Desafios da regulação do influencer marketing no Brasil

09/09/2020

A despeito do crescimento das mídias sociais e da publicidade digital, a regulamentação do tema no Brasil ainda é insuficiente. Nos últimos anos, várias empresas aumentaram os investimentos em influencer marketing, uma estratégia publicitária que envolve conteúdos patrocinados e parcerias com influenciadores. Essa situação tem suscitado alguns questionamentos relativos a temas como responsabilidade civil e proteção do consumidor, que ainda não foram endereçados pelo ordenamento jurídico.

O termo influenciador digital remete a um indivíduo que tem a capacidade de influenciar determinado público, principalmente por meio de redes sociais e plataformas digitais, afetando suas decisões de compra e seu estilo de vida. Em síntese, os influenciadores constroem uma reputação com base no seu conhecimento ou expertise em uma determinada área e fazem posts regulares para atrair engajamento e seguidores que consumam seu conteúdo on-line. Devido ao seu alcance virtual, os influenciadores se tornaram verdadeiras ferramentas de marketing, com as quais as marcas podem fazer parcerias para divulgar seus produtos.

 

Como a natureza interativa e pessoal das redes permite que os influenciadores estabeleçam relações parassociais[1] com seus seguidores, a propaganda ganhou uma nova forma. Os anúncios se tornaram sutis, muito menos óbvios que os comerciais veiculados em mídia tradicional, principalmente porque nem todas as recomendações feitas por influenciadores nas redes sociais são patrocinadas. Nesse sentido, a falta de transparência sobre qualquer forma de parceria pode facilmente enganar o consumidor, confundindo-se com simples dicas ou sugestões.

A fim de proteger os consumidores de novas situações que o influencer marketing pode suscitar, algumas autoridades estrangeiras criaram regras específicas para influenciadores digitais e anunciantes, orientadas pelo princípio da transparência[2].

Nos Estados Unidos, a principal preocupação da Federal Trade Commission (FTC) é relativa a publicidades feitas em nome de um anunciante patrocinador, incluindo situações em que o influenciador é pago ou recebe algo de valor para divulgar o produto.

Assim, se houver qualquer relação entre anunciante e influenciador que afete a forma como os consumidores avaliam a recomendação de um produto ou serviço, essa conexão deve ser sinalizada. Também é importante que a sinalização seja visível – a título de exemplo, inserir #ad no início de um post é o suficiente, mas colocar um sinal de anúncio no meio de várias hashtags ou ao final de um texto longo não é satisfatório em termos de clareza e transparência.

De acordo com o Guia da FTC, (i) os anunciantes estão sujeitos à responsabilidade civil por declarações falsas ou infundadas feitas por meio de publicidades ou pela não sinalização da relação com seus influenciadores; e (ii) os influenciadores também podem ser responsabilizados por declarações feitas no decorrer de suas publicidades.

Para limitar sua responsabilidade potencial, os anunciantes devem fornecer orientação e treinamento aos influenciadores contratados sobre a necessidade de garantir que suas declarações sejam verdadeiras e fundamentadas. Eles também devem monitorar os influenciadores que estão sendo pagos para promover seus produtos e tomar as medidas necessárias para identificar e impedir publicidades enganosas.

A autoridade publicitária francesa (The Autorité de Régulation Professionnelle de la Publicité – ARPP) entende como colaboração comercial qualquer tipo de relação entre o influenciador e a marca mediante pagamento em dinheiro ou não. O mero envio de presentes ou produtos já seria suficiente para caracterizar essa relação, devendo o público ser informado de que se trata de prática comercial.

Assim como ocorre com a FTC, a regulação francesa determina que a identificação da prática de influencer marketing deve ser explícita e de percepção instantânea, ou seja, os influenciadores devem registrar com palavras na língua nacional que se trata de publicidade. Além disso, a sinalização da propaganda deve constar do início do texto ou vídeo de forma clara, evitando-se qualquer interação necessária do público com o post para que entenda se tratar de publicidade.

No mesmo sentido, as regras da autoridade britânica (Competition and Markets Authority – CMA) preveem a necessidade de sinalização, determinando que as comunicações de marketing devem ser imediatamente identificáveis como tal. Se a intenção comercial não for óbvia apenas pelo contexto, deve ser esclarecida por meio de um sinal que permita aos consumidores reconhecer que se trata de propaganda.

O mesmo se aplica à autopublicidade (relativa a produtos ou serviços do próprio influenciador), aos programas de afiliados (promoção de determinados produtos ou serviços com hiperlinks ou códigos de desconto) e aos anúncios cujo conteúdo seja produzido com o pagamento e alguma forma de controle editorial da marca.

O influenciador também deve ser transparente sobre os produtos que não comprou, mas recebeu de graça. De acordo com a lei britânica, todos os envolvidos na divulgação de um conteúdo são responsáveis por sua sinalização e transparência, desde a marca, passando por agências e consultores, até os próprios influenciadores.

