Retomada de concessões problemáticas

A retomada dos investimentos em infraestrutura, organizados em torno de concessões, passa pelo equacionamento de questões jurídicas que afetam não apenas novos projetos, mas também aqueles já concedidos e que estão em andamento. A conjuntura econômica negativa, os problemas legais que enfrentam importantes grupos do setor e falhas nos processos de concessões fazem com que muitos projetos estejam atrasados ou com sua viabilidade ameaçada.

Aqui é preciso distinguir duas situações. Os problemas em questão podem não ser imputáveis em sua totalidade aos concessionários privados. Decorrem de fatos cuja responsabilidade recai sobre o próprio poder público – como projetos que não identificaram adequadamente dificuldades existentes, obras que não foram feitas, obstáculos associados ao licenciamento ambiental, atrasos em financiamentos públicos previstos – ou circunstâncias imprevisíveis – como a própria extensão da crise econômica e seu impacto sobre a demanda pelos serviços concedidos.

Para esses casos a solução deve passar pelo reequilíbrio econômico-financeiro da concessão, nos termos dos respectivos contratos e levando em conta a forma como esses instrumentos distribuíram os riscos entre poder concedente e concessionários. Embora possa haver complexidade na identificação do impacto que os fatos citados tiveram sobre a equação econômico-financeira – e falta de rigor aqui gera prejuízo ao usuário e incentivos a que aventureiros sem propostas consistentes tentem ganhar licitações –, a solução jurídica para encaminhar esse tipo de questão já existe e é inerente ao regime jurídico das concessões.

Distintos são os casos de concessões nas quais os problemas são imputáveis aos próprios concessionários ou são preponderantemente de responsabilidade destes – gestão inadequada do projeto, falta de planejamento, dificuldades financeiras decorrentes de outras operações do grupo econômico. Em tais hipóteses as concessionárias estão sujeitas às sanções disciplinadas nos contratos de concessão e, em casos extremos, à caducidade da concessão. A caducidade exige que o processo de outorga se inicie de novo, com nova licitação. Isso atrasaria ainda mais a efetiva oferta ou ampliação dos serviços. Ademais, as condições de incerteza jurídica para essas novas licitações aumentam em função das discussões sobre eventuais indenizações por investimentos já feito, com provável judicialização da disputa.

Assim, mesmo no quadro de descumprimento dos compromissos das concessionárias, a melhor solução para o interesse público não será necessariamente a aplicação estrita de sanções, o que deixa sem solução o atraso na oferta dos serviços com substanciais prejuízos à sociedade. Tem pertinência, portanto, a discussão de opções que possam solucionar impasses que, na prática, impedirão o desenvolvimento do projeto. Tais opções devem ter aplicação excepcional e ser formatadas de modo a evitar criar estímulo a que meros oportunistas participem de licitações, com a intenção de obter alguma vantagem no processo de equacionamento dos problemas que sua própria incapacidade irá gerar.

Quando o quadro é grave a ponto de justificar a caducidade, a solução passa pela substituição do concessionário, por meio de processo negociado da transferência do seu controle societário ou diretamente da concessão. Essas possibilidades são ordinariamente contempladas na legislação – p.ex. nos artigos 27 e 27-A da Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995. Mas os contratos de concessão e os regulamentos setoriais geralmente restringem sua aplicação na fase inicial da concessão, com investimentos pendentes e descumprimento de encargos – exatamente para evitar comportamentos oportunistas de quem participa de licitações sem a efetiva capacidade ou intenção de executar o projeto.

O propósito correto de evitar comportamentos oportunistas não significa, porém, que em situações excepcionais não se possa admitir flexibilizar esse tratamento. Como dito, essa poderá ser a melhor solução do ponto de vista do interesse público. Ademais, se sua aplicação se der de forma restrita e sem isentar o concessionário inadimplente de suas responsabilidades, limita-se a criação de incentivos distorcidos para os participantes de futuras licitações.

No setor elétrico, onde relevantes projetos de transmissão sofrem com a incapacidade do concessionário de cumprir suas obrigações, já se avançou no sentido de viabilizar a transferência do controle societário a terceiro que assuma o projeto, com novos prazos. Nesse sentido, a Medida Provisória 735 acrescentou o seguinte artigo à Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995:

Art. 4º-C. O concessionário, permissionário ou autorizado de serviços e instalações de energia elétrica poderá apresentar plano de transferência de controle societário como alternativa à extinção da outorga, conforme regulação da Aneel.
§ 1º O plano de transferência de controle societário deverá demonstrar a viabilidade da troca de controle e o benefício dessa medida para a adequação do serviço prestado.
§ 2º A aprovação do plano de transferência de controle societário pela Aneel suspenderá o processo de extinção da concessão.
§ 3º A transferência do controle societário, dentro do prazo definido pela Aneel, ensejará o arquivamento do processo de extinção da concessão.

O dispositivo legal deixa em aberto questões importantes e remete à regulação da Aneel. Há dois aspectos centrais a serem definidos no contexto de solução negociada de transferência do controle como alternativa à caducidade. Primeiro, a possibilidade de o concessionário receber alguma indenização pelos investimentos que fez e que serão úteis à continuidade do projeto. Essa remuneração poderia ser suportada por quem assume a concessão e se traduzir em contraprestação à transferência do controle. O valor da indenização, em princípio, deveria estar restrito aos investimentos e não refletir prêmio pela transferência da outorga.

Em segundo lugar, o descumprimento do contrato de concessão gera sanções pecuniárias que não deveriam simplesmente ser canceladas – tanto em razão dos prejuízos causados à sociedade, como para evitar comportamentos oportunistas. O que se poderia fazer, no contexto de solução negociada, como ocorre em outros âmbitos, é conceder descontos ou substituir a multa por outros encargos que revertessem ao próprio projeto de concessão – como o fornecimento de bens ou serviços.

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Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

Alexandre Ditzel Faraco

Sócio

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