A polêmica tributação da variação cambial sobre investimentos no exterior
Artigo originalmente publicado no Jota.
Não foram poucas as alterações introduzidas pela Lei nº 14.754/23 nas normas que tratam da tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior.
Embora a nova lei constitua avanço em relação à disciplina anterior, o seu texto e as normas editadas para regulamentá-la (Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 2.180/24 e o questionário divulgado pela RFB na forma de perguntas e respostas) não foram suficientes para esclarecer alguns aspectos com a precisão que se esperava, provocando indesejável insegurança jurídica.
Referimo-nos à tributação da variação cambial de investimentos de pessoas físicas no exterior.
Merecem destaque as controvérsias relacionadas aos investimentos realizados com rendimentos originariamente auferidos em moeda estrangeira, que levaram muitos a entender que, a partir da vigência da nova lei, mereceriam o mesmo tratamento dispensado aos efetuados com rendimentos auferidos originalmente em reais, por conta da revogação expressa do art. 24 da Medida Provisória (MP) nº 2.158-35/01 e da previsão genérica de tributação de variação cambial, sem diferenciação quanto à origem dos recursos utilizados. Segundo esse entendimento, o imposto de renda teria passado a incidir sobre variação cambial nessa hipótese, a partir de 2024.
Essa interpretação é equivocada por várias razões. A principal delas é que não há variação cambial em relação a investimentos que já “nasceram” em moeda estrangeira, pois nesse caso o custo de aquisição do ativo é formado na moeda originariamente utilizada para adquiri-lo.
Ou seja, o uso de rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira para investimento no exterior não implica entrega de moeda nacional para compra de outra moeda, mas sim utilização de moeda estrangeira já em poder do investidor para esse fim.
Se não há variação cambial nessas operações, também não há acréscimo patrimonial a ensejar o fato gerador do imposto de renda.
Tratando-se de operação da qual não resulta variação cambial, a hipótese é de não incidência e não de isenção do imposto, dispensando norma expressa para desoneração.
Em síntese, a revogação do art. 24 da MP 2.158-35/01 não pode conduzir ao entendimento de que algo que nunca foi tributável passe a sê-lo por ausência de norma exonerativa expressa que a substitua.
Note-se que as normas que disciplinavam a matéria até o advento da Lei nº 14.754/23 (art. 24, § 5º, da MP nº 2.158-35/01 e 4º da Instrução Normativa SRF nº 118/00) já atribuíam a essa hipótese a natureza de não incidência, e não de isenção.
Ademais, embora tenha revogado o art. 24 da MP nº 2.158-35/01 e contemplado genericamente a tributação de variação cambial de aplicações financeiras e investimentos em controladas no exterior, a Lei nº 14.754/23 nada diz sobre a origem dos recursos utilizados na aquisição desses ativos, relativamente a fatos geradores ocorridos a partir de 2024.
A alusão à origem dos recursos é feita somente no § 13 do art. 14 e serve apenas para dizer que não há variação cambial tributável no caso de atualização do valor de ativos para seu valor de mercado em 31/12/2023, se adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira.
De tudo isso é possível inferir que para fatos geradores ocorridos a partir de 2024, já fora do contexto da atualização do valor de ativos, a Lei nº 14.754/23 não excluiu expressamente de tributação a suposta variação cambial relacionada a ativos adquiridos com recursos auferidos originariamente em moeda estrangeira porquanto desnecessário, já que hipótese de não incidência dispensa previsão expressa.
Essa premissa é ainda confirmada pelo fato de a exposição de motivos do PL nº 4.173/23 e da MP nº 1.171/23, cujo objeto era basicamente o mesmo, não apresentarem qualquer indício de que o legislador teve por intuito conceber e tributar variação cambial nessa situação, em razão da revogação do art. 24 da MP nº 2.158-35/01 ou da previsão genérica de tributação de variação cambial.
Tais exposições de motivos limitam-se a informar que o propósito dessa revogação foi o de acabar com a isenção na venda de ativos no exterior adquiridos na condição de não residente e na alienação de moeda estrangeira em espécie, sem indicar qualquer pretensão de tributar suposta variação cambial de ativos adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira.
Não obstante, de forma contrária à interpretação aqui sustentada, a versão mais recente do programa da RFB para apuração de ganhos de capital (GCAP 2024 e GCAP 2025) passou a calcular o IR sobre essa suposta variação cambial; o programa não mais distingue entre investimentos feitos com rendimentos auferidos originalmente em reais e em moeda estrangeira e, em relação a estes últimos, não mais apura o imposto somente sobre o ganho em moeda estrangeira.
Contribuintes que se sintam prejudicados poderão se opor à tributação dessa suposta variação cambial, seja por meio de medida judicial preventiva ou requerendo a repetição de indébito após o pagamento do imposto, se os valores forem relevantes e justificarem a contestação.
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