Além disso, os conteúdos de marketing do influenciador não devem enganar os consumidores por meio de (i) exageros sobre a capacidade ou desempenho de um produto, (ii) omissão de informações materiais ou (iii) apresentação de dados de maneira pouco clara, ininteligível, ambígua ou extemporânea. O descumprimento dessas regras pode ensejar aplicação de multas, obrigações de alterar o conteúdo publicitário e, até mesmo, imposição de sanções penais.

Percebendo as novas exigências de diversos países para identificação das publicidades veiculadas por influenciadores, algumas redes sociais criaram ferramentas próprias para que outros usuários consigam reconhecer a prática comercial. No entanto, para as autoridades alemãs, o uso desses dispositivos não é suficiente para identificar claramente a situação. Dessa forma, foi disponibilizado um guidance paper que explica quais hashtags devem ser utilizadas em cada tipo de conteúdo publicitário.

O guia alemão ainda entende como propaganda situações nas quais o intuito da publicação é comercial, mesmo que não haja cooperação paga entre a empresa e o influenciador no momento da ação. Isso é importante para conferir transparência a conteúdos divulgados pelo influenciador com o objetivo de promover um produto ou serviço e melhorar sua relação com a marca.

Na Dinamarca, a legislação endereçou uma situação comum no Brasil, que até o presente momento passa despercebida: o imenso volume de publicidade infantil veiculada nas redes sociais. Apesar de já existir projeto de lei no país com a intenção de diminuir o volume de propaganda disponibilizado nas redes sociais para crianças e adolescentes (PL nº 5912/2019), a publicidade veiculada especificamente por influenciadores digitais, ou seja, o influencer marketing em si, ainda não recebeu quase nenhuma atenção dos legisladores.

Preocupadas com esse cenário, as autoridades dinamarquesas determinaram que o conteúdo voltado para crianças e adolescentes deve ser identificado de modo que o público infantil possa entender que se trata de publicidade.

No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) exige a identificação clara de propagandas e proíbe publicidade enganosa ou abusiva, conforme os princípios da identificação, da veracidade e da não abusividade. Recentemente, a doutrina tem defendido uma responsabilidade mais ampla à luz do CDC, estendendo-a aos denominados “fornecedores por equiparação”[3]. Isso se alinha à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem considerado solidária a responsabilidade daquele que veicula e/ou se aproveita da publicidade[4], o que indica a possibilidade de aplicação do código a influenciadores digitais e marcas patrocinadoras.

Apesar disso, entende-se que a regulamentação brasileira ainda é insuficiente, não endereçando questões específicas relativas ao influencer marketing, o que leva à insegurança jurídica e à insuficiência da proteção consumerista no contexto digital. Considerando a experiência estrangeira, entende-se que a regulamentação brasileira deve incluir (i) obrigações de sinalização explícita, no idioma nacional e no início do texto ou vídeo; (ii) critérios de responsabilização para anunciantes e influenciadores com relação a propaganda falsa ou enganosa no contexto digital; (iii) dever de identificação clara e compreensível da publicidade veiculada para o público infantil; (iv) aplicação de multas nos casos de descumprimento das determinações legais e (v) fiscalização do influencer marketing por autoridade com poder de polícia.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei que visa ampliar a abrangência do art. 36 do CDC para estabelecer que a exibição e a divulgação patrocinadas de produtos e serviços, ainda que recebidos como brinde promocional ou por meio de cessão temporária do bem, devem ser sinalizadas como anúncios. Tal proposta remete ao princípio da identificação explícita da publicidade, que independe da forma de remuneração ofertada pelo anunciante.

Trata-se de regulação ainda tímida, que não determina como essas publicações serão fiscalizadas e nem define o que seria a identificação clara da publicidade. No entanto, seria o primeiro passo de muitos que devem ser dados em relação ao tema para que se tenha uma proteção efetiva dos consumidores on-line.

[1] Trata-se de relações unilaterais que os indivíduos formam como resultado da exposição a personas da mídia, envolvendo ilusões de intimidade, amizade e identificação.

[2] Regras de autoridades estrangeiras sobre influencer marketing: Estados Unidos, Reino Unido, França, Dinamarca e Alemanha.

[3] O fornecedor por equiparação é “aquele terceiro na relação de consumo, um terceiro apenas intermediário ou ajudante da relação de consumo principal, mas que atua frente a um consumidor ou a um grupo de consumidores como se fornecedor fosse” (MARQUES, Cláudia Lima, BENJAMIM, Antônio H. V., BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 83)

[4] Nesse sentido, STJ: AgInt no AREsp 1312486/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018 e REsp 327.257/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/06/2004, DJ 16/11/2004.

 Confira o artigo no Jota aqui.

 

Imagem: Pexels

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