Aspectos relevantes da imunidade de ITBI na conferência de imóvel ao patrimônio de pessoa jurídica

Não é novidade a definição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que a imunidade tributária do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de imóvel ao capital social de pessoa jurídica, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal (CF), não alcança o valor que exceder o limite do capital social a ser integralizado (Tema nº 796 da repercussão geral). Este artigo aborda duas controvérsias que tiveram desdobramentos a partir daquele julgamento.

A primeira diz respeito à equivocada interpretação de diversos Municípios, que passaram a utilizar o julgado para fundamentar cobrança de ITBI sobre a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor pelo qual este bem foi conferido à sociedade a título de integralização de capital social. A segunda se refere ao entendimento manifestado pelo Ministro Alexandre de Moraes em seu voto, segundo o qual a ressalva constitucional – que afasta a imunidade de ITBI no caso de a pessoa jurídica adquirente excercer atividade imobiliária preponderantemente – seria aplicável apenas aos casos de transmissão por força de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, mas não na hipótese de integralização de capital social.

Errônea tributação da mais valia em relação ao valor venal

A respeito do primeiro ponto, decisões de diversos tribunais de justiça têm acolhido o pleito da Municipalidade de cobrança do imposto sobre a diferença entre valor venal e valor correspondente ao capital social integralizado, com base em aplicação claramente equivocada do paradigma do STF. Presume-se que o STF reconheceu imunidade de ITBI até o limite do valor do capital social a ser integralizado, desde que o bem tenha sido conferido ao patrimônio da pessoa jurídica pelo valor venal. Essa última condicionante, todavia, simplesmente inexiste no julgado do STF.

No caso concreto analisado pela Corte no Tema nº 796, imóveis foram conferidos em integralização do capital social de pessoa jurídica por valor superior ao montante do capital social subscrito pelo sócio, tendo o valor excedente sido destinado a conta de reserva de capital (ágio), prevista no art. 182, § 1º, alínea “a”, da Lei n. 6.404/1976. No entendimento do STF, somente este excedente destinado a conta de reserva de capital fica sujeito à incidência do ITBI.

No voto vencedor, o fundamento utilizado foi o de que o excesso seria tributável porque não havia ingressado na sociedade a título de realização de capital social, e não pela falta de utilização do valor venal dos bens na operação. Não há qualquer exigência de que a integralização do capital social seja feita pelo valor venal de referência ou pelo valor de mercado do imóvel, nem tampouco exigência do ITBI sobre a diferença entre o valor venal de referência (ou de mercado) do imóvel e o valor integralizado ao capital social.

O excesso tributável diz respeito exclusivamente ao valor que superar o capital social integralizado, destinado a conta de reserva de capital, e não à diferença entre o valor do capital social integralizado e aquele que o Município entende ser a base de cálculo para fins de ITBI. Até porque, sendo a operação imune ao imposto (até o montante do capital social integralizado), deixa de ter qualquer relevância o valor da base de cálculo do tributo (valor venal), pois não há incidência ou fato gerador a se considerar1.

Isso leva à conclusão de que, independentemente do valor pelo qual o imóvel seja integralizado ao capital social de sociedade (custo de aquisição/valor contábil, valor de mercado ou mesmo valor venal de referência adotado pelo município), desde que a totalidade do valor da transmissão seja destinada à integralização do capital social subscrito, sem nenhum excedente destinado a reserva de capital, a operação é integralmente imune ao imposto.

Aplicação da imunidade independentemente da atividade da adquirente

O julgamento do Tema nº 796 também deu força aos contribuintes quanto à imunidade de ITBI na conferência de imóveis em integralização de capital social ser incondicionada à atividade preponderante da sociedade adquirente. Ou seja, mesmo nos casos em que a atividade preponderante da adquirente for a compra e venda de bens ou direitos imobiliários, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, é aplicável a imunidade.

Em seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes corretamente entendeu que a condição à imunidade de ITBI contida no art. 156, § 2º, I, da CF, relativa à não exploração de atividade imobiliária pela adquirente de forma preponderante, se aplicaria somente às hipóteses de transmissão de imóveis decorrente de incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas. Isso porque a expressão “nesses casos” utilizada pelo legislador constituinte se remete apenas à oração imediatamente anterior contida no dispositivo, que trata especificamente das hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica2.

Interpretação diversa tornaria inútil ou sem função a expressão “nesses casos” utilizada pelo texto constitucional. Sem ela, a exceção quanto à atividade preponderante claramente abarcaria todas as situações descritas no art. 156, § 2º, I. Sob a premissa de que a lei não contém palavras inúteis, a locução “nesses casos” só pode ter como função limitar a imunidade em relação à última hipótese referida no inciso, relativa a fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoas jurídicas.

Muito embora essa afirmação do Ministro Alexandre de Moraes tenha sido feita a título de reforço argumentativo e não integre a tese julgada naquele processo – afinal a preponderância de atividade imobiliária não era ponto controvertido naquele caso –, o fato é que desde então a discussão ganhou força no Judiciário. Tem-se notícia de decisões favoráveis aos contribuintes em diversos Tribunais Estaduais3, embora a maioria das decisões nesses tribunais ainda adote interpretação diversa.

Vale lembrar, por fim, que mesmo nos casos em que a atividade imobiliária preponderante tem relevância para a incidência do ITBI (i.e. transmissão de imóveis decorrente de incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas), o imposto não é devido na transmissão para sociedade que tenha receita preponderantemente imobiliária nos 2 anos posteriores à transmissão, mas não nos 2 anos anteriores a ela. O art. 37 do Código Tributário Nacional impōe para a desqualificação da não incidência a preponderância nos 2 anos posteriores e também nos 2 anos anteriores à aquisição4.

Espera-se que em breve o STF volte a analisar estes aspectos importantes afetos à imunidade de ITBI na conferência de imóveis ao patrimônio de pessoas jurídicas, reforçando as balizas já delimitadas pelo Tema nº 796 e eliminando as interpretações equivocadas aqui criticadas.

Notas:

1. No Tema 1.113, o STJ recentemente entendeu que "o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio". Ou seja, a transferência do imóvel pelo custo de aquisição, por exemplo, se inferior ao valor venal/de mercado, poderia justificar cobrança de ITBI sobre a diferença mediante instauração de processo administrativo pelo Fisco Municipal. Porém, esta lógica somente se aplica, evidentemente, em operações sujeitas ao imposto. Nas operações imunes, como é o caso de transmissões de imóveis em integralização de capital social de sociedades, até o limite do capital social subscrito, não há base de cálculo a se considerar, por inexistência do fato gerador.

2. Art. 156. (...) § 2º "O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (grifamos).

3. TJSP – Apelação n. 1022467-29.2021.8.26.0451; TJDF – Apelação n. 0705115-03.2021.8.07.0018; TJRS – Apelação n. 5004312-60.2014.8.21.0008; TJCE – Apelação n. 0011320-46.2019.8.06.0064.

4. Caso a pessoa jurídica adquirente inicie suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 anos antes dela, a preponderância é apurada levando em conta os 3 primeiros anos seguintes à data da aquisição.

Autores L&S

Isabela Schenberg Frascino

Isabela Schenberg Frascino

Sócia
Victor de Assis Vidal

Victor de Assis Vidal

Advogado

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