O aumento do IOF — decretado pelo governo, suspenso pelo Congresso e agora à espera de decisão do STF — atraiu críticas. Alterar alíquotas desse imposto é prerrogativa da Presidência. Contudo não se criam hipóteses de incidência por decreto. Analisar a adequação dos motivos que levaram o Executivo a modificar alíquotas não é tarefa banal, como julgam alguns. Deve ser enfrentada com prudência e sem se valer de conceitos preconcebidos em função de simpatias e antipatias.
Há argumentos jurídicos, bons e maus, a sustentar posições conflitantes nessa seara. Um, porém, é inaceitável: supor que o ponto nevrálgico do tema está no conflito entre ricos e pobres. É indiscutível que integrantes de classes sociais distintas se colocam em campos opostos em face da distribuição da carga tributária. Estão ausentes, porém, elementos que permitam concluir que o decreto visou a resguardar o interesse dos mais pobres. Grandes empresas são fortemente capitalizadas e podem evitar socorrer-se do mercado de crédito. Pequenas empresas precisam de crédito para capital de giro. É razoável enquadrá-las na categoria de ricos?
A existência de conflito de interesses entre contribuintes de diversas classes sociais é irrelevante para assegurar a constitucionalidade da medida. Traz, no entanto, uma consequência deplorável: banaliza debate que procrastinamos há séculos — a redistribuição da carga tributária, segundo a capacidade contributiva. Discuti-la no contexto da elevação do IOF é o que de pior poderia acontecer.
A estrutura tributária brasileira é injusta e disfuncional. De um lado, concedem-se favores tributários à Zona Franca de Manaus — de temporária, ela passou a ombrear com Matusalém no quesito longevidade. De outro, trabalhadores que ganham poucos salários mínimos são tributados em sua renda.
É impreterível redistribuir a carga tributária de maneira equânime. Mas, como visto, procrastinamos e, se nada mudar, continuaremos a adiar a resolução do problema. Usar a capacidade contributiva como base para tributação é medida de justiça social, benéfica para a economia. Preservar a renda das classes menos favorecidas, mantendo-as livres de tributação, atenua problemas sociais. Tributar moderadamente as camadas intermediárias permite a expansão da classe média, incrementando consumo e investimento. Quem tem renda ou patrimônio maior pagará mais, como defendem bilionários americanos.
Aprimorar a forma como o Estado despende seus recursos é vital. Aguardar o gasto público alcançar grau elevado de racionalidade para, então, redistribuir a carga tributária é falacioso. Pressagiar debandada de milionários e capitais para o exterior em função da adequação da carga tributária é irrealista. Por mais elevados que os tributos sejam aqui, as alíquotas no Primeiro Mundo serão maiores.
Em suma, é inadiável tratar da redistribuição da carga tributária. O debate sobre o aumento do IOF não é o momento apropriado.
Artigo publicado originalmente n'O Globo em 15/07/2025