As reportagens abaixo são de autoria de Aramis Merki II, Jean Mendes e Marianna Gualter.
Ao passo que dá mais clareza, regulação para empresas cripto traz custos para o setor
A regulamentação do Banco Central (BC) para prestadoras de serviços de ativos virtuais (PSAVs) deve promover uma filtragem significativa no setor de criptoativos brasileiro, com impacto dos custos regulatórios para as empresas do segmento. Especialistas na área projetam que um cenário de consolidação pode se desenhar a partir de fevereiro do ano que vem, quando as normas passam a valer.
Nesta segunda-feira, 10, a autarquia publicou as Resoluções 519, 520 e 521, que determinam regras para o funcionamento de intermediárias, custodiantes e corretoras que atuam com ativos virtuais, além de incluir algumas operações no mercado de câmbio.
Para Isac Costa, professor do Insper e diretor do Instituto Brasileiro de Inovação e Tecnologia (Ibit), a "régua alta" do BC deve estimular que empresas maiores comprem as menores. Ele também vislumbra que um modelo semelhante ao de Banking as a Service, em que prestadores regulados oferecem sua estrutura para que outras marcas operem, pode surgir. “Exchanges estrangeiras podem repensar seus planos de atuar no Brasil. Uma alternativa pode ser a parceria com exchanges nacionais, que passariam a atuar como representantes locais para viabilizar a oferta de serviços a investidores brasileiros”, afirma.
O BC estabeleceu algumas equiparações ao conjunto de normas aplicáveis a instituições financeiras tradicionais. Entre elas estão exigências de capital mínimo, segregação patrimonial obrigatória e práticas equivalentes às bancárias em segurança cibernética e prevenção à lavagem de dinheiro.
Fabio Rodarte, advogado especialista em ativos digitais do Levy & Salomão Advogados, aponta que o capital mínimo inicialmente projetado pelo BC durante as consultas públicas, de R$ 3 milhões, era bem menor do que os valores definitivos.
Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, do Carvalho Borges Araujo Advogados, resume que as quantias exigidas devem dificultar a operação de empresas de menor porte.
Os montantes não foram definidos nas resoluções atuais, mas seguem a Resolução Conjunta nº 14, publicada pelo BC e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para as PSAVs, o requisito de capital mínimo ficará entre R$ 10,8 milhões e R$ 37,2 milhões, confirmou em coletiva de imprensa o diretor de Regulação do Banco Central, Gilneu Vivan.
Por outro lado, a advogado Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados, enxerga que a clareza regulatória será um impulsionador para diversos investidores institucionais - como fundos de investimento e fundos de pensão, por exemplo - entrarem em cripto. "Muitos desses investidores demonstram interesse em criptoativos, mas ainda não contam com segurança jurídica suficiente em razão da falta de previsões legais claras."
Segregação
A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) ressaltou que o conjunto de normas "moderniza a estrutura regulatória brasileira, garantindo maior segurança jurídica, transparência e eficiência". Entre os avanços, a entidade destaca a exigência de segregação patrimonial entre recursos próprios e de clientes, além das regras prudenciais e de prevenção à lavagem de dinheiro.
A exigência de uma separação dos recursos foi alvo de polêmicas desde que começou a se falar em regulação das empresas cripto. A quebra de corretoras como a americana FTX em 2022 reforça que esta é uma medida de precaução.
A separação dos recursos financeiros será efetivada por meio da abertura de contas de pagamento ou de depósito individualizadas em nome dos clientes e usuários. Rodarte explica que não será exigido que as empresas mantenham os ativos separados na própria rede blockchain, o que seria inviável do ponto de vista financeiro e operacional.
Entidades setoriais
Apesar dos desafios de custo, as associações setoriais receberam as mudanças como marco regulatório positivo. A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto) classificou a regulamentação como "um passo decisivo para a maturidade e institucionalização" do setor cripto. A Zetta, associação de fintechs fundada pelo Nubank e Mercado Pago, destacou o fortalecimento da proteção ao consumidor e do ambiente de inovação.
Já a Associação Brasileira de Câmbio (Abracam) comemorou a inclusão das corretoras de câmbio entre as instituições autorizadas a atuar como PSAVs.
Câmbio
A Resolução nº 521 define que pagamentos e transferências internacionais usando criptomoedas, transferências para cumprir obrigações de cartões internacionais e operações com stablecoins referenciadas em moedas fiduciárias entram no escopo regulatório do mercado de câmbio.
As sociedades classificadas como PSAVs poderão atuar nesse mercado, mas com restrições: não podem realizar operações com moeda em espécie e ficam limitadas a US$ 100 mil em pagamentos e transferências internacionais quando a contraparte não for instituição autorizada.
Para as regras relacionadas a câmbio, o prazo de início de vigência é 4 de maio de 2026, enquanto a maioria das normas (Resoluções 519 e 520) passam a valer em 2 de fevereiro.
A partir da data, as empresas terão nove meses para se identificarem ao BC. “Durante esse período, essas entidades têm que se certificar, têm que trazer a documentação para o BC, onde elas comprovam que atendem todos os requisitos que foram solicitados, e aí a equipe responsável começa a avaliar”, segundo Gilneu Vivan.
Custos regulatórios para empresas cripto terão impacto relevante, avalia advogado
O setor de ativos digitais já está com fevereiro de 2026 no radar. É quando entra em vigor a maioria das normas regulatórias do Banco Central e com elas, haverá impacto relevante nos custos regulatórios das empresas do setor, na avaliação do advogado Fabio Rodarte, do Levy & Salomão Advogados. "Haverá impacto relevante sobre o mercado, com filtragem e seleção daquelas mais capitalizadas e capazes de atender à rigidez do novo arcabouço regulatório", afirma o especialista em ativos digitais.
O Banco Central (BC) publicou nesta segunda-feira, 10, um conjunto de três resoluções que definem regras de funcionamento para as empresas que operam com intermediação e custódia de ativos virtuais. A autarquia determinou que as PSAVs terão que "observar o conjunto da regulamentação estabelecida para as instituições financeiras e demais instituições autorizadas, conforme aplicáveis". Para Rodarte, deveria haver indicação expressa sobre as obrigações.
Emissores
As novas normas contemplam serviços de intermediação e custódia de ativos virtuais, mas não de emissão. "Meros emissores de stablecoins [lastreadas em ativos fiduciários], por exemplo, não precisam estabelecer sociedade no Brasil nem dependem de autorização do BC para operar", aponta o advogado.
Rodarte enxerga que a regulação dos criptoativos têm um escopo mais restrito que outros mercados, como o de valores mobiliários. Neste último, também incidem normas de autorização e supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde o processo de originação dos ativos.
"No mercado de ativos virtuais, as informações sobre emissores são mais restritas. Exemplo disso é que o criador, ou grupo criador, da principal criptomoeda do mundo [bitcoin] é desconhecido", afirma Rodarte.
Ainda assim, as exchanges terão responsabilidade por prestar informações adequadas aos usuários sobre riscos associados aos ativos oferecidos. Por outro lado, não poderão ser responsabilizadas por falhas dos emissores, gestores de blockchains ou por perdas financeiras de investidores relacionadas a fatores externos, diz o advogado.