Os lobistas do Direito

06/03/2019

O advogado Cláudio Coelho de Souza Timm, sócio de Relações Governamentais do TozziniFreire em Brasília, atravessou a capital para bater à porta da Anvisa. O objetivo, naquele dia de março, era debater uma alteração normativa da agência, relacionada a métodos de importação de cargas por via terrestre, que impactou diretamente um cliente.

As normas mais rígidas estavam gerando um “estrangulamento” em postos de liberação de cargas. A empresa desejava que a regulação fosse revista porque o escopo de seu trabalho consistia em trazer produtos da Argentina para o Brasil por rodovias.

Conhecedor dos meandros de Brasília desde 1998, o advogado percebeu que isso não seria suficiente e teve de ir além: foi até os anexos do Congresso Nacional agendar reuniões nos gabinetes de parlamentares do Rio Grande do Sul, estado sede da empresa, para que a questão fosse solucionada.
O périplo foi bem-sucedido. Os deputados e senadores se prontificaram a facilitar o diálogo com a agência e, em poucos dias, conseguiram reuniões com os dirigentes do órgão para rever o procedimento.

Defender de forma legítima os interesses dos clientes perante o governo e agências é somente uma das funções de advogados especialistas em Relações Governamentais, setor que tem crescido em escritórios de grande porte e butiques especializadas.

Os efeitos de operações policiais que focaram na atuação ilícita de agentes privados somados ao momento de turbulência política e econômica têm aberto espaço para a atuação de profissionais conhecedores dos tomadores de decisões, que, em alguns casos, apenas com uma canetada têm o poder de alterar completamente o modo de atuar de determinada empresa.

“Temos recebido feedbacks no sentido de que algumas empresas se sentem menos seguras, neste momento, de se relacionar com governos. Por isso, contar com o apoio de advogados seria fundamental”, explica o advogado Carlos Vilhena, sócio do setor de RelGov do Pinheiro Neto, que conta com dois associados e um estagiário.

O conhecimento jurídico, entende Vilhena, permite antever como as proposições poderão ser interpretadas quando convertidas em lei ou regulamento. O fortalecimento da área nos últimos anos tem criado uma nova possibilidade de atuação para os operadores do Direito.

Felipe de Paula, 36 anos, que foi gestor público durante 10 anos, é um exemplo de profissional que decidiu trilhar este novo caminho. Com passagens pelo Ministério da Justiça, Casa Civil, Supremo Tribunal Federal, onde foi assessor especial do ministro Cezar Peluso, e Prefeitura de São Paulo, ele participou da elaboração de atos normativos de impacto, como o Marco Civil da Internet e a Lei Anticorrupção.

Em 2017, resolveu ocupar o outro lado do balcão ao deixar as funções públicas para fundar a área de Relações Governamentais do Levy & Salomão.
“O escritório tinha a percepção de que o setor privado precisava melhorar a intersecção com o poder público, devido à interpretação de novas leis, além de ter alguém especializado para fazer levantamentos de informações”, conta o advogado em entrevista ao JOTA.

Atualmente, exemplifica de Paula, a área em que trabalha está fazendo um acompanhamento para um cliente estrangeiro sobre as tendências dos próximos ciclos legislativos no governo Jair Bolsonaro (PSL). A equipe monitora projetos de lei que podem ser pautados e ter impactos em determinados setores.

O trabalho do dia a dia resume-se, afirma o advogado, desde esse tipo de monitoramento até a participação direta em consultas públicas e discussões de projetos de lei dentro da Câmara dos Deputados e do Senado.

Nos últimos anos, tem aumentado também a participação em audiências públicas no Poder Judiciário e em autarquias, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central e agências reguladoras. O trabalho, geralmente, é feito em conjunto entre o profissional de RelGov e os sócios das áreas específicas.

“Advogados têm conhecimento técnico nas áreas de atuação, o que é fundamental na hora de levar demandas ao governo, tendo o cuidado de fazer a interlocução de forma ética”, destaca Cláudio Timm, do TozziniFreire.

