Insolvência de bolsas no Brasil: consequências para investidores

Os altos e baixos da economia brasileira e internacional comumente levam investidores a analisar cenários de insolvência de entidades intermediadoras de tais investimentos no mercado de capitais local.

As bolsas brasileiras de mercadorias e futuros (BM&F) e de valores mobiliários (Bovespa) fundiram-se em 2008 e operam como uma única entidade, a BM&FBovespa. Suas operações são liquidadas por sistemas especiais de liquidação destinados a ações, títulos de renda fixa e seus derivativos (sistema conhecido ao longo do tempo como Companhia Brasileira de Liquidação, CBLC, e atualmente como “Câmara de Ações”), derivativos em geral, câmbio e outros ativos. Tais câmaras de liquidação são parte da bolsa, e referências feitas neste texto a esta as abarcam. O acesso ao sistema da bolsa é, em geral, limitado a agentes de liquidação específicos. Outros intermediários, corretoras ou clientes finais devem agir por meio destes.

Tais bolsas podem ter suas atividades suspensas ou a autorização para desenvolverem negócios revogada em caso de violações sérias de leis ou regulações, o que interferiria com suas operações e com sua capacidade para cumprir obrigações assumidas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poderá determinar o cancelamento de operações ou evitar a liquidação de operações que violem leis ou regulações existentes. Exceção feita a estes cenários extremos, a regra básica é que insolvência ou regime de falência não interferem na efetividade das obrigações de tais bolsas.

Isso não evita que tais entidades tornem-se incapazes de arcar com suas obrigações. As bolsas são, de acordo com as normas aplicáveis, partes das transações que nelas ocorram, e não simples intermediárias ou sistemas de negociação. Assim, duas partes que desejarem negociar derivativos em posições antagônicas (Parte A e Parte B) não negociarão diretamente entre si. A Parte A negociará com a bolsa, a qual subsequentemente negociará, na posição inversa, com a Parte B.

Parte A e Parte B terão de se relacionar com a bolsa por pelo menos dois intermediários, seus próprios corretores e tipicamente outra corretora ou entidade que sirva como agente de liquidação. Nos termos das normas vigentes, as corretoras são codevedoras das obrigações de seus clientes, e os agentes de liquidação serão codevedores das obrigações das corretoras que representam, provendo, portanto, cadeia de responsabilidades para afastar a possibilidade de inadimplemento.

Se a Parte A presta garantia a câmara de liquidação, tal garantia deve ser utilizada em favor da liquidação mesmo que a Parte A tenha se tornado insolvente. Em transações de derivativos, a câmara de liquidação transacionaria com a Parte B. Nesses casos, a garantia ou margem prestada em favor da câmara de compensação pela Parte A não sofreria qualquer ônus em caso de insolvência da Parte A ou da câmara de compensação.

Após a exaustão da garantia ou margem e caso a Parte A, sua corretora ou agente de liquidação respectivo não as reforcem, fundos de liquidação e de patrimônio separado da bolsa poderão ser utilizados para arcar com eventuais déficits.

Uma garantia adicional em caso de insolvência da Parte A seria regra contida na seção 171 do Regulamento de Operações da Câmara de Compensação, Liquidação e Gerenciamento de Riscos de Operações no Segmento Bovespa, e da Central Depositária de Ativos (CBLC). Segundo ela, quando a BM&FBovespa valer-se de todas as suas margens, fundos de liquidação e outras reservas financeiras, e ainda assim não dispuser de recursos suficientes para arcar com suas obrigações, poderá cancelar unilateralmente as operações correlatas com a Parte B, as quais deixariam de ser mandatórias. Se válida e colocada em prática, esta disposição evitaria insolvência da BM&FBovespa a qualquer tempo em relação a negociações liquidadas envolvendo a maioria dos instrumentos financeiros.

Uma ressalva importante é o fato de que a legislação brasileira não reconhece cláusulas em contratos ou instrumentos similares que sujeitem sua eficácia a decisão arbitrária de apenas uma das partes. Em nossa opinião, a disposição acima incorreria nesta proibição, podendo ser considerada inválida.

Dada esta estrutura, a insolvência da bolsa provavelmente seria o reflexo de insolvência da Parte A ou da Parte B, ou ainda de seus intermediários, em valores suficientes para comprometer a posição financeira da bolsa. A insolvência tipicamente: i) seria limitada à transação específica em relação à qual a inadimplência ocorra, ii) seria diminuída pelos depósitos de margem feitos previamente com a bolsa em relação à negociação descumprida e iii) não se estenderia a outras transações. Essa posição confortável só não se verificaria se fatores econômicos de escopo abrangente (tais como variações agudas de índices que sirvam como base para o cálculo de depósitos de margem) produzissem como resultado o descumprimento de todas ou de muitas das transações da bolsa.
 

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Autores L&S

Eduardo Salomão Neto

Eduardo Salomão Neto

Sócio

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