Acordos judiciais com o Cade: abreviar litígios ou aguardar decisão final?

Em 2024, o Governo Federal lançou o Programa Desenrola Agências, que renegocia dívidas com autarquias federais. O benefício antes era restrito ao pagamento de débitos tributários, popularmente conhecidos como Refis.

Com descontos de até 70%, inclusive sobre o principal de algumas dívidas, o programa atraiu principalmente devedores com débitos decorrentes de multas impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). As dívidas com o órgão antitruste representaram quase R$ 1,5 bilhão dos R$ 2,88 bilhões arrecadados pelo programa.

Os números podem impressionar, mas um olhar mais atento permite concluir que uma quantidade relevante de empresas sancionadas, que litigam contra o Cade, não aderiu ao programa. Mais de 97% do valor arrecadado pela autarquia decorre de apenas três acordos celebrados com uma empresa de cimentos e duas siderúrgicas. As demais transações não chegaram a R$ 40 milhões.

Cada situação é única, mas três motivos parecem ser recorrentes na decisão das empresas sancionadas pelo Cade de não aderir ao Desenrola Agências:

a) Situação financeira deteriorada, impedindo que o caixa disponível seja suficiente até mesmo para fazer frente ao valor remanescente após descontos tão expressivos;

b) Confiança no êxito no processo judicial, em que questionam a legalidade das sanções; e

c) O fato de que as dívidas com o Cade são corrigidas pela taxa básica de juros (Selic) simples, sem incorporação dos juros ao principal para compor o cálculo dos juros do período seguinte.

O último fator é especialmente relevante. Há diversos casos de empresas que foram sancionadas em processos administrativos que duraram vários anos e que possuem, hoje, apenas uma pequena fração do débito sobre a qual incide a taxa Selic. Uma empresa condenada à multa calculada com base em percentual do seu faturamento no ano de 2000 teria, por exemplo, menos de 27% do valor do débito corrigido pela Selic atualmente, proporção que se reduz com o tempo. Isso significa que o valor devido é atualmente corrigido por índice inferior até mesmo à inflação.

Esse elemento, combinado com o longo período esperado de tramitação dos processos na Justiça Federal brasileira, cria um forte desincentivo à adesão a acordos. Ainda assim, há casos em que as vantagens de um acordo judicial com o Cade superam esses desincentivos.

Mesmo após o encerramento da janela de oportunidade do Desenrola Agências, os seguintes fatores principais podem levar à decisão de propor a negociação de um acordo com o órgão antitruste após a judicialização do caso:

a) Prognóstico de uma decisão judicial desfavorável em curto prazo ou incerteza elevada quanto ao resultado do processo;

b) Eliminação do custo de manutenção de garantias (usualmente seguro-garantia ou carta-fiança), que precisariam ser mantidas até o fim do processo, independentemente do resultado;

c) Cessação do custo de gestão do processo e de gastos com honorários de advogados;

d) Dispensa de fornecer explicações sobre a causa e o status dos processos, especialmente no contexto de operações societárias, em que o risco processual precisa ser precificado;

e) Obtenção de descontos concedidos pelo Cade, ainda que sejam incertos e provavelmente menores que os disponíveis no Desenrola Agências;

f) Concessão de parcelamentos que compatibilizem o pagamento da dívida com o fluxo de caixa da empresa, evitando uma crise de liquidez caso o processo esteja próximo de ser encerrado.

Os dois últimos aspectos foram determinantes em acordos já celebrados pelo Cade em casos importantes. Em um acordo celebrado com a Ambev após a imposição de uma multa de R$ 352,7 milhões em 2009, o órgão antitruste aceitou receber R$ 229,1 milhões, seis anos depois. O desconto resultou da correção de erros materiais que reduziram a base de cálculo, cumulada com um desconto de 20% do valor devido.

Em 2020, em acordos celebrados no caso que ficou conhecido como Cartel do Aço, empresas conseguiram três anos adicionais para quitar multas que haviam sido impostas há mais de 10 anos, mesmo após decisões desfavoráveis nas instâncias ordinárias.

Os acordos ainda podem resultar em soluções menos gravosas para sanções não pecuniárias. Obrigações de desinvestimento, por exemplo, podem ser dispensadas, como ocorreu no acordo que encerrou o litígio sobre o caso Nestlé/Garoto, em 2023. A obrigação de publicação da decisão em jornais, por sua vez, pode ser substituída pela divulgação da decisão apenas no site das empresas ou até mesmo dispensada.

Quanto ao procedimento, a Lei de Defesa da Concorrência estabelece que a promoção dos acordos compete à Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade (ProCade), mas é necessária a aprovação do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica. Isso demanda interação tanto com a ProCade quanto com os conselheiros do Cade, que costumam exigir demonstração da vantajosidade da transação não apenas para a empresa, como também para o órgão antitruste e a sociedade.

Nesse contexto de múltiplos interlocutores é essencial para o êxito da negociação de acordo judicial a demonstração de alguns elementos. Aspectos como a significativa abreviação do fim do litígio e as chances de êxito da empresa no processo podem ser decisivos para o desfecho favorável de uma negociação.

O importante é que cada empresa que litiga com o Cade avalie periodicamente, ao longo do processo, a conveniência de celebrar um acordo judicial, sopesando os elementos favoráveis e desfavoráveis apontados acima e outros que sejam específicos de cada caso.

Imagem: Pixabay

Autores L&S

Marcos Drummond Malvar

Marcos Drummond Malvar

Sócio

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