I. Alterações legislativas e normativas

I.1 Reoneração da folha de salários

Publicada em 30 de maio de 2018, a Lei nº 13.670 alterou o regime substitutivo de recolhimento da contribuição previdenciária.

Instituído pela Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, o regime previa que determinados setores empresariais passassem a recolher contribuição previdenciária com base na receita bruta e não mais sobre a folha de salários. A medida buscava incentivar a recuperação econômica dos segmentos e ampliar a oferta de empregos.

A partir de 1º de dezembro de 20151, a sistemática se tornou facultativa. Empresas submetidas ao regime poderiam recolher a contribuição com base na folha de salários. Se desejassem permanecer no programa, a opção seria “irretratável para todo o ano calendário” e manifestada pelo pagamento da “contribuição incidente sobre a receita bruta relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente para a qual haja receita bruta apurada”.

Com a Lei nº 13.670/18, alguns segmentos, como o hoteleiro e de transporte aéreo ou marítimo de passageiros ou cargas, foram excluídos do regime substitutivo e devem voltar a recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.

O primeiro problema está no momento da alteração, uma vez que, de acordo com a Lei nº 13.670/18, a reoneração da folha se dará a partir do próximo dia 1º de setembro.

Como a Constituição Federal assegura que lei nova “não prejudicará (...) o ato jurídico perfeito” 2, contribuintes que optaram pelo regime substitutivo no início de 2018 não podem agora ter modificada a sistemática de recolhimento para os últimos meses do ano.

Afinal, fixaram preços e projetaram receitas e resultados com base na estimativa de despesas e custos a que estariam submetidos ao longo de 2018. Confiaram na União no momento em que optaram pelo regime substitutivo de forma “irretratável para todo o ano calendário”, como exigia a lei. Por respeito à segurança jurídica, não podem ser prejudicados com a alteração da sistemática de recolhimento da contribuição previdenciária antes de 2019.

Além disso, a alteração legislativa não aborda o pagamento da contribuição previdenciária sobre a folha do 13º salário. Se o novo regime for aplicado a partir de 1º de setembro, os recolhimentos feitos com base na receita bruta até agosto devem ser computados no momento do pagamento da contribuição da folha do 13º, proporcionalmente ao período em que a empresa permaneceu no regime substitutivo.

Ou seja, a contribuição sobre o 13º deve ser recolhida na proporção de 4/12 do total (setembro a dezembro). Entendimento similar foi adotado pela Receita Federal no Ato Declaratório Interpretativo nº 9, de 9 de dezembro de 2015, em relação a empresas submetidas ao regime substitutivo até novembro de 2015 e que escolheram recolher sobre a folha a partir de dezembro daquele ano.

Embora ainda precise de regulamentação da Receita, a Lei nº 13.670/18 deve ser contestada por contribuintes no Poder Judiciário.

I.2 Novas regras para a compensação tributária

A Lei nº 13.670/18 também alterou regras de compensação de tributos federais, que acontece quando o contribuinte declara a existência de um crédito fiscal para reduzir o valor de débitos de tributos a pagar, sujeito a posterior homologação pela Receita.

A norma impediu a compensação de créditos que estejam sendo investigados pela Receita – “cuja confirmação de liquidez e certeza esteja sob procedimento fiscal”. Ainda que aparentemente justificável para evitar que devedores maliciosos se utilizem de créditos sabidamente inexistentes para deixar de recolher tributos, a restrição não é oportuna por diversos motivos.

Primeiro porque a Receita tem prazo de cinco anos para analisar compensações formalizadas pelo contribuinte. Tempo suficiente para exame do crédito e identificação do devedor mal intencionado, cobrando o tributo pago a menor pela compensação, e inclusive exigindo multa e juros.

Segundo porque a recusa efetiva da Receita, após a conclusão de procedimento fiscal, impede novas compensações do mesmo crédito, “ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa” 3. O que já seria suficiente ônus para contribuinte que apresentasse pedido temerário.

Terceiro porque o contribuinte está sujeito a multa de 50% sobre o valor do débito objeto de compensação que não seja homologada, o que desencoraja abusos no procedimento de compensação.

E, por último, porque procedimentos fiscais não têm prazo determinado para se encerrar. Contribuinte cujo crédito precisasse esperar o fim de procedimento fiscal para ser compensado correria o risco de passar longos anos impossibilitado de utilizá-lo, podendo inclusive ver seu direito prescrever, ainda que tenha prestado esclarecimentos e informações. A Receita não se sente obrigada a decidir com celeridade as demandas que lhe são apresentadas.

