O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) colocou em consulta pública uma proposta de resolução que promete dar mais segurança e efetividade à negociação de acordos judiciais com a autarquia. Embora a Lei 13.988, de 2020, já houvesse regulamentado a negociação de acordos quando o débito decorrente de uma condenação estivesse inscrito em dívida ativa, faltava um regramento claro para os casos em que a judicialização ocorre antes da inscrição em dívida ativa, que é a hipótese mais comum.
A proposta é apresentada menos de seis meses após encerrada a possibilidade de adesão ao Desenrola Agências, uma rara oportunidade de obtenção de descontos e prazo em processos envolvendo o Cade. Isso mostra uma intenção do órgão de que o esforço para reduzir a litigiosidade seja permanente. Para as empresas, significa que há necessidade de repensar estratégias de defesa, considerando custos e benefícios da judicialização versus a busca de uma solução consensual.
Se aprovada a norma proposta, que fica em consulta pública até 23 de julho, também serão criados incentivos automáticos para quem optar por não questionar judicialmente as decisões do Cade.
Uma das principais inovações da proposta é a concessão de desconto de 10% para pagamento em até 60 dias de multas impostas pela autarquia. As condições para essa redução são a confissão da dívida e a renúncia expressa ao direito de recurso administrativo ou impugnação judicial. Apesar de o percentual de desconto não ser elevado, a novidade estabelece um incentivo antes inexistente para aqueles que já avaliavam não questionar judicialmente uma condenação.
Há ainda a possibilidade de parcelamento das multas em até 60 meses, também condicionada à renúncia à judicialização. Esta modalidade atende a um grupo expressivo de empresas que, embora não confiassem no êxito dos processos judiciais, recorriam a este mecanismo em razão de dificuldades de caixa para quitação integral imediata da multa imposta. Com a medida, o Cade evita a judicialização motivada apenas pelo desejo de ganhar tempo para quitar a dívida.
Um dos aspectos mais relevantes da proposta de resolução é a definição de rito específico para negociação de acordos em processos já judicializados. A medida estabelece competências claras e procedimentos padronizados para a atuação das diferentes unidades do órgão, como já havia sido feito para a negociação de acordos em processos que ainda estavam na fase administrativa, os TCCs.
Uma evolução importante em relação à norma que prevê a negociação de acordos na fase administrativa é a previsão de participação na comissão de negociação de um representante do tribunal do Cade. Como a lei exige que o tribunal aprove os acordos, o envolvimento desde o início de um representante desse colegiado evita que a negociação corra o risco de posteriormente ser revista, em razão de o órgão que dará a palavra final ter ficado fora das discussões.
Chama atenção na proposta a ausência de critérios rígidos para as concessões que podem ser feitas nos acordos. Embora essa flexibilidade permita soluções customizadas para cada caso, também reduz a previsibilidade sobre o benefício que pode ser alcançado e dá menos segurança aos membros da comissão de negociação ao conceder descontos.
Empresas e advogados especializados deverão acompanhar atentamente a implementação prática dessas regras de descontos para compreender os parâmetros efetivamente adotados pelo Cade e analisar as vantagens e os riscos.
Também há uma previsão de revisão de obrigações de fazer e não fazer constantes de decisões do Cade pela via do acordo. A legalidade da aplicação dessa previsão a casos oriundos de atos de concentração é questionável, dada a previsão da Lei de Defesa da Concorrência de que a decisão nesse tipo de processo não pode ser revista no âmbito do Poder Executivo.
Por fim, a proposta também disciplina critérios para responsabilização solidária e desconsideração da personalidade jurídica. Na linha da alteração do Código Civil, feita em 2019, e de precedentes recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a norma proposta restringe a aplicação do instituto da desconsideração a casos de “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”. Também estabelece um rito que antes não estava claro para inclusão de devedor solidário após a decisão do tribunal.
A medida é positiva e confere maior segurança jurídica à negociação de acordos judiciais. Com os aprimoramentos decorrentes de contribuições recebidas na consulta pública, a norma tende a romper com uma tradição de incentivos à judicialização existente no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Artigo publicado originalmente no Jota em 18/07/2025.