Participação especial na venda de imobilizado: é devida?

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) determinou que fosse fiscalizado e exigido de concessionária de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural Participação Especial (PE) sobre “ressarcimento de investimento” que obteria com a venda de ativos depreciados do imobilizado. Tal pretensão carece de amparo legal, e pode vir a gerar custos e insegurança aos demais concessionários que se encontrem em situação análoga. A raiz do problema está na complexidade da regulamentação da PE, que precisa de ajustes.

Em 2021, a Alerj instaurou Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os motivos da queda da arrecadação de participações governamentais relativas a E&P no ano anterior. Uma das questões analisadas foram os gastos (custos e despesas) deduzidos da receita bruta da produção, utilizada como base de cálculo da PE.

O Relatório Final da CPI apontou que gastos com depreciação de bens representaram 14,27% (ou R$ 10,429 bilhões) das deduções da PE em 2020. No entanto, não haveria controle efetivo por parte da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) da regularidade desses gastos. O Tribunal de Contas da União fez coro a tal crítica (TC 029.009/2020-0).

Nesse contexto, a CPI determinou à Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro (Sefaz-RJ) fiscalizar a venda dos gasodutos das Rotas 1, 2 e 3 por parte da Petrobras para cobrança de PE sobre o “ressarcimento do investimento”. Apesar de não deter competência para arrecadar as compensações financeiras, os Estados têm competência para fiscalizar e acompanhar as concessões de exploração e produção instaladas em seu território, tal como reconheceu o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.233.

A razão subjacente à determinação (de fiscalizar o “ressarcimento do investimento” para cobrança de PE) encontra paralelo no direito tributário. A venda de ativo imobilizado por valor superior ao contábil (custo histórico de aquisição menos depreciação) gera ganho de capital, sujeito ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). De modo análogo, havendo ganho de capital na alienação de ativo imobilizado, haveria recuperação (econômica) de investimento, de modo que o concessionário teria conseguido obter riqueza (indiretamente) ligada à exploração sem ofertá-la à incidência da PE.

A fragilidade da proposta é de ordem legal. A Lei 9.478/97 e o Decreto 2.705/98 dispõem que a PE constitui “compensação financeira extraordinária” e é devida nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade (esta segunda hipótese nunca regulamentada). Será calculada sobre a receita bruta da produção, correspondente ao valor comercial total do volume de produção fiscalizada, da qual serão deduzidas despesas prescritas em lei, como as de depreciação. Não há determinação (ou autorização) para que receita outra (e.g.: ganho de capital na venda de ativo imobilizado) seja objeto de recolhimento de PE.

De acordo com as normas contábeis (NBC TG 27(R4) – Ativo Imobilizado, itens 68 e 71), o ganho auferido com a venda de ativo imobilizado (valor da alienação menos custo contábil) sequer deve ser contabilizado como receita de venda, devendo ser contabilizado em “outras receitas”, na forma da Lei das Sociedades Anônimas (art. 187) e da NBC TG 26 (R5) – Apresentação das Demonstrações Contábeis (item 82), deixando clara a natureza excepcional e não operacional da receita, estranha ao objeto desenvolvido pela sociedade. Sendo, portanto, excepcional e não operacional, não tem relação com a receita bruta da produção a justificar o recolhimento de PE.

A Resolução ANP 870/22 esmiuça o tema e dispõe em seu artigo 51 que receitas não financeiras auferidas na área da concessão devem ser adicionadas à receita bruta da produção, exceto as decorrentes de alienação de bens do ativo permanente (atualmente denominado ativo não circulante, que abarca o imobilizado), o que definitivamente resolve o assunto. Aliás, questionável a própria determinação desse dispositivo no sentido da submissão de receitas não financeiras à incidência da PE. Na eventualidade de tais receitas não terem relação direta com a produção da concessão, não deveriam dar ensejo ao recolhimento de PE, pelas razões apontadas acima.

Também impossível tratar o “ressarcimento do investimento” como “recuperação de gasto”, que na forma do artigo 50 da citada Resolução deve ser incluído na receita bruta da produção. Primeiro: há de prevalecer o artigo 51 ante sua especialidade, o que afasta a regra do artigo 50. Segundo: apesar de encargos de depreciação serem classificados como “gastos” pela Resolução (artigos 15 e 17) e serem deduzidos da base de cálculo da PE, tecnicamente não há “recuperação de gasto” quando da venda de ativo imobilizado depreciado por valor superior ao contábil, mas sim um ganho a ser reconhecido em resultado (outras receitas) não decorrente da atividade fim da sociedade.

Apesar do conceito de recuperação de custo ou despesa carecer de definição específica, é possível traçar um paralelo com a legislação tributária para identificar seus contornos. De acordo com a Receita Federal do Brasil (RFB), haverá recuperação, por exemplo, na repetição de indébito tributário (contribuinte recolhe tributo indevido ao Estado e é posteriormente restituído do valor – ADI RFB n. 25/2003) ou no reembolso por força de contrato de compartilhamento de despesas (participante de acordo de rateio antecipa despesa de terceiro para posteriormente ser restituído do valor – SD COSIT n. 23/2013). Esses exemplos demonstram que a recuperação pressupõe um reembolso por força de uma obrigação/relação prévia entre quem reembolsa e quem é reembolsado. Ganho de capital obtido na venda de ativo imobilizado é evento claramente distinto dessa situação. O adquirente não tem qualquer relação com o gasto antes incorrido pelo vendedor, sendo inapropriado retratar tal operação como uma redução/recuperação de custo ou despesa, o que afasta sua equiparação a uma “recuperação de gasto” na forma do art. 50 da Resolução ANP 870/22.

É assim que não se sustenta a pretensão da CPI da Alerj, de exigir PE sobre “ressarcimento de investimento” que concessionários obteriam com a venda de ativos depreciados do imobilizado. No entanto, a experiência mostra que a falta de fundamento legal frequentemente não constitui óbice a ações estatais. A eventual persecução da pretensão da CPI trará custos e insegurança aos concessionários, sobretudo ao considerar a complexidade da regulamentação da PE. Tudo a recomendar a simplificação das regras aplicáveis à matéria.

Imagem: Ntaliya Vaitkevich / Pexels

Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

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Advogado
Isabela Schenberg Frascino

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Sócia
Samilla Gabriella Macedo

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Advogada

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