Alienação fiduciária e responsabilidade solidária do credor
Em julgado do final de maio de 2015, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu por unanimidade recurso1 que buscava afastar a responsabilidade solidária de credor fiduciário pelo pagamento de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre veículo objeto de alienação fiduciária.
Segundo o relator do recurso, Ministro Humberto Martins, na alienação fiduciária a propriedade é transmitida ao credor fiduciário, tornando-se ele responsável solidário pelo pagamento do IPVA.
A discussão começou em 2010 no Estado de Minas Gerais, no qual a Lei Estadual nº 14.937, de 23 de dezembro de 2003, atribui ao credor fiduciário a responsabilidade solidária pelo pagamento do IPVA.
Como inexiste legislação federal estabelecendo normas gerais relativas ao IPVA, os estados procuram definir novos contribuintes para majorar a arrecadação. Mas as regulamentações estaduais esbarram na natureza jurídica da alienação fiduciária.
A Constituição Federal elegeu a propriedade de veículo automotor como hipótese de incidência do IPVA. De acordo com o Código Civil, proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la.
Na alienação fiduciária, a propriedade resolúvel é transferida ao credor com o escopo de garantia, permanecendo o devedor na posse direta do bem, podendo dele usar e gozar. O credor fiduciário poderá reaver e dispor do bem apenas na hipótese de não pagamento da dívida em seu vencimento. Nesse caso, o credor fica obrigado a vendê-lo e, conforme previsto no Código Civil, aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e entregar o saldo, se houver, ao devedor.
É por isso que propriedade resolúvel não se iguala à propriedade selecionada pela Constituição Federal como hipótese de incidência do IPVA. A alienação fiduciária constitui apenas um direito real com o escopo de garantia, sendo incabível a responsabilização solidária do credor pelo pagamento de IPVA incidente sobre veículos financiados.
A solidariedade passiva intentada pelos estados desestimula a celebração de novos contratos de alienação fiduciária. A dificuldade de controle efetivo pelas instituições financeiras do pagamento do IPVA pelos devedores provoca aumento do risco e dos juros, além de constituir precedente para que os municípios também tentem responsabilizar o credor pelo Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) incidente sobre imóvel objeto de alienação fiduciária.
Promulgada em 13 de novembro de 2014, a Lei nº 13.043 introduziu o art. 1.368-B ao Código Civil, segundo o qual o credor fiduciário passa a responder por tributos, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos incidentes sobre o objeto da garantia apenas no momento em que adquirir a posse direta do bem – ou seja, nunca antes da realização da garantia.
Tal artigo não traz inovação no sistema jurídico, mas expressa o que já era extraído de uma interpretação sistêmica da legislação que rege a alienação fiduciária. Trata-se de fundamento novo ainda não examinado pelo STJ, o que afasta a aplicação de seu atual e desfavorável entendimento.
Recomenda-se invocar fato novo nas ações em curso e avaliar a conveniência na propositura de nova demanda com o intuito de ver reconhecida a insubsistência da responsabilização solidária do credor fiduciário por encargos incidentes sobre bens objeto de alienação fiduciária.
1 Recurso Especial nº 1.344.288