Há receita de bolo para a sucessão empresarial?

A grande maioria das empresas e grupos empresariais familiares brasileiros não consegue sobreviver à sucessão entre gerações. A fórmula utilizada com sucesso em um determinado caso pode representar um verdadeiro desastre quando aplicada a outro. Este texto trará breves reflexões sobre as principais causas dessa alta taxa de mortalidade e procurará indicar possíveis caminhos para evitar essa sina.

Por trás de várias disputas há causas bem similares: falta de planejamento da geração que iniciou o negócio, herdeiros despreparados para assumirem funções de liderança e ausência de regras claras para a transição de comando. Isso deixa espaço para disputas internas motivadas por interesses pessoais, expectativas divergentes e interpretações distintas sobre o futuro do negócio.

Não raro a ausência do patriarca ou da matriarca se torna um terreno fértil para que a rivalidade entre familiares ganhe contornos antes inimagináveis. Na falta de quem controlava os negócios - e a família -, emerge o lado emocional, dando início a um longo conflito societário.

Felizmente há como evitar esse pesadelo. Além de soluções relativamente óbvias, como a doação em vida de parte ou totalidade das participações nas empresas, há outros mecanismos nem sempre evidentes, como a distribuição desproporcional de lucros, os instrumentos de dívida conversíveis em capital e contratos sociais que prevejam a suspensão do direito de voto em determinadas situações, por exemplo, para cotas de titularidade do espólio até a finalização do inventário.

Também é altamente recomendável a constituição de um conselho de administração formal, com conselheiros profissionais eleitos com mandato fixo, assim como estabelecer regras claras e objetivas sobre eleição e substituição de administradores, competências e atribuições dos diversos níveis de governança, desde acionistas até os responsáveis pela gestão operacional dos negócios no dia a dia.

Tudo isso requer uma revisão dos documentos societários das empresas do grupo, sua adequação às exigências da realidade decorrente da troca de controle entre gerações, bem como a formalização de acordos de acionistas de que participem, preferencialmente, os atuais e futuros controladores dos negócios. A experiência tem demonstrado que o momento ideal para essa preparação é quando ainda está no comando o fundador (ou grupo fundador), que pode imprimir à estrutura sua cultura e seus princípios, poupando os herdeiros dos desgastes naturais de uma negociação sensível em momento particularmente delicado do ponto de vista emocional.

Não há como deixar de mencionar a necessidade de o fundador manter sempre um testamento vigente, revisto e atualizado de tempos em tempos. O testamento funciona não apenas para destinar e dividir o patrimônio aos herdeiros, necessários ou não, mas também como expressão de última vontade. Ou seja, permite ao testador declarar desejos e transmitir recomendações que passam a ter uma relevância muito maior para os herdeiros dado seu caráter formal.

A análise de cada caso, da situação patrimonial da família também é extremamente relevante, especialmente no caso de pessoas com bens, contas e participações em sociedades no exterior, dado que, via de regra, será necessário observar a lei do país onde estiverem localizados tais bens para determinar como poderá ocorrer a sucessão e sua transmissão aos herdeiros, bem como se haverá incidência de impostos locais sobre essa transmissão.

Por exemplo, a transmissão de propriedade de imóveis nos EUA está geralmente sujeita ao pagamento de imposto sobre herança local, que pode chegar a mais de 50%, ao passo que, se esse imóvel for detido por intermédio de sociedade estrangeira, a depender do local de sua constituição, esse imposto pode ser evitado. É comum também vermos casos em que os herdeiros não conhecem ou não sabem exatamente quais ativos foram herdados ou onde estão localizados, problemas que também podem ser resolvidos com testamentos bem redigidos e estruturados.

Finalmente, e não menos importante, é essencial estabelecer uma sólida governança familiar que abranja não apenas os membros da geração que irá suceder o atual controlador, mas também as demais gerações e seus atuais e futuros agregados, seja por casamento, união estável ou outras formas que possam representar algum tipo de ingerência nos negócios familiares. Os efeitos nefastos de iniciativas intempestivas ou descabidas de membros da família sobre os negócios não podem ser minimizados, chegando a desestruturar a gestão a ponto de inviabilizar a continuidade das operações e até a quebra das empresas.

O fato é que não existe uma receita de bolo para enfrentar um processo sucessório empresarial nem há como garantir que o legado construído a duras penas por uma geração será honrado e preservado pelas que se seguirem no controle dos negócios. Além de uma preparação e um planejamento intensos, que devem ser implementados ainda com o grupo fundador em vida, é indispensável preparar os herdeiros para assumirem o controle dos negócios, seja para efetivamente se envolverem na gestão, seja para apenas atuarem como grupo acionista controlador, com administradores profissionais no comando. A preparação dos herdeiros identificará o desejo e potencial de cada um, aproveitando as forças que possam agregar e contribuir para a perenidade do negócio, excluindo personalidades que possam representar algum risco para a sociedade e para a família em si.

Artigo originalmente publicado no Valor Econômico em 23/10/2025.

Autores L&S

Angela Di Franco

Angela Di Franco

Sócia
Christophe Cadier

Christophe Cadier

Consultor

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