O Brasil, a OCDE e o ocaso do sigilo bancário

Maior pressão sobre os orçamentos públicos, motivada por questões como o acréscimo de demanda das populações por bens e serviços, em parte subproduto do consumismo, mas também pelo mal uso de fundos públicos e concorrência internacional agressiva, é uma característica de economia mundial. Característica que teve eco na busca de governos por mais receitas. Um caminho natural e não traumático para obtê-las, por não implicar aumento da carga tributária, é a detecção de recursos não declarados, e investidos no mercado financeiro internacional, por seus cidadãos.

Foi nessa lógica que após entendimentos com países europeus os Estados Unidos aprovaram a lei denominada Fatca (Foreign Account Tax Compliance Act). Essa norma impôs a instituições financeiras e entidades assemelhadas fora dos Estados Unidos (FFIs) obrigação de informar contas detidas por americanos, sob pena de sofrerem retenção de até 30% sobre pagamentos provenientes de fontes americanas. A mecânica da troca de dados foi indicada em acordo intergovernamental (Intergovernmental Agreement, ou IGA) firmado entre Brasil e Estados Unidos em 23 de setembro de 2014.

Em um segundo ato do mesmo drama, os países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovaram em abril de 2009 texto revisado de sua preexistente Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais. Tal convenção, originalmente de 1988 e agora repaginada, passou a aceitar a adesão de membros externos ao grupo original, e foi aberta para assinatura em junho de 2011. O Brasil a assinou e hoje está pendente sua ratificação pelo Congresso Nacional, solicitada pela Mensagem nº 270, de 2014, do Poder Executivo. Uma vez ratificada e publicada por decreto legislativo, entrará em vigor no Brasil.

O artigo 6º da convenção prevê troca de informações fiscais de forma automática, na maneira que venha a ser acordada entre as partes signatárias. Regra que é moderada, entretanto, pelo seu artigo 21, segundo o qual direitos e salvaguardas de pessoas não podem ser desrespeitados na aplicação da convenção, entre os quais o segredo profissional.

Ocorre que o sigilo bancário é uma modalidade de sigilo profissional, o qual pela Lei Complementar nº 105/2001 (Lei do Sigilo Bancário) encontra número limitado de exceções, todas dadas pela lei. O sujeito obrigado ao sigilo é a instituição financeira, mas não apenas ela: as informações bancárias continuam sujeitas ao sigilo quando transferidas ao Fisco. É na proteção constitucional à intimidade e à vida privada, prevista na Constituição Federal, que o sigilo bancário encontra seu fundamento. O que se busca resguardar, em outras palavras, não é a informação simplesmente por ser detida por uma instituição financeira, mas sim a informação cuja divulgação possa causar dano à intimidade e à vida privada na falta de controle exercido pelo Poder Judiciário.

Assim, não haveria sentido em considerar que apenas porque passada ao Fisco a divulgação da informação se torna livre a qualquer terceiro, inclusive autoridades de países estrangeiros. Por isso, só com alteração da Lei do Sigilo Bancário seria permitida a troca de dados.

Presente esse pressuposto de alteração legislativa, a OCDE previu a assinatura, entre as autoridades fiscais dos países cooperantes, de acordo subsidiário chamado de Competent Authority Agreement. Esse acordo contém essencialmente a obrigação de troca de informações.

Em anexo do acordo, o Common Reporting Standard, prevê obrigações pormenorizadas de auditoria de contas pré-existentes e futuras pelas instituições financeiras de cada país, para apuração do Estado de residência do correntista, e do controlador final de entidade de investimentos passivos, a chamada Passive NFE, conceito em que se incluem as sociedades em países de baixa tributação, trusts e fundações. Tais elementos devem ser comunicados pelas instituições financeiras às autoridades responsáveis em seus países, para transferência ao país de residência do correntista ou do controlador da Passive NFE.

Objeto da análise são contas de depósito, contas de custódia e apólices de seguros que tenham a potencialidade de assegurar retorno financeiro, entre outros ativos. Contas de pessoas físicas já existentes na data de adoção das regras serão sujeitas a revisão simplificada, para simples detecção do endereço de residência informado, se até US$ 1 milhão. Contas de pessoas físicas de valor superior a esse se sujeitam a revisão eletrônica e na falta de elementos eletrônicos suficientes também de documentação impressa, bem como a confirmação das informações pelo gerente de relacionamento responsável pelo cliente. Já contas de pessoas jurídicas só são sujeitas a análise quando seu valor superar US$ 250 mil.

A análise de titularidade de contas no modelo da OCDE é muito mais rigoroso do que a exigida pelo modelo Fatca/IGA. Neste último, contas detidas nos Estados Unidos por meio de sociedades domiciliadas fora do Brasil, bem como de depositários, não eram comunicáveis às autoridades brasileiras. Já na mais ampla sistemática da OCDE, esses anteparos são desconsiderados.

Para a entrada em vigor no Brasil das normas da OCDE faltam passos importantes: a ratificação pelo Congresso Nacional e publicação no Brasil da convenção, firmada pelo país em 2011; a edição de alteração à Lei do Sigilo Bancário permitindo o fornecimento de informações bancárias pela Receita Federal a autoridades estrangeiras; e a assinatura do Competent Authority Agreement, incluindo seu anexo, o Common Reporting Standard.

São providências trabalhosas, inclusive sob o aspecto político, mas que o Brasil se comprometeu a tomar rapidamente em documento intitulado Declaração Relativa à Troca Automática de Informações para Fins Fiscais, adotada em 6 de maio de 2014 em reunião em Paris do Conselho da OCDE. A convenção tramita hoje em regime de urgência no Congresso, e a previsão do governo divulgada pela imprensa é que o novo sistema de detecção opere a partir de 2018.

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Autores L&S

Eduardo Salomão Neto

Eduardo Salomão Neto

Sócio

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