O STJ e a (extra)concursalidade de créditos constituídos após o pedido de recuperação

Rafael Zabaglia 27/04/2017

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no final de 2016 que o crédito por honorários sucumbenciais impostos à parte vencida depois de ela ter ajuizado pedido de recuperação judicial, em razão de derrota numa reclamação trabalhista proposta antes do pedido, também deve se sujeitar aos efeitos da recuperação. A decisão foi por maioria de votos no julgamento do recurso especial nº 1.443.750-RS.

A decisão pode ser muito mais significativa do que o contexto do caso faz crer à primeira vista.
Sob o artigo 49, caput, da Lei nº 11.101, de 9.2.2005 (a Lei de Recuperações e Falências – LRF), os créditos “sujeitos à recuperação judicial” são aqueles “existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. Créditos constituídos depois de pedida a recuperação, portanto, são (ou deveriam ser) extraconcursais e estão (ou deveriam estar) imunes aos efeitos dela.

No julgamento comentado, o STJ determinou que certos créditos constituídos depois do pedido de recuperação também se sujeitem aos seus efeitos. O entendimento é favorável ao devedor – créditos concursais não podem ser cobrados por 180 dias ou mais (o chamado “stay period”) e sofrerão os descontos, parcelamentos e carências porventura contemplados no plano de recuperação judicial.

Ao interpretar o artigo 49 da LRF, os votos vencedores estenderam o conceito do que são créditos já existentes na data do pedido de modo a incluir também créditos reconhecidamente inexistentes porém “previsíveis”, relacionados a “situações essencialmente originadas antes do deferimento da recuperação”.

O raciocínio do STJ foi o seguinte: (a) a única finalidade da LRF ao criar regime mais favorável para os créditos pós-pedido seria facilitar o acesso do devedor confessadamente insolvente ao mercado e assim viabilizar sua sobrevivência no curso do processo de recuperação, já que fornecedores não teriam incentivo algum para conceder novos produtos e serviços se seus créditos não pudessem ser cobrados integralmente e de imediato após o vencimento; e (b) como os honorários não se ligaram a essa finalidade de sobrevivência da empresa, não devem se beneficiar do regime mais favorável.

O STJ na prática legislou. Criou requisito adicional, não previsto na lei, para que um crédito pós-pedido seja excluído da recuperação: não basta que o crédito não tenha sido ainda formalmente constituído, é preciso que sua origem seja também posterior ao pedido de recuperação e ligada ao escopo de continuidade da atividade empresarial.

Os efeitos desse entendimento podem ser amplíssimos dependendo de como a jurisprudência o recepcionar. No limite, seria possível alegar que todos os créditos decorrentes de relações jurídicas contratuais ou extracontratuais estabelecidas previamente ao pedido de recuperação – ainda que constituídos bem depois dela – são “previsíveis” ou não se prestam à preservação da empresa, de forma que estão sujeitos ao concurso de credores.

Espera-se que a jurisprudência não acolha a fundamentação do STJ.

A relação jurídica original e eventual direito de crédito dela derivado são coisas diferentes. É comum que ambos surjam ao mesmo tempo, como ocorre com a emissão de um cheque, um empréstimo ou um contrato de compra e venda com pagamento a prazo. Nem sempre é o caso: por exemplo, na responsabilidade civil regressiva contratual ou extracontratual, o responsável original só terá direito de regresso (i.e., só haverá um crédito) se e quando cumprir sua própria obrigação perante terceiro.

Sob o artigo 49 da LRF, o que interessa é exclusivamente o momento do nascimento do direito de crédito, e não o momento da ocorrência do fato, ato ou negócio jurídico que lhe dá origem, nem a causa ou finalidade da relação jurídica ou do crédito. Se o crédito existia no momento do pedido de recuperação, é concursal; se só passou a existir depois, é extraconcursal.

O legislador poderia ter feito escolha diferente; por exemplo, ter determinado estarem sujeitos à recuperação os créditos cujos fatos geradores sejam anteriores ao pedido, ou determinado que apenas créditos relativos a negócios jurídicos realizados após o pedido (debtor-in-possession financing) são extraconcursais. Mas não o fez.

Não é difícil imaginar as controvérsias que podem surgir na aplicação do entendimento do STJ. Todos os créditos “previsíveis” devem ser incluídos na recuperação indistintamente, não importando quão improvável sua concretização? Será provavelmente necessário definir um critério abstrato de “previsibilidade” ou de “probabilidade” da existência futura do crédito.

As devedoras precisarão esquadrinhar as hipóteses de desembolso futuro e listar os respectivos créditos que cumpram aquele critério abstrato já na petição inicial – sob o artigo 51, III, da LRF, a inicial deve ser instruída com a “relação nominal completa dos credores”. E esses “credores” terão o direito de votar o plano de recuperação judicial por força do artigo 39 da LRF, mesmo que o crédito não exista ainda na assembleia ou que nunca venha a ser constituído.

A Portaria nº 467 do Ministério da Fazenda, de 16 de dezembro de 2016, criou comissão de trabalho para discussão e proposição de mudanças à LRF. Caso a comissão proponha alteração à disciplina dos créditos posteriores à recuperação decorrentes de ato, fato ou negócio jurídico prévio e suas sugestões sejam aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela Presidência, o conceito de “créditos previsíveis” passará a ser previsto em lei e será então defensável submeter aos efeitos da recuperação certos créditos pós-pedido. Sob o sistema atual da LRF, não. 

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