Disparate do programa de apuração dos ganhos de capital

Apesar do evidente contrassenso, declarar construções, ampliações e reformas em imóvel (benfeitorias) pode aumentar o imposto de renda sobre o ganho de capital devido quando de sua venda, ao invés de reduzi-lo. O problema está no programa de apuração dos ganhos de capital da Receita Federal (GCAP), que, ao aplicar redutores do ganho de capital em imóvel com benfeitoria, acaba por majorar o imposto devido.

O cálculo do imposto de renda sobre ganho de capital, cujas alíquotas para pessoas físicas vão de 15% a 22,5%, leva em consideração a diferença positiva entre valor de venda e custo de aquisição (valor pago pelo imóvel). Benfeitorias podem integrar o custo de aquisição do imóvel, o que reduziria o ganho obtido na venda do bem.

Como não é mais possível atualizar o custo de aquisição pela correção monetária, para mitigar os efeitos da corrosão do valor da moeda no tempo, a legislação do imposto de renda prevê alguns benefícios fiscais que reduzem o ganho de capital tributável, em função do tempo de propriedade do imóvel. Essa redução é bastante inferior à inflação, mas representa algum alívio. Para referência, de dezembro de 2005 a dezembro de 2022, o fator de redução do benefício fiscal vigente é de 51,14%. Por sua vez, a inflação do mesmo período, medida pela IPCA, foi de 156,26%.

Mas as reduções, que deveriam ser benéficas, podem se transformar em penalidade ao contribuinte que vende imóvel com benfeitoria. Pela complexidade, melhor começar por um exemplo numérico.

Imagine um imóvel adquirido em dezembro de 2005 por R$ 500 mil e vendido em dezembro de 2022 por R$ 3 milhões. O programa calculará imposto de renda de R$ 183 mil. Surpreendentemente, caso seja declarada reforma de R$ 500 mil por qual passou este imóvel em dezembro de 2020, apesar de o custo de aquisição ser aumentado para R$ 1 milhão, o imposto pelo programa passará a ser de R$ 210 mil.

O erro está na metodologia de cálculo empregada pela Receita Federal no programa GCAP, que divide o ganho total da operação proporcionalmente entre o custo histórico do imóvel e o custo das benfeitorias para então aplicar os fatores de redução.

Ao não declarar qualquer benfeitoria, o ganho de capital cheio (R$ 2,5 milhões) se sujeitará à redução máxima (51,14%). Já no exemplo com benfeitoria, em que o ganho de capital é de R$ 2 milhões, ao considerar que o custo do imóvel é composto por duas parcelas de R$ 500 mil, o programa entenderá que 50% do ganho de capital (R$ 1 milhão) se refere à aquisição originária de dezembro de 2005 e aplicará sobre esta metade a redução cheia de 51,14%. O ganho correspondente à outra metade (R$ 1 milhão) será vinculado à reforma de dezembro de 2020 e se beneficiará com redução de apenas 8,36%.

Em última análise, a declaração das benfeitorias aumentou o imposto devido nesse exemplo em 14,75% (R$ 27 mil). Essa metodologia está errada. É evidente que o valor pago pelo imóvel em dezembro de 2005, embora nominalmente igual ao da reforma de dezembro de 2020, é parcela muito mais representativa e significante do valor total do imóvel. Afinal, um real em dezembro de 2005 valia muito mais do que um real em dezembro de 2020.

Existem algumas soluções. A depender das datas de aquisição e das benfeitorias, pode ser mais prático e simples não considerar as benfeitorias ao utilizar o GCAP, mesmo porque a legislação trata como opcional a inclusão do valor delas. A desvantagem dessa alternativa é que se perde uma redução que seria aplicável caso o programa fizesse o cálculo da forma correta. Outra solução, a depender das especificidades da operação, seria atribuir uma parcela destacada do preço de venda ao custo das benfeitorias, o que permitiria calcular o ganho de capital separadamente e de forma coerente entre imóvel e benfeitorias.

Mesmo que a Receita Federal não concordasse com um dos procedimentos propostos, nenhum deles viola a lei e todos são mais adequados à realidade econômica das operações do que o despropositado cálculo proporcional imposto pelo programa GCAP sem respaldo em lei. Cabe a cada contribuinte analisar as especificidades de sua operação e avaliar a pertinência de adotar as alternativas comentadas.

Confira a reportagem da CNN que tratou do tema, a partir deste estudo de Felipe Salomon e Victor Vidal. 

Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado
Victor de Assis Vidal

Victor de Assis Vidal

Advogado

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