Norma redefine regras aplicáveis a infrações no mercado de capitais

A Lei nº 13.506, sancionada no dia 13 de novembro, substitui a Medida Provisória nº 784, de 7 de junho de 2017, e traz novas regras para o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Destacaremos neste artigo as principais mudanças em relação ao regime estabelecido pela MP nº 784/17 no que tange à competência da CVM. Em boletim anterior, tratamos das regras previstas na MP, que perdeu eficácia por não ter sido votada pelo Congresso Nacional no prazo constitucional.

Acordo administrativo e termo de compromisso1

A Lei nº 13.506/17 alterou a nomenclatura do “acordo de leniência”, instituído pela MP nº 784, para “acordo administrativo em processo de supervisão”. Evita-se, assim, confusão com os acordos relativos a questões criminais e com aqueles celebrados com a Controladoria Geral da União (CGU) e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A norma estabelece que o Ministério Público poderá requisitar à CVM informações sobre tais acordos administrativos, não podendo a CVM alegar sigilo. Prevê também que a autarquia deverá manter fórum permanente de comunicação com o Ministério Público.

Propostas de termos de compromisso e de acordos administrativos serão sigilosas. Os termos e acordos, uma vez aprovados, serão públicos.

Penalidades administrativas

A Lei nº 13.506/17 estabelece como critérios para aplicação de multa a proporcionalidade, razoabilidade, capacidade econômica do infrator e os motivos que justificam a sua imposição. A multa não poderá exceder o maior dos seguintes valores: (i) R$ 50 milhões2; (ii) o dobro do valor da emissão ou da operação irregular; (iii) três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito; ou (iv) o dobro do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ilícito. Os valores poderão ser triplicados na hipótese de reincidência.

Manteve-se a possibilidade de a CVM proibir o acusado de realizar contratos com instituições financeiras oficiais por até cinco anos e de participar de licitação de aquisições, alienações, concessões de serviços públicos e realizações de obras e serviços. Repetindo a omissão da MP, a lei não determina prazo máximo para a proibição de participar de licitações. Este ponto deve ser revisto, uma vez que não seria razoável punição por prazo ilimitado.

Regras processuais

Os recursos contra as condenações da CVM serão recebidos com efeitos devolutivo e suspensivo, o que impede a aplicação imediata da penalidade.

Em caso de penas restritivas de direito, previstas para infrações graves ou reincidência3, os recursos serão recebidos apenas com efeito devolutivo. Nesse caso, será possível requerer que também haja efeito suspensivo. Os critérios para a concessão do efeito suspensivo – que sob a MP nº 784/17 eram o justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação e o interesse público – deverão ser estabelecidos pela CVM em regulamentação própria.

A Lei nº 13.506/17 eliminou dispositivo da medida provisória que incumbia ao acusado o ônus da prova de suas alegações, o que, como indicado no boletim anterior, poderia ser interpretado como inversão do ônus da prova, o que violaria o devido processo legal. 

Uma importante novidade está prevista no § 2º do artigo 29 da lei: apenas o administrado poderá recorrer, e é vedado o aumento da penalidade em razão do recurso4. Como é norma específica, ela prevalece em relação à lei que regula o processo administrativo em geral no âmbito da Administração Pública Federal, que permite o agravamento da situação do recorrente.

A exemplo dos processos de competência do Banco Central, a Lei nº 13.506/17 previu a possibilidade de a CVM deixar de instaurar processo administrativo quando julgar que a conduta não resulta em lesão significativa. Medida positiva por direcionar os recursos públicos em processos com maior impacto sobre os mercados e a sociedade5.

Insider trading

A lei modificou de forma relevante o tratamento ao crime de “insider trading” (uso indevido de informação privilegiada). Retirou do artigo 27-D da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, o requisito de dever de sigilo para a configuração do tipo penal, o que limitava muito a configuração do crime.

A negociação de valores mobiliários com uso de informação privilegiada passa a constituir crime tanto em relação a insiders primários (pessoas ligadas à companhia e que obtêm a informação privilegiada de forma direta) quanto a insiders secundários (pessoas que têm acesso à informação privilegiada por meio dos insiders primários).

Considerações finais

Enquanto as novas penalidades só poderão ser aplicadas para fatos ocorridos a partir da publicação da Lei nº 13.506/17, os novos acordos administrativos já podem ser utilizados para fatos anteriores, incluindo processos em andamento.

A nova lei eliminou o que seria uma importante fonte de recursos para a CVM: o Fundo de Desenvolvimento de Mercado de Valores Mobiliários. Previsto na MP nº 784/17, o fundo teria o propósito de promover o desenvolvimento do mercado de capitais e a inclusão financeira por meio de projetos da autarquia com recursos provenientes de termos de compromisso.

Cabe agora à CVM regulamentar os institutos da lei que não possuem aplicabilidade imediata, a exemplo dos acordos administrativos.


1Apesar de semelhantes, os institutos possuem diferenças relevantes. Enquanto no termo de compromisso não há assunção de culpa, no acordo administrativo a confissão da participação no ilícito é um requisito.
2Na MP nº 784/17 o limite era de R$ 500 milhões.
3Incisos IV, V, VI, VII e VIII do art. 11 da Lei nº 6.385, de 7 de setembro de 1976.
4Em linha com a orientação jurisprudencial do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN).
5Sobre processo administrativo no sistema financeiro, vide nosso Boletim:
Sancionada lei sobre processo administrativo no sistema financeiro.

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Autores L&S

Camila Mariotto

Camila Mariotto

Consultora

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