Também segundo a Lei nº 13.670/18, débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) passam a não poder ser compensados.

Outra medida inoportuna, uma vez que busca maximizar a arrecadação em prejuízo de contribuintes que já foram penalizados com o pagamento a maior de tributos.

As alterações entraram em vigor em 30 de maio e compensações em análise podem motivar a exigência imediata dos débitos4.

Importante monitorar o trâmite de compensações pendentes de decisão para impedir que a Receita se utilize, indevidamente, das restrições trazidas pela Lei nº 13.670/18 para recusar pedidos anteriormente formulados pelos contribuintes. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado no sentido de que a lei aplicável à compensação tributária é a vigente à data da compensação entre os débitos e créditos da Fazenda e do contribuinte5.

Outra inovação relevante trazida pela Lei nº 13.670/18, esta não censurável, foi permitir às empresas que utilizam o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) compensar créditos ou débitos previdenciários com créditos ou débitos de outros tributos administrados pela Receita. As compensações se restringem, no entanto, a débitos e créditos relativos a períodos de apuração posteriores à utilização do eSocial.

II. Decisões administrativas

II.1 Carf reconhece direito à livre organização de grupo econômico

Em 10 de maio, foi publicada decisão6  da Primeira Turma da Terceira Câmara da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconhecendo a regularidade da segregação de atividades entre empresas sob mesmo controle, ambas no regime de tributação pelo lucro presumido.

A autuação foi baseada na alegação de que duas empresas do ramo de construção civil “pulverizam entre si a receita bruta total do negócio, driblando a lei no que diz respeito à ultrapassagem do limite legal de R$ 48 milhões para que o negócio pudesse ser tributado com base no lucro presumido”7 . Segundo a Receita, o fato de as sociedades terem mesmo quadro societário e administração, atividades semelhantes e filiais instaladas no mesmo endereço, tornaria simulada a segregação e, como tal, não produziria efeitos tributários.

Mas a decisão entendeu que a atuação das empresas em “atividades similares, complementares”, ainda que dividam sócios e estruturas físicas, não é suficiente para desqualificar a segregação das empresas sob controle comum8. No caso, uma atuava em obras de construção civil de grande porte, como mineração, terraplanagem e pavimentação asfáltica, e a outra em obras de pequena complexidade, como recapeamento, guias e sarjetas.

Foi também levado em conta que as sociedades possuíam maquinário e empregados em número suficiente ao exercício de suas atividades-fim, ressaltando-se a irrelevância da instalação de filiais das empresas em um mesmo endereço, sobretudo quando destinada à redução de custos administrativos, cujo compartilhamento e rateio é admitido pela própria Receita9.

Afastou-se, assim, a existência de confusão patrimonial ou manipulação de receitas e despesas.

O entendimento prestigia a liberdade empresarial para a organização dos negócios. Se o contribuinte tem a garantia constitucional de realizar tudo que não lhe seja proibido por lei, espera-se que organize seus negócios com a menor carga tributária permitida e não com máximo ônus fiscal, segundo geralmente defende o Fisco.

II.2 Carf afasta simulação em reorganização para venda de ativo

Na mesma linha de liberdade organizacional, decisão unânime10  da Primeira Turma da Quarta Câmara da Primeira Seção do Carf cancelou cobrança de IRPJ e CSLL em operação de venda de ativos, precedida de redução de capital da sociedade com entrega dos bens aos sócios para posterior alienação. Trata-se de reorganização societária pré-venda bastante utilizada como forma de viabilizar a alienação de ativos a uma carga tributária inferior.

A Receita defendeu que a venda deveria ter sido realizada pela empresa, pois a “redução do capital almejava, como objetivo único”, a “fuga da tributação quanto ao ganho de capital, que teria sido apurado pela pessoa jurídica (...) à alíquota (...) de 34%, quando, na prática, foi apurado pelos sócios pessoas físicas e/ou residentes no exterior (...) à alíquota de 15%”.

A decisão reconheceu a fragilidade da acusação fazendária, não apenas com base na regularidade formal dos atos praticados, mas também no fato de que a negociação para a alienação do ativo ocorreu em momento posterior à deliberação de sua transferência aos sócios da empresa.

Acrescentou que, no “máximo, o que houve foi planejamento, no sentido de que foram estudadas alternativas para a alienação (...) e houve atuação preventiva de forma a minimizar os impactos tributários (...), dever de um bom administrador, já que os tributos são, em última análise, custos como quaisquer outros, os quais devem ser, na medida do possível e desde que licitamente, reduzidos em prol da saúde financeira de qualquer pessoa, física ou jurídica”.

