"Step-in rights": uma solução para investimentos no setor elétrico?

A crise vivida hoje pelo Brasil cria uma situação complexa: exige o aumento da capacidade de geração da economia e o desenvolvimento de infraestrutura ao mesmo tempo em que torna escassa a fonte de recursos públicos para financiamentos. Para resolver esse impasse, a Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) pode abrir possibilidades não evidentes à primeira vista.

O project finance é mecanismo de financiamento pelo qual os financiadores contam com o fluxo de caixa e com os ativos provenientes de um projeto como fontes primárias de pagamento e como garantia do capital investido. Esse mecanismo possibilita a diluição dos riscos de projetos, fazendo com que o Estado deixe de ser o principal investidor em projetos, passando a função à iniciativa privada.

Nesse contexto, o art. 27-A da Lei de Concessões (introduzido pela Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015) concede aos financiadores e garantidores o direito de assumirem o controle ou a administração temporária da concessionária para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços. Esse direito de origem anglo-saxã é comumente conhecido como step-in right, mas pouco explorado no Brasil.

A possibilidade de assumir o controle ou a administração temporária é particularmente relevante nas operações de project finance, pois não interessa ao credor executar as garantias obtidas pelo financiamento. Isso porque tipicamente os ativos da sociedade do projeto valem menos se vendidos separadamente do que a dívida incorrida para adquiri-los. Mais interessante ao credor é a continuidade do empreendimento, permitindo que o fluxo de caixa e os ativos gerados compensem o capital investido.

O setor elétrico brasileiro é exemplo de ambiente regulatório favorável à estruturação de projetos pela via do project finance1 e tem procurado atrair tanto capitais públicos quanto privados. Os principais fatores que contribuem para o sucesso do modelo do project finance no setor são:

(i) exigências de grandes inversões iniciais de capital ao mesmo tempo em que o fluxo de caixa é previsível e estável, possibilitando aumento considerável da alavancagem financeira;

(ii) os ativos de geração e transmissão de energia são fisicamente identificáveis e, portanto, podem ser econômica e legalmente segregados por meio de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE)2; e

(iii) existência de um ambiente regulatório estável.

Cabe indagar como o project finance e os step-in rights se complementam no setor elétrico brasileiro. O step-in pode se dar de duas maneiras: cessão de controle sem escopo de garantia ou cessão de controle como garantia.

A primeira é viabilizada pelo art. 9º da Resolução Normativa nº 484, de 17 de abril de 2012, que permite a assunção do controle societário da empresa por seus financiadores para reestruturação financeira e para assegurar a continuidade da prestação dos serviços de energia elétrica.

A segunda via também é possível, pois o art. 5º da Resolução Normativa nº 532, de 14 de janeiro de 2013, faculta aos sócios de sociedades concessionárias, permissionárias e autorizadas de geração oferecer ações em garantia.

É bem verdade que o art. 5º da Resolução nº 532 determina que a implementação de uma cláusula de step-in dependerá da anuência prévia da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mas seria possível obter a autorização final já no momento da contratação da operação, sem esperar inadimplemento para solicitá-la? A questão é importante, porque a obtenção da autorização em tese confere segurança aos financiadores para desembolsarem os recursos, o que não ocorreria se tivessem de esperar pelo inadimplemento para obtê-la.

Interpretação restritiva na matéria é inadequada. Primeiro por atentar contra as disposições liberalizantes do artigo 27-A da Lei de Concessões, que têm por fim a atração de financiamentos para o setor de infraestrutura brasileiro. Mas também porque o processo de autorização prévia a ser seguido é aquele estatuído pela própria Resolução nº 532. Esse regime é compatível com a autorização prévia a ser obtida logo no desembolso dos recursos pelos financiadores, e cuja eficácia ficaria condicionada ao inadimplemento de principal e juros devidos a financiadores.

Conclui-se que o project finance é especialmente interessante no setor elétrico. Porém, pode ser ainda mais caso a experiência brasileira consolide estratégias como a dos step-in rights. Esse caminho motivaria investidores e resultaria no desenvolvimento da infraestrutura brasileira, até aqui precária, se observado em futuros contratos de obras de transmissão e de geração de energia elétrica. Estamos em bom momento para refletir sobre isso, às vésperas daquele que é chamado o "maior leilão de transmissão da história", a ocorrer em fevereiro de 2016, de acordo com a Aneel.


1 Isso fica evidenciado a partir da Lei nº 10.848 de 15 de março de 2004, que ficou conhecida como "marco regulatório" do setor e foi regulamentada pelo Decreto nº 5.163 de 30 de julho de 2004.
2 O Papel do BNDES na Expansão do Setor Elétrico Nacional e o Mecanismo de Project Finance. Nelson Fontes Siffert Filho, Leonardo de Almeida Alonso, Eduardo Barros das Chagas, Fernanda Rechtman Szuster e Claudia Sardenberg Sussekind.

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Autores L&S

Eduardo Salomão Neto

Eduardo Salomão Neto

Sócio
Fabio Kupfermann Rodarte

Fabio Kupfermann Rodarte

Advogado

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