Nova lei de defesa da concorrência: balanço e perspectivas
Seis meses depois da entrada em vigor da nova lei de defesa da concorrência (Lei nº 12.529/11), é possível examinar o início de sua aplicação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e os principais desafios que aguardam a autoridade em 2013.
Controle de concentrações: A implementação do novo sistema de análise prévia de atos de concentração foi o principal desafio do Cade. A partir de 29 de maio, a consumação de operações que reúnam empresas ou grupos de empresas que tenham registrado faturamento superior a R$ 750 milhões e R$ 75 milhões passou a depender de aprovação prévia. O Cade passou a ter prazo de 240 dias (prorrogáveis por no máximo 90 dias) para terminar a análise de atos de concentração.
- Nova regulamentação: O Cade rapidamente editou novos regulamentos relativos à notificação de atos de concentração. O novo Regimento Interno do Cade e a Resolução nº 2/2012 trouxeram diversas inovações: (i) permissão para que operações de oferta pública de ações sejam consumadas antes de sua aprovação (desde que o adquirente não exerça direitos de voto ou o faça apenas para preservar investimento); (ii) definição de grupo econômico para fins de cálculo de faturamento (incluindo o caso de fundos de investimento); (iii) critérios para determinar quando uma aquisição que não envolva mudança de controle estará sujeita à notificação obrigatória; e (iv) novos formulários de notificação de atos de concentração (rito sumário e ordinário).
- Operações notificadas sob a nova lei: A maioria das operações realizadas em 2012 foi notificada antes da entrada em vigor da nova lei e, portanto, não precisou aguardar a aprovação do Cade para fechamento
Apenas 120 operações (de um total de 626) foram notificadas sob a nova lei. Desse conjunto, a Superintendência-Geral do Cade (SG) aprovou 102, o que significa que a autoridade não identificou problemas concorrenciais que justificassem impugnação perante o Tribunal do Cade. A única operação impugnada pela SG e julgada pelo Tribunal – aquisição por Kinea Investimentos (Grupo Itaú) do controle de clínicas de diagnóstico médico por imagem do Grupo Delfin – foi aprovada com restrição (ajuste de escopo geográfico de cláusula de não-concorrência). Há 17 operações pendentes de decisão.
- Tempo de análise: A rápida edição de novos regulamentos e a prioridade na tramitação de operações notificadas sob a nova lei resultou em significativa redução no tempo de análise. Também contribuiu o limitado número de atos de concentração recebidos depois de 29 de maio. A duração média da análise de operações foi de 19 dias (rito sumário) e 48 dias (rito ordinário). Em 2011, o tempo médio de análise era de 154 dias. O Cade não divulgou o tempo médio de análise de operações submetidas em 2012 ainda sob a Lei nº 8.884/94.
- Aumento de reprovações: No biênio 2010-2011 houve apenas uma reprovação de ato de concentração. Em 2012, o Cade reprovou três operações, todas notificadas ainda sob a antiga lei de defesa da concorrência. A análise dos três casos reprovados demonstra a adoção de postura mais restritiva em relação às participações minoritárias em rivais. A primeira reprovação envolveu a aquisição pela Votorantim de participação minoritária no capital social da cimenteira concorrente Cimpor. Os outros dois casos – Amil/Casa de Saúde Santa Lúcia e FMG/Hospital Fluminense – foram reprovados com base no entendimento de que a participação do Grupo Amil (10,18%) na Medise fazia com que o Grupo Amil e o Grupo FMG (detentor dos restantes 89,82% da Medise) integrassem o mesmo grupo econômico para fins da análise concorrencial, resultando em altas concentrações de mercado.
Ilícitos concorrenciais: As mudanças mais importantes da nova lei estão relacionadas aos patamares de multas aplicáveis. As multas variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto registrado pela empresa ou grupo econômico no ramo de atividade afetado pela conduta, no ano anterior à instauração da investigação.
- Nova regulamentação: O controle de condutas anticompetitivas também foi objeto de nova regulamentação. A Resolução nº 3/2012 estabeleceu de maneira ampla 144 ramos de atividade para fins de cálculo de multa.
Em 14 de dezembro de 2012, o Cade publicou consulta pública para alteração de sua política de negociação de termos de compromisso de cessação de prática (TCC). A minuta de resolução traz importantes mudanças: (i) possibilidade de negociação de TCC com o Superintendente-Geral do Cade, caso o processo encontre-se em trâmite na SG (a norma atual prevê a apresentação do pedido ao Presidente do Cade, que distribui o pedido para Conselheiro-Relator); (ii) determinação de que propostas de TCC em investigações de cartel contenham, necessariamente, reconhecimento de participação na conduta investigada e previsão de colaboração com a instrução processual; e (iii) previsão de patamares fixos de redução de multa (o primeiro a celebrar TCC receberá redução de 30% a 50%, o segundo 25% a 40% e o terceiro até 25%). - Condenações de 2012: Não houve condenações de pessoas físicas ou jurídicas depois da entrada em vigor da nova lei. As duas únicas condenações de 2012 ocorreram antes de 29 de maio. A primeira relativa à investigação do cartel de peróxidos de hidrogênio (multa de R$ 150 milhões) e a segunda em investigação de discriminação de preços e venda casada no setor de fabricação de placas automotivas (multa de 4% do faturamento bruto).
Importantes dúvidas quanto à aplicação pelo Cade dos novos patamares de multas, do conceito de ramo de atividade e da possibilidade de aplicação de multas com base no faturamento do grupo econômico somente deverão ser sanadas em 2013.
Perspectivas para 2013: Espera-se que a redução do estoque de atos de concentração em trâmite perante o Cade resulte em maior equilíbrio das prioridades da autoridade. As diversas investigações em trâmite e a abertura de novos casos deverão ganhar espaço na agenda da SG e do Tribunal. Estatísticas do Cade informam que em 2012 foram celebrados 10 acordos de leniência, número superior a 2010 (8) e 2011 (1).
O Cade anunciou que editará novos regulamentos em 2013. São esperados guias de análise de atos de concentração horizontais e verticais e guia de análise de investigações de restrições verticais (e.g., fechamento de mercado, contratos de exclusividade, fixação de preço de revenda e venda casada).
Importantes temas deverão ser abordados nesses documentos ou na jurisprudência do Cade: (i) obrigatoriedade de notificação de contratos associativos (e.g., contratos de distribuição, franquias e cooperação técnica); (ii) definição dos limites do gun jumping (infração por consumação de operação antes do julgamento pelo Cade); e (iii) a definição dos procedimentos de submissão e critérios de análise de remédios apresentados para aprovação de atos de concentração complexos (e.g., venda de ativos, marcas ou patentes e concessão de acesso à infraestrutura).