Offshore: a dupla dedução de imposto pago no exterior
A Lei nº 14.754, de 12 de dezembro de 2023, e sua regulamentação trouxeram diversas questões controversas e pontos de dúvida ou de atenção. Um desses pontos diz respeito à dedução do Imposto de Renda (IR) pago no exterior pelas entidades controladas de pessoas físicas residentes no Brasil.
Nos termos da referida lei, o “lucro” da entidade controlada no exterior, sujeito à tributação anual, será oferecido à tributação do IRPF, e este lucro deverá ser apurado em balanço anual elaborado segundo os padrões internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS) ou os padrões contábeis brasileiros.
Por sua vez, o art. 5º, § 15, da Lei nº 14.754/23, prevê que, na determinação do IRPF devido sobre os lucros de controladas sujeitas à tributação anual, a pessoa física poderá deduzir, na proporção de sua participação nos lucros da controlada direta ou indireta, o IR devido e pago no exterior pela controlada e por suas investidas não controladas, incidente sobre o lucro dessas entidades ou sobre os rendimentos por elas apurados no exterior, quando tais lucros e rendimentos tenham sido computados no lucro da controlada tributado anualmente. O imposto não deve superar o IR da Pessoa Física (IRPF) devido sobre o lucro da controlada que tenha sido computado na base de cálculo do IRPF, nem ser passível de reembolso, restituição, ressarcimento ou compensação, sob qualquer forma, no exterior.
No entanto, no item 33 do Perguntas e Respostas sobre a Lei nº 14.754/23, a Receita Federal do Brasil (RFB) indicou que o lucro da controlada no exterior, a ser tributado no Brasil a cada ano, corresponderia ao “lucro antes do imposto devido no exterior”.
Em primeiro lugar, parece-nos que a restrição constante do item 33 está se referindo apenas ao tributo sobre o lucro devido pela controlada ao país onde esteja sediada. Não está tratando do IR incidente sobre os rendimentos auferidos pela sociedade. Este IR, quando não recuperável (ou seja, não puder ser objeto de restituição ou compensado com o IR devido pela sociedade sobre seu lucro), não poderá ser tratado como um ativo e deverá ser reconhecido em despesa, o que reduzirá o resultado antes do IR devido no exterior.
Portanto, apesar da restrição analisada, seria possível uma dupla dedução econômica do IR sobre rendimentos. O valor exigido reduzirá o lucro da sociedade controlada. Este lucro reduzido será ofertado à tributação no Brasil, que, por expressa previsão legal, concedeu um benefício fiscal ao controlador pessoa física, que poderá deduzir do IR devido pela pessoa física (a) o IR sobre os rendimentos auferidos pela sociedade controlada, bem como (b) o próprio imposto sobre o lucro da controlada, se houver.
Em segundo lugar, a restrição criada pela RFB não encontra suporte legal. O lucro a ser oferecido à tributação do IRPF corresponde ao obtido após a dedução do IR pago no exterior, pois é este resultado que terá o potencial de aumentar o patrimônio líquido da sociedade; é este montante que representará “o valor residual que permanece após as despesas (...) terem sido deduzidas da receita”. Este é o conceito de lucro constante do item 8.4 da Norma Brasileira de Contabilidade – Estrutura Conceitual.
Dessa forma, tomando-se como ponto de partida o lucro líquido do IR, e tratando especificamente de controladas no exterior sujeitas à tributação anual de seus lucros no Brasil, a Lei nº 14.754/23 permite que a pessoa física controladora residente no Brasil deduza do IRPF devido sobre os lucros da controlada o IR eventualmente pago pela controlada no exterior. Trata-se, portanto, de uma vantagem fiscal legalmente concedida, e não de uma ilegalidade.
Por outro lado, a possibilidade de dedução do IR pago no exterior pela controlada ou cobrado sobre seus rendimentos com o IRPF devido no Brasil não é prevista na Lei nº 14.754/23, nem na IN RFB nº 2.180/24, para controladas não sujeitas à tributação anual dos lucros. Neste caso, a única dedução admitida é de eventual IR retido sobre os dividendos distribuídos pela controlada ao seu controlador.
Isso confere um tratamento desigual e menos favorável a offshores operacionais – ou seja, que tenham renda ativa própria de 60% ou mais da renda total – e não localizadas em país ou em dependência com tributação favorecida nem beneficiadas por regime fiscal privilegiado. Essas sociedades não são obrigadas à tributação anual de lucros.
Tal tratamento desigual pode ter por intuito incentivar a opção pela tributação anual dos lucros das controladas, na forma prevista no art. 6º-A da Lei nº 14.754/23, incluído pela Lei nº 14.789/23. Parece-nos haver aqui ofensa ao princípio da isonomia tributária. A desvantagem para essas controladas fica ainda maior se adotada a interpretação da RFB refletida no Perguntas e Respostas, no sentido de que o lucro da controlada a ser tributado no Brasil é o lucro antes do imposto devido no exterior.
Imagem: ds_30/Pexels