao tratamento fiscal aplicável.

FIPs não qualificados

FIPs não qualificados como entidade de investimento têm tratamento diferenciado no texto. A partir de 1º de janeiro de 2019, os rendimentos da carteira do FIP passariam a ser tributados de acordo com as regras aplicáveis às pessoas jurídicas.

Além dessa tributação, rendimentos e ganhos do FIP desqualificado como entidade de investimento, não distribuídos aos cotistas até 2 de janeiro de 2019, seriam considerados distribuídos nesta data e ficariam sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15%, a ser recolhido pelo administrador até 31 de maio de 2019. Para apurar os rendimentos e ganhos sujeitos a essa tributação, o FIP deveria considerar os critérios contábeis previstos nas normas contábeis editadas pela CVM para FIPs desqualificados.

O PL prevê ainda que o investidor deveria prover previamente ao administrador do FIP os recursos necessários ao recolhimento do IRRF. Caso não o faça, o FIP ficaria impedido de distribuir ou repassar recursos aos cotistas ou realizar reinvestimentos ou novos investimentos, até que o imposto seja integralmente quitado. Nesse caso, o IRRF seria provisionado em 2 de janeiro de 2019 e, se recolhido após 31 de maio de 2019, ficaria sujeito a juros e multa de mora.

Embora o PL não seja claro, dá a entender que esse IRRF seria tratado como recolhimento definitivo, e não antecipação do IRRF devido por ocasião do resgate das cotas do FIP.

Também não há clareza sobre como os investidores de FIPs desqualificados seriam tributados em relação aos rendimentos produzidos após a incidência do IRRF em 2 de janeiro de 2019.

Possíveis alternativas seriam (i) aplicação das regras de distribuição presumida e incidência do IRRF à alíquota de 15%, aplicáveis aos FIPs qualificados, (ii) incidência do come-cotas como nos demais fundos fechados, ou (iii) não tributação, considerando que já haveria incidência de tributos no nível da carteira, de acordo com as regras das pessoas jurídicas em geral.

A terceira opção seria a mais adequada, pois se o FIP não qualificado é equiparado à pessoa jurídica para tributação, deveria também poder distribuir seus resultados aos cotistas (após a tributação da carteira) de modo isento. Parece ser também a alternativa mais provável, já que a própria Receita, em tabela anexa à Nota Executiva emitida à época da MP nº 806/17, não fazia referência à tributação dos rendimentos posteriores a 2 de janeiro de 2019.

Investidores não residentes

As propostas do PL não afetam a isenção fiscal de rendimentos de FIPs auferidos por não residentes no Brasil, prevista pelo art. 3º da Lei nº 11.312/06. O IRRF sobre rendimentos de outros fundos, desde que constituídos exclusivamente por residentes ou domiciliados no exterior, permanece devido exclusivamente no resgate de cotas, como havia sido confirmado pela Receita na Nota Executiva de 2017.

Tais investidores seriam afetados indiretamente apenas no caso de FIPs desqualificados não constituídos exclusivamente por residentes no exterior, já que a tributação no nível da carteira do FIP poderia reduzir o montante dos rendimentos disponíveis para distribuição.

Reorganizações de fundos fechados

O PL resgatou a disposição geral da MP nº 806/17 sobre tributação dos cotistas em casos de cisão, incorporação ou transformação de fundos de investimento, mas restringindo-a aos fundos fechados.

A partir de 1º de janeiro de 2019, seriam considerados como pagos ou creditados aos cotistas os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e o respectivo custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas, ou o valor da cota na data da última incidência do IRRF.

Se o PL for aprovado ainda este ano, recomenda-se realizar eventuais reorganizações de fundos fechados até 31 de dezembro de 2018, já que a partir de 1º de janeiro de 2019 não haveria mais a possibilidade de realizar reorganizações sem impacto tributário, tal como hoje permitido pela Instrução Normativa RFB nº 1.585, de 31 de agosto de 2015.

Outros investidores

As regras de tributação agravada propostas pelo PL não alcançariam rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de titularidade das instituições financeiras, sociedades de seguro, previdência e capitalização, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades de arrendamento mercantil.

Bases para questionamento

Além do possível questionamento à extensão do come-cotas aos fundos fechados, há fundamento para questionar as novas formas de tributação do “estoque” de rendimentos não distribuídos que tenham sido gerados e acumulados antes de 1º de janeiro de 2019, antes sujeito a tributação postergada.

Tanto o administrador do fundo (fonte pagadora – sujeito passivo e devedor do tributo como responsável tributário) como o cotista (quem arca economicamente com o ônus do imposto – contribuinte) teriam legitimidade para propor medida judicial com o fim de questionar a nova tributação4.

Aprovação pelo Congresso

Para que produza efeitos a partir de 1º de janeiro de 2019, o PL precisa ser aprovado pelo Congresso até o último dia do exercício de 2018. O Governo espera que seja aprovado antes das eleições de outubro, mas a chance é extremamente baixa, já que o texto só foi distribuído às comissões da Câmara dos Deputados no dia 14 de agosto.

Além disso, considerando o número de emendas de parlamentares à MP nº 806/17, é pouco provável que o PL seja aprovado com a redação apresentada pela Presidência. Deverá sofrer alterações, alongando debates.


1. Por exemplo, os Fundos de Investimentos em Ações e os Fundos de Previdência.
2. Consideram-se fundos de curto prazo aqueles cuja carteira de títulos tenha prazo médio igual ou inferior a 365 dias. Em Nota Executiva editada durante a vigência da MP nº 806/17, a Receita Federal havia sugerido que o come-cotas para os fundos fechados incidiria às mesmas alíquotas regressivas aplicáveis por ocasião do resgate de cotas (de 22,5% a 15%, dependendo do prazo do investimento).
3. Instrução CVM (ICVM) nº 579, de 30 de agosto de 2016.
4. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) reconhecem a legitimidade da fonte, enquanto precedentes do TRF-3 e disposições do Parecer Normativo Cosit nº 1/2002 indicam a legitimidade do contribuinte (cotista).

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Autores L&S

Isabela Schenberg Frascino

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Sócia
Pedro Araújo Chimelli

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Consultor

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