Dever de informação e o ‘greenwashing’: incompatíveis

O dever de informação (“full” e “fair disclosure”) é fundamental no mercado de capitais. Gera confiança entre os agentes e permite ao investidor identificar riscos adequados ao seu perfil de investimento. Esse dever é incompatível com omissões (propositais ou culposas) ou informações exageradas ou enganosas (“greenwashing”) relativas a riscos ambientais, sociais e de governança (ASG). Os contornos e orientações da referida agenda vão se aclarando, o que torna cada vez mais palpável o risco de sanção.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) disciplina o dever de informação por meio de diversos normativos. A Resolução CVM nº 44/2021 exige do emissor de ativos a divulgação de fato relevante que possa influenciar de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários ou na decisão de compra ou venda do investidor, por exemplo. A Resolução CVM nº 80/2022 exige a divulgação periódica de informações por parte do emissor de valores mobiliários, que deverão ser verdadeiras, completas e consistentes de forma a não induzir o investidor a erro, e que sejam úteis à avaliação dos valores mobiliários emitidos. Por sua vez, a Instrução CVM nº 400/2003 cria dever análogo para o momento de cada oferta, responsabilizando inclusive o intermediário ou líder da distribuição pela falsidade ou insuficiências das informações relativas ao emissor.

Mas a aplicação desse dever (e das sanções correspondentes por sua violação) a riscos ASG tem sido tímida (para não falar inexistente). Esse cenário deve mudar.

No final de 2021, a CVM editou a Resolução 59/2021 com alterações no formulário de referência a ser entregue a partir de 2023 por companhias listadas, exigindo delas determinadas informações ASG (ou explicações do porquê de as informações não estarem sendo prestadas). A resolução determina, entre outros pontos, que o emissor informe se considerou as recomendações da Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, informando ainda quais ODS são materiais para o seu negócio.

Referida exigência é relevante, pois especifica a expectativa do regulador sobre as informações ASG que devem ser divulgadas pelos emissores. Para ilustrar, um exemplo hipotético.

Petroleira que decida investir em novo campo de petróleo deve reportar ao mercado riscos ASG associados à transição energética. Nesse sentido, deverá incluir em seu formulário de referência considerações sobre: (a) a recomendação dois da TCFD (Estratégia) relativa a riscos climáticos potenciais e efetivos que afetem seu negócio num horizonte de curto, médio e longo prazo; e (b) o ODS 7, que trata da energia limpa e acessível, almejando o aumento substancial de energias renováveis na matriz energética global (ODS 7.2). Omissão quanto a tais pontos pode configurar ofensa ao dever de informação.

Por sua vez, petroleira que anuncie a implantação de projeto de captura e armazenamento de gás carbônico deve apresentar os indicadores-chave de desempenho do projeto e seus objetivos (recomendação quatro - Métricas e Objetivos - da TCFD e apontamento expresso da Resolução CVM 59/2021), sob pena de transmitir informações enganosas ao mercado (ou omitir informações relevantes).

O petróleo manterá participação relevante na matriz energética global nas próximas décadas (apesar de decrescente), mas passará a existir num ambiente de crescente limitação à emissão de gases de efeito estufa (e.g.: ODS 13 e Acordo de Paris). Companhia com menor emissão de CO2 (escopos 1 e 2) por unidade produzida terá mais chances de manter-se rentável por mais tempo em tal contexto. Não sendo divulgados dados objetivos que permitam validar e acompanhar o progresso da companhia em relação à emissão de gases de efeito estufa, é elevado o risco de caracterização de violação ao dever de informação.

Apesar de a Resolução CVM 59/2021 admitir que o emissor explique o porquê de não divulgar informações ASG ou o porquê de não observar as recomendações TCFD ou os ODS, tal isenção não exonera o emissor do cumprimento do dever de informação. Havendo omissão sem explicação, o emissor (mais especificamente o diretor de relações com investidores e, a depender dos fatos, o acionista controlador e/ou demais administradores estatutários) e terceiros (intermediário da oferta pública de valores mobiliários) estarão sujeitos às sanções por atos ilícitos administrativos previstos nas normas CVM e, nos casos mais graves, às sanções criminais referentes aos crimes contra a ordem econômica (i.e “induzir ou manter em erro sócio ou investidor”) e até a ação individual reparatória de investidores prejudicados.

O dever de informação é fundamental no mercado de capitais e plenamente aplicável ao reporte de riscos ASG. As regras a serem cumpridas pelos emissores a esse respeito estão sendo especificadas, o que torna cada vez mais palpável o risco de sanções por omissões (propositais ou culposas) ou reivindicações exageradas e enganosas (“greenwashing”).

Link para matéria no Valor.

Imagem: Arthon Meekodong

Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado

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