Possibilidade de revisão judicial de medidas preventivas do Cade

Antes mesmo de concluir uma investigação, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode, no exercício de suas competências de defesa da concorrência, impor às empresas “medidas preventivas” em caráter liminar, com o propósito de evitar prejuízos ao mercado. Tais medidas, em geral, se traduzirão em obrigações de fazer e não-fazer, cuja não observância sujeita o responsável a multas e mesmo medidas mais drásticas previstas na legislação, como a intervenção na empresa. Porém, há espaço no Judiciário para discutir de forma mais aprofundada o mérito e as razões das decisões do Cade, impondo medidas preventivas.

Considerando que, em geral, investigações do Cade demoram anos para serem concluídas, a imposição de medida preventiva pode ocorrer para impedir supostos prejuízos permanentes. Assim, por exemplo, o Cade poderia determinar em fase ainda inicial do processo administrativo, como já o fez em algumas circunstâncias, que empresas deixassem de impor cláusulas de exclusividade a seus revendedores ou parceiros. Para aqueles agentes econômicos prejudicados pela conduta investigada, a medida preventiva representa a antecipação do resultado útil que a atuação do Cade pode ter.

Mas o Cade tende a ser restritivo na imposição de medidas preventivas. Em média, em torno de três medidas são determinadas a cada ano. Excepcionalmente, neste ano, já foram adotadas quatro, todas relacionadas à atuação de associações ou entidades de classes na coordenação do comportamento de seus associados no mercado. São situações em relação às quais o Cade tem extensa jurisprudência reconhecendo o caráter potencialmente deletério das condutas investigadas, o que sugere tendência de atuação expedita da autoridade diante de práticas que entende já ter condenado no passado.

Mas há também medidas concedidas em casos complexos e sem precedentes específicos Como exemplo, citamos dois casos amplamente divulgados pela mídia. A recente medida preventiva concedida contra a Apple em 2024, em relação a certas práticas na App Store, principalmente no que diz respeito à exigência de uso do sistema de pagamento da Apple e à cobrança de taxas. Neste caso, a medida foi adotada após investigação da autoridade sobre os fatos ao longo de praticamente dois anos.

A medida tem impacto relevante sobre o modelo de negócios da Apple e foi judicializada via mandado de segurança, chegando a ficar suspensa por determinação judicial. A Apple obteve sentença favorável, mas seus efeitos foram suspensos em âmbito judicial pelo relator da apelação interposta pelo Cade no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (“TRF1”). Posteriormente, já neste ano, o Tribunal do Cade confirmou a medida preventiva – que originalmente foi imposta pela Superintendência-Geral do órgão (“SG”) –, apenas ampliando o prazo para sua adoção, em linha com a decisão do TRF1.

Também em 2024 a SG impôs medida preventiva em outro caso sem precedente, a qual foi seguida de judicialização. A autoridade foi acionada pela Eldorado, no contexto da disputa societária entre seus acionistas Paper Excellence e J&F. A SG avaliou que havia uma questão concorrencial relacionada ao conflito entre os sócios e suspendeu o exercício dos direitos políticos da Paper Excellence. Esta impetrou mandado de segurança, além de recorrer em âmbito administrativo ao Tribunal do Cade.

Inicialmente a Justiça Federal de primeiro grau indeferiu a liminar requerida, afirmando que não deveria reavaliar o mérito da decisão da SG. Em sede de recurso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região divergiu e suspendeu a medida preventiva até o julgamento do recurso administrativo pelo Tribunal do Cade. No julgamento do recurso, o Tribunal do Cade reformou a medida preventiva e reestabeleceu o exercício de todos os direitos políticos, com exceção de certos poderes de veto que poderiam prejudicar o aumento de capacidade produtiva da empresa.

O Judiciário tem resistência em rever o mérito de decisões do Cade, focando mais em aspectos processuais e na garantia do contraditório. Há decisão do Supremo Tribunal Federal de 2019 que chega a mencionar a existência de um “dever de deferência” em relação ao entendimento adotado pelo Cade (AgR no RE 1.083.955/DF). Mas a questão dos limites da revisão judicial das decisões do Cade ainda não é pacífica nos tribunais brasileiros.

Os dois casos acima citados indicam ser possível discutir de forma mais ampla os argumentos e fundamentos utilizados pelo Cade ao adotar decisões dessa natureza. São fatores que favorecem a revisão, nesse contexto, do caráter eventualmente inovador das medidas – i.e., quando não refletem entendimentos já consolidados do órgão – e a extensão do seu impacto imediato sobre as partes envolvidas.

Imagem: Pixabay

Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

Alexandre Ditzel Faraco

Sócio

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