FATCA, CRS e o Brasil: onde estamos e para onde vamos?

A troca automática internacional de informações para fins tributários é realidade mundial. Até o final de setembro próximo deve se completar a terceira rodada de intercâmbio entre diversos países e os Estados Unidos, sob o regime do Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), bem como as primeiras trocas de informações entre os quase cinquenta países aderentes iniciais ao Common Reporting Standard (CRS), desenvolvido no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Histórico

Embora previsto em convenções bilaterais para evitar a bitributação e em acordos para trocas de informações assinados por diversos países há anos, até recentemente o intercâmbio de dados se restringia às trocas a pedido ou, quando prevista a troca automática, carecia de aplicabilidade prática, ante a falta de regras e padrões procedimentais que a possibilitassem. Havia disposição, mas não meios para instituir o chamado “Fisco Global”.

Tudo mudou no início desta década, em razão do Hiring Incentives to Restore Employment Act (HIRE), assinado em 18 de março de 2010 pelo então Presidente dos EUA, Barack Obama. Dentre as medidas previstas no ato merece atenção especial o FATCA, regime que impôs às instituições financeiras e entidades assemelhadas localizadas fora dos EUA (Foreign Financial Intitutions – FFI) o dever de prestar informações à Receita norte-americana (Internal Revenue Service – IRS) sobre ativos e contas mantidas ou controladas direta ou indiretamente por cidadãos e residentes norte-americanos, sob pena de que quaisquer pagamentos a elas realizados por fontes norte-americanas estivessem sujeitos à retenção do imposto sobre a renda, à alíquota de 30%.

A fim de tornar a legislação do FATCA exequível e evitar violação à legislação e soberania dos demais países, os EUA passaram a assinar uma série de Acordos Intergovernamentais (IGAs). Brasil e EUA, que já haviam assinado em 2007 um Acordo Bilateral para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos (TIEA), internalizado pelo Decreto nº 8.003, de 15 de março de 2013, assinaram também, em 23 de setembro de 2014, o IGA que disciplinou a troca automática de informações para fins de FACTA, internalizado pelo Decreto nº 8.506, de 24 de agosto de 20151. Desde então, o Brasil tem trocado informações relativas a tributos com os EUA de forma automática2.

Paralelamente ao FATCA, em 2011 o Brasil assinou a Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária (Convenção Multilateral), em modelo desenvolvido pela OCDE, cuja internalização se deu somente em 29 de agosto de 2016 (Decreto nº 8.842). Na sequência, em 21 de outubro de 2016, o País assinou o Acordo Multilateral entre Autoridades Competentes sobre o Intercâmbio Automático de Informações Financeiras (MCAA) que instrumentalizou a troca automática de informações prevista pelo artigo 6º da Convenção Multilateral.

Por meio do MCAA, o Brasil aderiu ao chamado CRS, anexo do acordo no qual se estabeleceu um padrão comum de identificação, diligência e troca de informações relativas a contas e ativos de titularidade de não residentes. Este padrão é semelhante, embora não idêntico, àquele estabelecido pelo FATCA. Em 20 de março de 2017, o Brasil apresentou notificações à OCDE confirmando que está apto a realizar as trocas automáticas e que pretende trocar o primeiro lote de informações até setembro de 2018, contendo informações relativas ao ano-calendário de 2017.

O MCAA permite que os países negociem bilateralmente a troca de informações relativas a períodos distintos dos previstos no padrão CRS. Valendo-se dessa autorização o Brasil firmou, por exemplo, acordo com a Argentina prevendo que a troca automática deverá retroagir ao ano-calendário de 2012; de forma inversa, declarou com a Suíça a intenção de realizar troca automática apenas em 2019, com informações retroagindo a 2018. Como a Convenção Multilateral também prevê a troca de informações mediante pedido, nada impede que a Receita Federal do Brasil (RFB) solicite informações pretéritas à Suíça, ou a qualquer outro país signatário da Convenção – e a Receita já manifestou pretensão de fazê-lo.

