Implicações da ineficiência estatal na solução de conflitos

No dia 6 de setembro de 2018, a Segunda Turma1 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou o Estado do Amazonas ao pagamento de indenização por danos morais em favor de uma cidadã pela excessiva morosidade do serviço prestado pela justiça amazonense em ação de cobrança de pensão alimentícia.

A tese de defesa do Estado do Amazonas - excesso de demandas e escassez de recursos públicos - não convenceu o STJ. Prevaleceu o entendimento de que a “insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos judiciais (...) não priva os cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente2, em razão, inclusive, da garantia fundamental da razoável duração do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

Embora verse sobre processo judicial, o precedente firmado pelo STJ é extensível aos processos administrativos, cuja morosidade é igualmente notória. Em caso de demora, a prestação do serviço público terá sido defeituosa e ilícita ao desrespeitar direito fundamental à célere resolução de conflitos.

Conforme decidido pelo STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos3, na seara administrativa federal os recursos apresentados pelo contribuinte devem ser decididos no prazo de 360 dias estabelecido pelo art. 24 da Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007.

Passado o prazo legal sem a efetiva apreciação do requerimento feito pelo contribuinte estará configurado ato ilícito do Estado. Como consequência, o Estado deverá reparar os danos materiais ou morais eventualmente sofridos e o contribuinte poderá buscar amparo judicial para forçar a célere apreciação administrativa de seu requerimento4.

Outro aspecto que emerge da ineficiência estatal é relacionado à exigência dos juros computados sobre o tributo em cobrança no período compreendido entre o final do prazo de 360 dias e a decisão administrativa sobre o requerimento do contribuinte.

Isso porque os juros incorridos após o prazo legal estabelecido para o julgamento do requerimento do contribuinte são decorrentes exclusivamente da mora do Estado e, portanto, não podem ser imputados ao contribuinte5.

Por concentrar as figuras de credor e julgador, não há sentido o Estado se aproveitar de sua própria torpeza, incrementando a arrecadação por meio da indevida capitalização da dívida de contribuinte inocente pela demora no julgamento. Isso sob pena de desrespeito aos princípios da legalidade, da moralidade, da probidade, da celeridade processual e da atuação eficiente que norteiam sua atuação.

Neste sentido, o STJ decidiu que o “aproveitamento de créditos escriturais, em regra, não dá ensejo à correção monetária, exceto quando obstaculizado injustamente o creditamento pelo fisco”, o que se configura pelo transcurso do “prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para a análise dos pedidos de ressarcimento6. O decurso do prazo legal para decisão administrativa legitima a correção monetária de crédito de contribuinte e, por imperativo lógico, o cancelamento dos juros cobrados em excesso, quando o contribuinte está na posição de devedor7.

A morosidade estatal também levou os contribuintes a defender a ocorrência de prescrição intercorrente ou perempção na esfera administrativa. Por meio dos referidos institutos jurídicos, a inércia ou o desinteresse do Estado em cobrar implicariam cancelamento integral da exigência.

Diante do prazo inicial de 5 anos para cobrança do tributo8, argumentou-se que o Estado teria prazo idêntico para concluir o procedimento de constituição do crédito tributário. Findo o referido prazo sem definição a respeito do pedido formulado pelo contribuinte, o débito seria extinto pela passividade estatal.

O tema foi debatido perante o STJ, prevalecendo tese contrária aos interesses dos contribuintes, no sentido de que o “recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo (...), afastando-se a incidência prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica910 .

É importante que os contribuintes permaneçam atentos ao prazo havido pelo Estado para decidir seus pedidos. A demora injustificada no processamento do caso permite ao contribuinte (i) buscar reparação dos danos morais e materiais emergentes da conduta ilícita estatal, (ii) propor medida judicial para acelerar a apreciação administrativa de suas razões e (iii) recusar a cobrança de juros relativos ao período em que a mora for imputável ao Estado.

Ainda seria possível alegar a ocorrência de prescrição intercorrente. Contudo, apesar da solidez da tese, são no momento diminutas as chances de o argumento vir a ser acolhido, em razão da evolução desfavorável do entendimento jurisprudencial acerca da matéria.


1 Recurso Especial n. 1.383.776/AM.
2 Trecho do voto do relator no Recurso Especial n. 1.383.776/AM.
3 Recurso Especial n. 1.138.206/RS, Primeira Seção, julgado em 9 de agosto de 2010.
4 Nesse sentido: acórdão exarado pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no julgamento da Remessa Necessária n. 0000180-28.2017.4.03.6102, de 21 de fevereiro de 2018.
5 Art. 396 do Código Civil: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.
6 Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.567.339/RS, Segunda Turma, julgado em 16 de março de 2017, dentre outros.
7 Caso análogo foi apreciado pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região em 29 de setembro de 2005, por ocasião do julgamento da Apelação n. 0006798-71.2011.4.05.8000. Na oportunidade, foi decidido que o “fato de a Lei 11.941/2009 (...) não estipular prazo para a consolidação do parcelamento não traz a conclusão de que o exercício da referida competência poderá ocorrer a qualquer tempo. Aplicável, inclusive por ser a solução mais benéfica à Administração, o art. 24 da Lei 11.457/2007, o qual fixa o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para a decisão administrativa. (...) Deixando escoar tal intervalo sem concluir a consolidação da dívida objeto do pedido de parcelamento, a Administração Tributária se encontra em mora, por haver descumprido obrigação que a relação bilateral regrada pela Lei 11.941/2009 lhe impunha, devendo, a partir de então, ser suspensa a fluência dos juros de moratórios em face do contribuinte, a qual somente se reinicia quando aperfeiçoada a consolidação (...)”.
8 Contados da ocorrência do fato gerador, se houve pagamento antecipado e inexiste dolo, fraude ou simulação; ou iniciados no primeiro dia útil do exercício financeiro seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos demais casos.
9 Recurso Especial n. 1.113.959/RJ, Primeira Turma, julgado em 15 de dezembro de 2009.
10 Súmula n. 11 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf): “Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.

 

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