Boletim Tributário - Dezembro 2018

I. Alterações legislativas e normativas

I.1 RFB divulgará dados de contribuintes suspeitos de praticar crimes fiscais

Por meio da Portaria nº 1.750, de 12 de novembro de 2018, a Receita estabeleceu novos procedimentos necessários à apresentação de representação fiscal para fins penais (RFFP), bem como para garantir sua publicidade. A RFFP deve ser apresentada pelos auditores da Receita sempre que estes, no exercício de suas funções, identificarem a ocorrência de fatos que possam configurar, em tese, crimes contra a ordem tributária, contra a Previdência Social, e/ou de contrabando ou descaminho1.

Ao se deparar com indícios da prática de crimes fiscais, o auditor da Receita tem o dever de lavrar a RFFP com (i) a identificação das pessoas físicas a quem se atribua a prática do delito penal, da pessoa jurídica autuada e de terceiros que tenham concorrido com a conduta; (ii) a descrição dos fatos caracterizadores do ilícito penal e o seu enquadramento legal; e (iii) a identificação de possíveis testemunhas.

Como regra, a RFFP será mantida na unidade responsável pelo processo administrativo fiscal por meio do qual a Receita exige tributo do contribuinte, até sua conclusão. Encerrado o processo administrativo, a RFFP será encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), que poderá dar início a inquérito objetivando averiguar a efetiva prática de crime e, eventualmente, ajuizar a ação penal.

Embora o procedimento para emissão da RFFP seja semelhante ao , regulado pela Portaria nº 2.439, de 21 de dezembro de 2010, a Portaria nº 1.750/18 inovou ao estabelecer que a Receita dará publicidade às RFFPs encaminhadas ao MPF, mediante divulgação mensal em seu site. Nele qual serão informados número do processo referente à representação; nome e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) dos responsáveis pelos fatos que configuram o suposto ilícito objeto da RFFP; nome e número de inscrição no CNPJ das pessoas jurídicas relacionadas ao ato ou fato que ensejou a RFFP; tipificação legal do ilícito penal; e data de envio da RFFP ao MPF.

Tais informações somente serão excluídas (no todo ou em parte) do site da Receita quando (a) da extinção do crédito tributário a que se refere a RFFP; (b) se tornar definitiva a decisão proferida no âmbito administrativo ou judicial que reconheça que a pessoa não é responsável ou corresponsável pelo fato; ou (c) por ordem judicial.

A nosso ver, a publicação de dados sobre a RFFP tem o intuito de coagir contribuintes a pagar o tributo discutido, mediante ameaça de divulgação de seu nome como de potencial criminoso, o que não deve ser aceito pelo Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento consolidado no sentido de que não se admite a adoção de sanções indiretas como meio coercitivo para compelir o contribuinte a pagar tributos, devendo a União se valer dos meios previstos em lei (execução fiscal).

A divulgação dos dados viola também a garantia constitucional da presunção de inocência e o sigilo fiscal dos contribuintes, ao revelar fatos de autuação sigilosa. Por essas razões, as pessoas prejudicadas poderão propor medidas judicias objetivando não apenas afastar a publicidade da RFFP, como eventualmente pleitear indenizações por prejuízos decorrentes da indevida exposição.

II. Decisões administrativas

II.1 Carf mantém autuação pela dedução de ágio em operação com empresa-veículo

Por voto de qualidade, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve autuação fiscal2 que cobra o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devidos em razão de amortização supostamente indevida de ágio pago por empresa-veículo. O ágio foi deduzido entre 2007 e 2012.

De acordo com a autuação, o contribuinte adquiriu uma cervejaria sediada na Argentina mediante a interposição de empresa-veículo no Brasil (holding) cujo único objetivo seria permitir a posterior amortização fiscal do ágio. Antes da venda, a participação na cervejaria argentina, antes detida por outra empresa sediada no exterior, foi transferida pelos vendedores à empresa-veículo brasileira e, ato subsequente, esta última teve sua participação adquirida pelo contribuinte autuado.

Em sua defesa, o contribuinte argumentou que (i) o caso difere da mera criação de uma empresa-veículo, vez que a holding foi constituída pelos próprios vendedores como um meio facilitador do negócio, sem qualquer ingerência da adquirente brasileira, (ii) a existência da empresa-veículo não teria por objetivo único permitir a dedução do ágio, mas sim a aquisição de uma sociedade sem o risco de assumir potenciais contingências da antiga controladora da cervejaria argentina, e (iii) a operação foi realizada entre partes independentes e houve efetivo pagamento do preço acordado.

Para o contribuinte, tais fatos demonstrariam a existência de propósito negocial na operação, ou seja, que a interposição da holding brasileira teve outros motivos além de simplesmente possibilitar a dedução fiscal do ágio.

Embora os argumentos da empresa tenham sido acolhidos pelos conselheiros representantes dos contribuintes, a Turma decidiu manter a autuação pelo voto de qualidade. De acordo com o voto vencedor, evitar o risco de assumir contingências da antiga sócia da cervejaria argentina poderia ser uma demanda legítima, mas a constituição da empresa-veículo no contexto dessa operação teria tido fins exclusivamente fiscais. Isso porque o contribuinte brasileiro poderia ter obtido o mesmo resultado (evitar o supracitado risco) mediante a aquisição direta das ações da cervejaria argentina, procedimento que inviabilizaria a amortização fiscal do ágio.