No Brasil

Internamente, a coleta das informações para fins de FATCA e CRS é feita por meio da e-Financeira, obrigação acessória estabelecida na Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.571, de 02 de julho de 2015, que deve ser entregue pelas instituições financeiras e entidades assemelhadas até o último dia útil de agosto e de fevereiro, contendo informações relativas ao primeiro e segundo semestre do ano anterior, respectivamente. Especificidades do CRS foram tratadas na IN RFB nº 1.680, de 28 de dezembro de 2016, que postergou o fornecimento de informações relativas ao primeiro semestre de 2017 para o último dia útil de fevereiro de 2018. As informações coletadas pela Receita são dirigidas ao IRS, no âmbito do FATCA, e às autoridades tributárias de cada um dos países signatários do CRS; de forma semelhante, tais autoridades transmitem informações de interesse da RFB diretamente a ela.

Consequência evidente da troca automática de informações para fins tributários é a obtenção de informações sobre contas e ativos de contribuintes brasileiros não declarados ao Fisco e o emprego dessas informações como base para a constituição de créditos tributários e cobrança dos contribuintes inadimplentes. Esses efeitos deverão ser observados com maior frequência após a absorção e processamento das informações obtidas por meio do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), cuja segunda rodada se encerrou no dia 31 de julho de 2017, e a partir da recepção e processamento do primeiro lote de informações do CRS, o que ocorrerá a partir do final de setembro de 2018.

Futuro

Conforme os contribuintes brasileiros começarem a sofrer autuações com base em informações recepcionadas em razão do FATCA ou CRS, diversas questões discutidas nos últimos anos em livros e artigos serão levadas a julgamento nos órgãos administrativos e cortes judiciais.

A compatibilidade entre os regimes de troca de informações e a proteção dada pelo ordenamento brasileiro ao sigilo bancário deve ser tópico de discussão frequente, especialmente se considerado o risco de emprego das informações para fins de persecução criminal e a inexistência de autorização expressa, na Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001 (Lei do Sigilo Bancário), para o fornecimento de informações sigilosas obtidas pelo Fisco brasileiro a autoridades estrangeiras3. O assunto não foi diretamente enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando, em fevereiro de 2016, julgou constitucional a transferência do sigilo das instituições financeiras para o Fisco.

Os acordos internacionais costumam estabelecer regras para salvaguardar a preservação do sigilo da informação trocada, mas é praxe a remissão à legislação do país recipiente da informação como competente para disciplinar o seu tratamento. Como garantir que será dada à informação coletada e fornecida pelo Brasil a mesma proteção de que aqui se beneficia? Isso seria um impeditivo ao fornecimento? Seriam os acordos internacionais firmados pelo Brasil suficientes para autorizar o fornecimento da informação coletada e mantida sob sigilo?

Acordos internacionais internalizados são recepcionados no ordenamento brasileiro com caráter de supralegalidade, daí porque seriam formalmente capazes de autorizar as trocas. Entretanto, a Convenção Multilateral e o TIEA não se aplicam a informações protegidas por segredo profissional, gênero do qual o sigilo bancário é espécie. Portanto, padece de ilegalidade qualquer fornecimento ou recebimento automático de informações sigilosas pelo Brasil, até que ocorra alteração da Lei nº 105/2001 (Lei do Sigilo Bancário) que as excepcione do sigilo.

Como alternativa à alteração da Lei do Sigilo Bancário, seria possível a internalização do MCAA e CRS , por meio de aprovação pelo Congresso Nacional. Isso validaria as trocas de informações por abrir exceção ao sigilo bancário. Ocorre que só o IGA passou por tal processo, carecendo ainda o CRS de submissão ao mesmo ritual. Na falta disso, as informações mais complexas oriundas do sistema da OCDE e previstas no CRS não poderão ser fornecidas.

Essas e outras questões devem ocupar o centro dos debates futuros. O Brasil percorreu um longo caminho no intuito de se adequar e se preparar para troca automática em âmbito global. As providências mais trabalhosas já foram tomadas. Mas algumas medidas seriam ainda bem vindas. A alteração da Lei do Sigilo bancário ou aprovação do MCAA e do CRS pelo Congresso estão entre elas. 
 


Mais informações em nosso boletim IGA – o novo aliado do FATCA.
2 Mais informações em
FATCA e brasileiros com ativos no exterior: o bom para os EUA é bom para o Brasil?.
3 Mais informações em nossos boletins "
O Brasil, a OCDE e o ocaso do sigilo bancário" e “Acordos contra bitributação e de troca de informações: proteção do sigilo bancário”.

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Autores L&S

Pedro Araújo Chimelli

Pedro Araújo Chimelli

Consultor

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