Em outubro de 2013 o Carf já havia decidido11  de forma similar admitindo essa operação, que inclusive é prevista no art. 22 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, desde que realizada antes da ocorrência do fato gerador e que não gere economia de tributos mediante criação de despesas ou custos artificiais ou fictícios.

III. Decisões do Poder Judiciário

III.1 Sentença reconhece dedutibilidade de ágio interno anterior à Lei nº 12.973/14

Sentença de 17 de maio da Justiça Federal em Porto Alegre12, Rio Grande do Sul, cancelou cobrança de IRPJ e CSLL sobre aproveitamento de ágio apurado em operação societária intragrupo realizada entre 2004 e 2005.

A cobrança teve origem na alegação da Receita de que operações societárias realizadas entre empresas do mesmo grupo econômico não gerariam ágio passível de dedução fiscal.

À época, o ágio representava a diferença a maior entre o custo de aquisição do investimento e o seu valor de patrimônio líquido quando da compra. O ágio que tivesse por fundamento a expectativa de rentabilidade futura da empresa investida tornava-se dedutível das bases de cálculo do IRPJ e CSLL, sob determinadas condições legais. A legislação tributária vigente ao tempo da operação13  não restringia o aproveitamento fiscal de ágio a aquisições realizadas entre partes independentes, muito embora já fosse comum o Fisco questionar estes casos.

A vedação ao aproveitamento fiscal de ágio gerado entre partes relacionadas foi estabelecida com o art. 22 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2015. Por essa razão, o juiz reconheceu que operações realizadas antes da vigência dessa norma estão a salvo da restrição.

A decisão está em linha com a garantia constitucional de que lei nova não prejudicará o ato jurídico perfeito, com o princípio da segurança jurídica e com a regra da irretroatividade da lei tributária prevista na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional (CTN)14.

Lei nova até poderia voltar no tempo para esclarecer ou interpretar determinados pontos da legislação conforme previsão do art. 106, I, do CTN: “lei aplica-se a ato ou fato pretérito (...) quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”. Mas se a nova lei não for expressamente interpretativa, ou quando inovar no mundo jurídico, ainda mais em prejuízo do particular, deve ser aplicável somente a fatos posteriores a sua vigência.

É possível que outras cobranças de IRPJ e CSLL relacionadas ao tema venham a ser igualmente canceladas no Poder Judiciário com base nos mesmos fundamentos.


1. Art. 7º, inciso I, da Lei nº 13.161, de 31 de agosto de 2015.
2. Art. 5º, XXXVI.
3. Art. 74, § 3º, VI, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que recebeu nova redação pela Lei nº 13.670/18. Como compensações “não declaradas”, conforme art. 74, §§ 12 e 13, da Lei nº 9.430/96.
4. Como compensações “não declaradas”, conforme art. 74, §§ 12 e 13, da Lei nº 9.430/96.
5. STJ, Recurso Especial Repetitivo nº 1.164.452, Primeira Seção.
6. Acórdão nº 1301-002.921.
7. A partir de 2014, o limite de receita anual para o regime de lucro presumido passou a ser de R$ 78 milhões, conforme redação dada pela Lei nº 12.814, de 16 de maio de 2013, ao art. 13 da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998.
8. Decisão sobre o mesmo tema da Primeira Turma da Quarta Câmara da Primeira Seção do Carf, de 21 de março de 2017, entendeu que a “ausência de efetiva segregação entre as entidades e a consequente constatação de que as pessoas jurídicas realizam uma única atividade permite a reunião e a tributação conjunta, como uma única empresa” (Acórdão nº 1401-001.819).
9. O entendimento foi consolidado na Solução de Divergência nº 23, de 23 de setembro de 2013, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
10. Acórdão nº 1401-002.347.
11. Acórdão nº 1402-001.472, de 9 de outubro de 2013, da Segunda Turma da Quarta Câmara da Primeira Seção do Conselho.
12. Embargos à Execução Fiscal nº 5058075-42.2017.4.04.7100.
13. Art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e art. 7º e 8º da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.
14. Art. 150, III, “a”, da CF/88 e art. 144 do CTN.
15. Nesse sentido já se manifestou o STF: “(…) A LC 118/05, embora tenha se autoproclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova (…)” (STF, Plenário, Recurso Extraordinário nº 566.621).

 

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