Segundo o sócio Antonio Gonçalves, que comanda o time de RelGov do Demarest em Brasília, uma das principais demandas é ajudar empresas em modelos de tributação específicos para os seus tipos de produção. Para isso, é preciso agendar reuniões com o Ministério da Economia e Receita Federal.

“Primeiro, mapeamos o setor para entender como ele é regulado. Depois, após analisar o funcionamento interno dos órgãos, vamos dialogar precisamente com os tomadores de decisão”, falou o advogado.

A procura por advogados especializados em se relacionar com autoridades públicas tem crescido, inclusive, entre clientes estrangeiros. Uma empresa estrangeira buscou um grande escritório porque estava interessada em instalar drones que disponibilizariam Wi-Fi gratuito em eventos.

A equipe avaliou ser necessário bater às portas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para dialogar com a área técnica e com a diretoria da entidade. Mas o excesso de burocracia e de custos desagradou tanto os estrangeiros, que eles desistiram de tocar o projeto no Brasil para investir num país vizinho: a Argentina.

Lobistas?

Os advogados que se dedicam à prática de relações governamentais divergem quando questionados se fazem lobby para clientes. Isto por causa da conotação negativa que a expressão ganhou nos últimos anos, principalmente devido a operações policiais que prenderam lobistas acusados de pagar propina a agentes públicos.

“Independentemente da expressão que se use para a atividade, entendemos que estamos em posição de, como advogados, representar os interesses legítimos de nossos clientes perante autoridades governamentais”, diz Carlos Vilhena, do Pinheiro Neto.

A depender do contexto, Felipe de Paula diz que não há problema considerar o profissional de RelGov como lobista. “Se eu pensar lobby num conceito amplo, que é direcionar uma decisão em determinado sentido, de forma legítima, todo mundo faz e é natural que seja assim”, defende o advogado do Levy & Salomão.

Já no TozziniFreire, os profissionais tentam se afastar desta palavra. “O termo em si sofre de um estigma, inclusive pela imprensa. Os lobistas são malvistos, ligados a pessoas que corrompem servidores públicos. Assim, buscamos utilizar expressões similares, como relações governamentais”, explica Cláudio Coelho de Souza Timm.

Crescimento e características

Os advogados afirmam que o crescimento da área de Relações Governamentais abre espaço para jovens advogados e estudantes de Direito que tenham interesse em trabalhar no setor.

Num cenário pós Lava Jato, o mercado tem distinguido o lobista pagador de propina, que age de forma criminosa, de quem trabalha da forma correta, defendendo interesses de maneira técnica e legítima.

“As empresas de grande porte têm identificado que, muitas vezes, o corpo de funcionários de RelGov interno não têm a expertise com a tramitação de projetos e termos jurídicos. Assim, abre-se espaço para o advogado”, resume Cassio Namur, do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados. Ele foi um dos responsáveis por estruturar a área de RelGov do Cescon Barrieu, onde atuava anteriormente.

Dessa forma, na visão de Felipe de Paula, o profissional que se interesse em trabalhar com relações governamentais precisa “gostar de política, gostar de discutir propositivamente o futuro de decisões públicas e navegar bem entre os setores e temas da atualidade”.

Um elemento adicional é ter ampla cultura geral e conhecer bem fontes públicas para coletar dados. Na hora de tomar uma decisão, não existe achismo. “É preciso trabalhar com evidências, mapeando o setor e a demanda do cliente para representá-lo com mais força perante o tomador de decisão”, recomenda de Paula.

O advogado desta área deve ser versátil e ter formação interdisciplinar. Só assim, avalia Carlos Vilhena, é possível traduzir da melhor forma tanto as atividades e interesses do cliente para as autoridades, quanto o cenário governamental e posicionamento dos entes públicos para a empresa interessada em investir.

Guilherme Pimenta | JOTA

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