CVM regulamenta os Certificados de Recebíveis do Agronegócio

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou em 1º de agosto a Instrução CVM nº 600, regulamentação dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A norma busca disciplinar as ofertas públicas de distribuição desse título de crédito, criado pela Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004. Com regime jurídico próprio, não será mais necessário recorrer a outras regras por analogia (como as aplicáveis aos Certificados de Recebíveis Imobiliários) para ofertas de CRAs.

A norma vem em boa hora, já que a securitização de créditos ligados ao agronegócio tem apresentado relevância dada a importância da atividade agropecuária na matriz econômica brasileira. A despeito da redução do volume de emissões de CRAs neste ano - se comparado com o mesmo período de 2017 -, o valor total até junho de 2018 não é desprezível: R$ 1,972 bilhão, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima)1.

A instrução é fruto de longa audiência pública promovida pela CVM, que contou com significativa contribuição de agentes do mercado.

Destaca-se na regra o detalhamento quanto às características dos direitos creditórios que podem servir como lastro para emissões públicas de CRAs. Este cuidado é importante, pois a clareza quanto ao lastro é fundamental para que possam ser estruturadas novas emissões com mais agilidade e segurança.

Os CRAs devem estar vinculados a direitos creditórios oriundos de negócios celebrados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros, inclusive financiamentos ou empréstimos, relacionados com a produção, a comercialização, o beneficiamento ou a industrialização de produtos, insumos ou máquinas e implementos da atividade agropecuária.

Tais direitos creditórios devem (i) ter como credores ou devedores produtores rurais ou suas cooperativas, independentemente da destinação dos recursos a ser dada pelo devedor ou pelo credor, (ii) decorrer de títulos de dívida emitidos pelos terceiros referidos no parágrafo anterior, vinculados a uma relação comercial entre o terceiro e produtores rurais ou suas cooperativas, ou (iii) decorrer de títulos de dívida emitidos pelos próprios produtores rurais ou suas cooperativas.

Atendendo demanda do mercado, a CVM também aceitou como lastro de CRA os direitos creditórios de negócios realizados entre distribuidores de produtos e insumos agropecuários e terceiros, desde que vinculados, a vendas do distribuidor a produtores rurais.

Ainda sobre lastro, a norma permite a revolvência, ou seja, a aquisição de novos direitos creditórios do agronegócio com recursos decorrentes do pagamento dos direitos creditórios que originalmente lastrearam a emissão. Isso porque os ciclos de plantio, safra e produção agropecuários são geralmente curtos, o que requer a substituição do lastro para que haja compatibilidade com o prazo de vencimento do CRA.

Os CRAs podem ser divididos em diferentes classes, a partir do critério de subordinação ou não para fins de amortização e resgate. A classe sênior não é subordinada às demais, enquanto a classe subordinada o é, sendo que esta última ainda pode estar dividida em subclasses com diferentes níveis de subordinação, denominadas “subordinadas mezanino”, com menor subordinação, e “subordinadas júnior”.

Os CRAs objeto de oferta pública registrada na CVM devem (i) contar com a instituição de regime fiduciário sobre o lastro, formando patrimônio separado, (ii) ter como lastro direitos creditórios objeto de liquidação exclusivamente financeira e (iii) não ter como lastro créditos emitidos por um mesmo devedor, direta ou indiretamente, cujo valor ultrapasse 20% do montante total da emissão em questão2. Essas condições não são obrigatórias no caso de oferta destinada exclusivamente a investidores profissionais.

Há ainda limitações que devem ser observadas quando a oferta se destina a investidores não qualificados, como (i) necessidade de retenção substancial de riscos e benefícios pelo cedente ou terceiros3, (ii) obrigatoriedade de os créditos serem performados4 e (iii) a cessão dos direitos creditórios ser realizada por um único cedente ou cedentes sob controle comum. Sobre o último ponto, se de um lado a CVM argumenta que seria mais fácil para o investidor avaliar uma única política de concessão de crédito, por outro o mercado defende, com razão, que a existência de diversos cedentes pode resultar na pulverização de risco.

Assim como ocorre com relação a outros valores mobiliários, a CVM optou por definir na norma os riscos admitidos para investidores não qualificados. É questionável se essa postura paternalista da CVM é de fato desejável.

Se de um lado, em tese, investidores não qualificados estariam sendo protegidos de determinados riscos, por outro, também em tese, seriam privados de retornos superiores. Parece-nos mais adequado confiar aos integrantes do sistema de distribuição, aos consultores de valores mobiliários e às companhias securitizadoras na hipótese do parágrafo que segue, o dever de verificar a adequação do produto ao perfil do investidor, nos termos da regra própria (Instrução CVM nº 539, de 13 de novembro de 2013), do que de antemão impedir que investidores ditos não qualificados corram mais riscos com a expectativa de retornos maiores.

Por fim, sensível a demanda do mercado, e em consonância com o que foi feito com relação a gestores de fundos de investimento5, a CVM passa a permitir que a companhia securitizadora fique responsável pela distribuição pública de CRAs por ela emitidos, sem que tenha que contratar instituição intermediária independente. Esta medida é positiva na medida em que reduz o custo da emissão. Contudo, isso só é permitido para ofertas de até R$ 100 milhões. Apesar de não vermos razão para tal limite, ao menos já temos uma abertura para que o mercado teste esse modelo e, em havendo necessidade, busque eliminá-lo no futuro.

O CRA é um importante instrumento apto a impulsionar o investimento produtivo no Brasil. Com um regime jurídico próprio, há agora incremento na segurança jurídica desse produto.

As novas regras entram em vigor em 90 dias contados de 1º agosto.


1 http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/relatorios/mercado-de-capitais/boletim-de-mercado-de-capitais/debentures-respondem-por-57-das-captacoes-em-2018.htm
2 Não há limite de 20% se o devedor ou coobrigado for companhia aberta, instituição financeira ou equiparada ou entidade que tenha suas demonstrações financeiras relativas ao exercício social imediatamente anterior à data de emissão do CRA elaboradas em conformidade com o disposto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e auditadas por auditor independente registrado na CVM.
3 O que pode ocorrer, por exemplo, por meio da emissão, para o cedente ou terceiros, de certificados de classe subordinada ou, ainda, da assunção de coobrigação ou contratação de seguro.
4 Aqueles em que o produto objeto da compra ou venda já tenha sido entregue ou em que a prestação de serviço já tenha ocorrido. Assim, o risco de não cumprimento da prestação original não é admitido para ofertas destinadas a investidores não qualificados.
5 Sobre o assunto vide: http://www.levysalomao.com.br/publicacoes/Boletim/nova-regra-para-administradores-e-gestores-de-carteiras

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Rodrigo Dias

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