Vale ressaltar que há decisões do Carf no sentido de que a mera utilização de empresas-veículo não é suficiente para prejudicar a dedutibilidade do ágio; a verificação da dedutibilidade deve ser feita sempre caso a caso, perquirindo-se a existência de propósito negocial. A título de exemplo, a mesma Turma decidiu, em meados de 2017, ser admitida a utilização de empresa-veículo quando estiver demonstrado que o ágio poderia ser deduzido mesmo sem a sua criação3. Por isso, a viabilidade da dedução do ágio em operações que envolvam a utilização de empresa-veículo deve ser avaliada com cautela, mediante criteriosa análise dos fatos que possam justificar sua interposição.

II.2 Carf rejeita planejamento fiscal para venda de participação societária por FIP

Na sessão do dia 20 de novembro, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf decidiu, por voto de qualidade, pela desconsideração de planejamento tributário que transferiu participação em uma empresa farmacêutica para um Fundo de Investimento em Participações (FIP), que, posteriormente, alienou tal participação a terceiros.

De acordo com notícias da imprensa, as ações da empresa-alvo eram originalmente detidas por pessoas físicas de uma mesma família que, diante de problemas de saúde do seu patriarca e sócio controlador da empresa, constituíram uma holding objetivando garantir que o controle da empresa permanecesse dentro do núcleo familiar. Essa holding teria sido posteriormente dissolvida e as ações da empresa farmacêutica passaram a ser detidas pelo FIP.

Para a RFB, a transferência do controle da empresa farmacêutica para o FIP antes de sua venda teve por objetivo afastar de forma artificial a tributação que seria devida se a venda tivesse sido realizada diretamente pela holding, isto é, evitar a cobrança do IRPJ e da CSLL à alíquota combinada de 34%.

Em sua defesa, os contribuintes (pessoas físicas responsáveis pela extinta holding) alegaram que a estrutura teve por objetivo manter sob controle do patriarca os recursos recebidos com a venda, que incluíam ações da empresa adquirente. Argumentaram ainda que não havia intenção de evitar ou postergar tributos, tanto assim que o FIP teria retido aproximadamente R$ 280 milhões a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre ganho de capital dos seus investidores.

Não obstante, por voto de qualidade, a Turma acatou o argumento da Receita e considerou abusivo o planejamento tributário adotado, por ter como objetivo principal a economia de tributos. Por isso, a autuação deveria subsistir, com a exigência do IRPJ e da CSLL à alíquota combinada de 34%, ressalvada a possibilidade de compensação com os tributos já pagos pelas pessoas físicas.

O acórdão, entretanto, ainda não foi publicado. É possível que outros detalhes do caso sejam conhecidos quando publicada a decisão e poderão ser relevantes para a avaliação do tema, tais como data, forma e valor da transferência da empresa-alvo para o FIP, tempo decorrido entre a transferência e a venda da empresa-alvo, etc.

A decisão contraria recente manifestação da 1ª Turma da 2ª Câmara do Carf, que havia admitido a utilização de FIP para a venda de participação societária. Naquele caso, que comentamos no Boletim Informativo de Agosto de 20184, as ações da empresa-alvo (um hospital) pertenciam a uma holding cujas quotas foram transferidas pelos sócios a um FIP. Posteriormente, a holding teve seu capital reduzido de modo a transferir ao FIP a participação direta no hospital e, ato subsequente, este foi vendido pelo FIP. Na decisão, favorável ao contribuinte, o Carf considerou que o FIP foi indispensável à realização do negócio e decorreu de uma exigência do adquirente do hospital, o que demonstraria que a estrutura adotada não teria objetivado a simples redução dos tributos incidentes na operação.

III. Decisões do Poder Judiciário

III.1 Justiça Federal afasta orientação da RFB sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins

No último dia 27 de novembro, a 21ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais5 autorizou um contribuinte a apurar as contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins), com a exclusão do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) destacado em cada nota fiscal.

A decisão afastou expressamente a aplicação da Solução de Consulta Interna nº 13, de 23 de outubro de 2018, por meio da qual a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) havia adotado interpretação restritiva da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. A Solução de Consulta Interna foi comentada no nosso Boletim Tributário de Novembro de 20186.

De acordo com a acertada decisão da Justiça Federal de Minas Gerais, o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins deve corresponder à soma do valor do ICMS indicado em cada uma das notas fiscais de saída (valor registrado no livro de saídas), e não ao valor do ICMS a recolher apurado mensalmente após dedução de créditos do imposto (valor registrado no livro de apuração).

A decisão prestigia, assim, o entendimento do STF quando da declaração de inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, já que o montante incluído na base de cálculo das contribuições é o valor do ICMS destacado nas notas fiscais de saída e não o ICMS efetivamente recolhido.


1 A Portaria estabeleceu também procedimentos necessários à (i) representação para fins penais em razão de fatos que configurem, em tese, crimes contra a Administração Pública Federal, em detrimento da Fazenda Nacional ou contra administração pública estrangeira, de falsidade de títulos, papéis e documentos públicos e de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; e (ii) representação referente a ilícitos que configuram, em tese, atos de improbidade administrativa de que tratam os arts. 9º a 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, relacionados às atividades e competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
2 Processo Administrativo nº 16561.720109/2013-74.
3 Acórdão n° 1201-001.811, publicado em 15 de agosto de 2017.
4
http://www.levysalomao.com.br/publicacoes/Boletim/boletim-tributario---agosto-2018.
5 A decisão foi proferida nos autos do Cumprimento de Sentença nº 26249-78.2014.4.01.3800.
6
https://www.levysalomao.com.br/publicacoes/Boletim/boletim-tributario---novembro-2018.

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Autores L&S

Camila Mariotto

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Consultora
Isabela Schenberg Frascino

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Sócia

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