Fundo de investimento do agronegócio

Em 29 de março de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.130, que institui os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais – Fiagro. Medida comemorada pelo mercado dado o potencial de atrair novos investimentos para o agronegócio brasileiro, setor reconhecido internacionalmente por sua eficiência e competitividade, com grande impacto na economia.

O fundo é uma alternativa de financiamento para empresas atuantes no agronegócio, para além do mercado bancário tradicional, e mais uma porta de entrada para o mercado de capitais.

O Fiagro tem natureza de condomínio especial e pode ser aberto ou fechado, o que dependerá da natureza e liquidez dos ativos que componham sua carteira de investimentos, que pode ser formada por: (i) imóveis rurais, (ii) participações em sociedades agroindustriais, (iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários agroindustriais, (iv) direitos creditórios do agronegócio, direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais, e títulos de securitização emitidos com lastro nesses direitos, e (v) cotas de fundos de investimento que invistam mais de 50% do patrimônio nos ativos anteriores.

Cabe à Comissão de Valores Mobiliários regular o tema. Sobre isso, a lei prevê a possibilidade de serem criadas diferentes categorias de fundos, com requisitos de funcionamento específicos, a depender do público investidor e da natureza dos investimentos. Tal previsão, acertadamente, abre espaço para a CVM estabelecer regras específicas a depender do público alvo e da política de investimento do fundo.

A intenção do legislador foi conferir ao Fiagro tratamento tributário similar ao dos Fundos de Investimento Imobiliários – FII. Rendimentos e ganhos de capital auferidos pelo fundo, quando distribuídos aos cotistas, estão sujeitos a imposto sobre a renda à alíquota de 20%, assim como nos FIIs. A mesma alíquota é aplicável sobre ganhos de capital e rendimentos auferidos na alienação ou no resgate de cotas dos Fiagro.

Contudo, os vetos presidenciais ao projeto de lei distanciam o regime tributário do Fiagro daquele aplicável aos FIIs e diminuem sua atratividade. Com o veto presidencial, a lei do Fiagro não estende a investidores pessoas físicas a mesma isenção fiscal aplicável a investimentos em FIIs quando atendidos determinados requisitos. Também foi vetada a isenção fiscal a rendimentos auferidos pelo fundo a partir de ativos agroindustriais, como certificados de recebíveis do agronegócio - CRA.

Outro ponto vetado foi a regra de diferimento do imposto de renda incidente nos casos de alienação ou resgate de cotas integralizadas com imóveis rurais – novidade em relação aos FIIs –, cujo objetivo era postergar a tributação ao momento da efetiva disponibilidade econômica por parte do contribuinte.

Ao justificar os vetos o Executivo argumenta que os benefícios tributários pretendidos importariam em renúncia de receita, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que exigiria o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e estimativa de impacto orçamentário e financeiro. A exatidão dessa justificativa comporta discussão à parte, que não faremos aqui. Cabe agora ao Congresso Nacional dar a palavra final sobre os vetos dentro do prazo constitucional de 30 dias, sujeito a sobrestamento da pauta legislativa. O mercado acompanhará o assunto de modo interessado, dado que o regime tributário final terá profundo impacto na atratividade do Fiagro.

Mesmo assim, ainda há novidades positivas, em comparação com o regime dos FIIs, como (i) a não exigência de o Fiagro, semestralmente, distribuir no mínimo 95% dos rendimentos aos cotistas, o que implicaria eventos tributáveis obrigatórios, e (ii) a não equiparação do Fiagro a pessoa jurídica para fins tributários se houver investimento em empreendimento cujo sócio ou proprietário seja detentor de mais de 25% das cotas do fundo.

Especificamente quanto ao investimento em imóveis rurais, o regime é o mesmo dos FIIs. O administrador do Fiagro é proprietário dos imóveis em regime fiduciário, podendo deles dispor de acordo com o regulamento do fundo. Há limitação da responsabilidade dos cotistas do Fiagro ao valor das cotas subscritas e eles não exercem direitos reais sobre os imóveis.

A possibilidade de o Fiagro adquirir imóveis rurais deve levantar discussão sobre a legalidade de investimentos em imóveis rurais por fundos de investimento que tenham cotistas estrangeiros não-residentes. Isso porque a Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, restringe a possibilidade de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros a duas hipóteses: (i) pessoas físicas estrangeiras residentes no Brasil, e (ii) pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil. Referida lei ainda estabelece limites no caso de aquisição de imóvel rural por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros.

Essas limitações tecnicamente não se aplicam ao Fiagro. O fundo não tem personalidade jurídica, a propriedade fiduciária dos imóveis é do administrador do fundo, e os cotistas não exercem direito real sobre os imóveis. Contudo, não se pode afastar o risco de questionamento, baseado inclusive em argumentos de viés ideológico. Qualquer insegurança jurídica tende a reduzir o interesse de investidores estrangeiros de longo prazo, característica inerente à natureza do ativo em discussão. O legislador parece ter optado por não enfrentar a questão mais polêmica, – que dificultaria a tramitação do projeto do Fiagro –, deixando o assunto para discussão específica.

O tema não é pacífico, em especial quanto à constitucionalidade da diferenciação atribuída a pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros, e aguarda posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Há também projetos de lei no Congresso Nacional que eventualmente podem mudar o regime de 1971, flexibilizando a aquisição de terras por estrangeiros.

Independentemente da discussão acima, o Fiagro tem o potencial de ser veículo eficaz na captação de recursos direcionados ao agronegócio. Espera-se que, o quanto antes, o Congresso Nacional decida sobre os vetos presidenciais e a CVM regulamente o assunto, para que o Fiagro possa efetivamente ser mais uma alternativa para investimentos no agronegócio brasileiro.

Texto escrito em coautoria com Rodrigo Dias, integrante da área Regulatória de Souto Correa Advogados. 

Imagem: Freestocks.org / Pexels

Autores L&S

Fernando de Azevedo Perazzoli

Fernando de Azevedo Perazzoli

Sócio

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