Crise da governança corporativa de estatais e sociedades de economia mista
As recentes investigações de casos de corrupção envolvendo empresas estatais e sociedades de economia mista demonstram a existência de uma crise de governança corporativa no país. A dificuldade de órgãos da administração pública com atribuição de fiscalização (e.g., Comissão de Valores Mobiliários - CVM) de garantir aplicação eficaz da lei (enforcement), a existência de interferência política no funcionamento de órgãos de administração, a ausência de controles internos e políticas de compliance implantados e a gestão dos negócios sociais para fins estranhos ao interesse público que motivou a constituição de tais entidades são reflexos dessa crise.
Inspiradas em modelos de governança internacionais, tais como estatutos e documentos societários de sociedades controladas por entes estatais estrangeiros - o OECD Guidelines on Corporate Governance of State-owned Enterprises e as orientações do Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission -, iniciativas nacionais buscam soluções para tal crise.
No último dia 30 de setembro, foi aprovada e publicada pela BM&FBovespa a redação final do Programa Destaque em Governança de Estatais (PGOV). O PGOV tem como público-alvo as empresas estatais, entendidas como as companhias abertas ou em processo de obtenção de registro de companhia aberta que sejam controladas, direta ou indiretamente, por controlador público correspondente a um dos entes federativos – União, Estado ou Município. O programa não é compulsório e representa uma certificação para as empresas que aderirem.
De acordo com o PGOV, a empresa participante pode ser classificada como Categoria 1 ou Categoria 2, conforme sejam observados a totalidade dos requisitos previstos ou apenas os obrigatórios. São previstas quatro linhas de ação:
1. Transparência. Entre as medidas para melhorar a transparência na gestão dos negócios estão (i) elaboração e divulgação da Carta Anual de Governança Corporativa com informações básicas da companhia; (ii) elaboração da política de distribuição de dividendos; (iii) estrita compatibilidade do objeto social com a autorização legislativa que ensejou a criação da empresa pública ou sociedade de economia mista; e (iv) aumento quantitativo e qualitativo das informações a serem prestadas via formulário de referência.
2. Controles Internos. Essa linha de ação conta com quatro frentes: (i) ação dos administradores e empregados envolvendo a implementação cotidiana de controles internos e a realização de treinamentos periódicos; (ii) criação de área de compliance e riscos, responsável por avaliar o cumprimento da legislação e das políticas e processos internos da companhia; (iii) elaboração, divulgação e implementação de política de transações com partes relacionadas; e (iv) criação de Auditoria Interna e Comitê de Auditoria Estatutário, encarregados, respectivamente, de verificar a efetividade das atividades de controle da companhia e auxiliar o Conselho de Administração no exercício de suas funções.
3. Composição da Administração. Além de exigir qualificação mínima para a ocupação de certos cargos na administração da companhia, o PGOV prevê que o número máximo e mínimo de membros deve estar entre cinco e onze, dentre os quais ao menos 30% devem ser independentes. Outras regras estabelecem vedação à acumulação de cargos, duração do mandato e remuneração.
4. Compromisso dos Acionistas Controladores. O PGOV estabelece que os Códigos de Conduta devem estabelecer regras para que membros da alta administração não se manifestem sobre informações ainda não divulgadas que possam causar impacto na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, sem que seja providenciada a sua concomitante divulgação ao mercado.
Na linha do PGOV, que vinha sendo discutido desde abril de 2015, no dia 10 de setembro de 2015 o Senado Federal aprovou regime de urgência para o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 555/2015 que cria a Lei Geral das Estatais. Se aprovado em sua redação original, o PLS 555/15 tornará compulsória a adoção de padrões de governança corporativa para toda empresa estatal e sociedade de economia mista.
Embora já tenha sofrido cerca de 90 emendas até a data de publicação deste boletim, o texto original do PLS nº 555/15 traz disposições semelhantes às do PGOV e, igualmente, adota as quatro frentes de ações previstas no PGOV.
Ainda que o PLS 555/15 não seja aprovado, a adoção das medidas acima voluntariamente pelas estatais e sociedades de economia mista seria desejável a fim de minorar os efeitos da crise de governança. Mais transparência, controles, meritocracia e compromissos governamentais aumentam a confiança, dão mais segurança ao investidor, aumentam o valor dessas entidades e facilitam a captação de recursos no mercado.