Empresas envolvidas em cartel têm possibilidades reduzidas de fusões e aquisições

No dia 3 de maio 2018, a Superintendência-Geral do Cade (SG) emitiu parecer no Ato de Concentração nº 08700.007777/2017-76, envolvendo uma “fusão de iguais” entre Linde AG e Praxair, Inc., detentora da marca White Martins no Brasil. Ambas as empresas atuam no mercado de gases industriais e hospitalares, historicamente tido pelo Cade como altamente concentrado e com significativas barreiras à entrada.

O caso tem chamado atenção não apenas pelo valor da transação, 70 bilhões de euros1, mas também pela sua complexidade, pelo nível de concentração resultante nos diversos mercados relevantes afetados (em alguns casos, superiores a 90%) e pelas sinergias esperadas em termos de custo e eficiência, estimadas em mais de um bilhão de euros. Entretanto, outro aspecto também recebeu holofotes: a transação envolve duas empresas investigadas e condenadas no suposto cartel dos gases, do qual resultou a aplicação de uma das maiores multas da história do Cade: R$ 2,9 bilhões, em valores históricos2.

De acordo com conclusão da SG, com o objetivo de endereçar preocupações identificadas durante o exame da operação, seria necessária a adoção de remédios estruturais. Para tal, foram ouvidos clientes e concorrentes – em boa parte, também impugnantes, como Air Liquide, Air Products, Empresa de Serviços Hospitalares – ESHO, Companhia Brasileira de Alumínio, Braskem e Magnesita –, que auxiliaram no desenho de um primeiro esboço de Acordo em Controle de Concentrações (ACC).

Se, por um lado, era intenção da autoridade concorrencial obter um compromisso de desinvestimento de plantas a um concorrente suficientemente forte para rivalizar de maneira eficaz com a nova entidade resultante da fusão, por outro, pretendeu-se afastar a possibilidade e a probabilidade de eventual coordenação. Para mitigar esse risco, a SG entendeu que o novo comprador deveria ser uma empresa que não foi alvo de condenação no cartel dos gases, limitando substancialmente o espaço amostral de potenciais compradores do pacote de negócios a serem desinvestidos3.

Embora não seja uma medida completamente nova recomendada pela SG (há precedente semelhante no caso Lafarge e Holcim)4, trata-se de aspecto importante que pode indicar sinalização e tendência do Cade no sentido de que, a depender do caso concreto, a participação em carteis pode acarretar às empresas não apenas uma série de sanções administrativas e dano reputacional, como também redução da possibilidade de negócios legítimos com concorrentes no futuro, como fusões e aquisições, ainda que economicamente pró-competitivas.


1 Financial Times: Linde and Praxair sign formal merger agreement. Fonte: https://www.ft.com/content/682d0e70-4095-11e7-9d56-25f963e998b2.
2 Processo Administrativo nº 08012.009888/2003-70 (Representante: SDE ex officio; Representados: AGA S.A., Linde Gases Ltda., Air Liquide Brasil Ltda., Air Products Brasil Ltda., Indústria Brasileira de Gases Ltda., S.A. White Martins, White Martins Ltda., White Martins Gases Industriais Ltda., Carlos Alberto Cerezine, Gilberto Gallo, Hélio de Franceschi Junior, José Antônio Bortoleto de Campos, Moacyr de Almeida Netto, Newton de Oliveira, Vitor de Andrade Perez e Walter Pilão).
3 Essa preocupação foi ratificada pelo Tribunal do CADE, o qual assim entendeu: “O Comprador dos Negócios Desinvestidos é peça fundamental para que o ACC atinja plenamente sua eficácia e garanta, assim, que sejam restabelecidas as condições concorrenciais prévias à presente Operação. Para tanto, o presente ACC enumera diversos requisitos que devem ser atendidos pelo Comprador dos Negócios Desinvestidos. [...] A cláusula acima foi pensada para endereçar a efetividade do remédio. Uma primeira preocupação, expressa por esse dispositivo, decorreria do perfil do comprador dos ativos desinvestidos. A operação implica na redução de quatro para três principais agentes operantes no mercado, que já possui histórico de condenação por cartel no Cade (Processo Administrativo nº 08012.009888/2003-70).
4 MLex – Market Insight: Linde-Praxair asset sale requirement shows influence of past conduct in sector on Brazil reviews.

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