Ações privadas em matéria concorrencial: uma longa estrada ainda à frente
A Lei de Defesa da Concorrência de 2011 foi alterada em 2022 com o objetivo explícito de fomentar o cumprimento (enforcement) privado das normas antitruste. A ideia era incentivar as vítimas de condutas anticoncorrenciais (como cartéis) a buscar reparação diretamente contra os infratores, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais. Quase três anos depois, ainda não está claro se a lei cumpriu — ou se ainda poderá cumprir — essa promessa.
A norma de 2022 estabeleceu: (a) um prazo prescricional unificado de cinco anos para Ações Judiciais de Reparação por Danos Concorrenciais (ARDCs) privadas; (b) a suspensão desse prazo durante investigações administrativas conduzidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); (c) a inversão do ônus da prova quanto à chamada “defesa pass on” (em casos em que o autor da ação não é o consumidor final do bem ou serviço adquirido do réu acusado de infração concorrencial, este tipicamente alega caber ao autor a prova de que não repassou o suposto aumento de preço ao consumidor final); e (d) o reconhecimento expresso da força probatória das decisões finais do Cade para obtenção de liminares no Judiciário. A lei também limitou a responsabilidade dos signatários de acordos de leniência, isentando-os da responsabilidade solidária e da obrigação de pagar indenizações em dobro.
Processos complexos geralmente levam mais de três anos até julgamento em primeira instância — que dirá em segunda. Não surpreende que nenhuma ARDC ajuizada após 2022 tenha sido julgada até agora pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelos tribunais de apelação.
Ainda assim, os tribunais brasileiros já analisaram as alterações de 2022 no contexto de algumas ARDCs anteriores. A interpretação judicial dessas mudanças tem sido cautelosa e fragmentada. Os tribunais estaduais basicamente se recusaram a aplicar a nova regra a casos antigos, mas a posição do STJ é um pouco mais matizada. O STJ entendeu que o novo prazo de cinco anos não se aplica retroativamente a casos cujo prazo prescricional anterior já havia expirado antes da entrada em vigor da nova lei — ou seja, a nova regra não poderia reviver ações já prescritas sob o regime anterior. Por outro lado, o STJ decidiu que, mesmo para ARDCs anteriores a 2022, (a) o prazo prescricional sob o regime antigo deve permanecer suspenso durante a investigação do Cade; e (b) a decisão administrativa final da autarquia contra o réu deve ser considerada o marco inicial do prazo prescricional, com base no entendimento de que a lei de 2022 se aplica imediatamente a casos pendentes e, em muitos aspectos, não inova, mas apenas reflete a interpretação correta da Lei de Defesa da Concorrência de 2011.
O impacto prático da reforma sobre o volume de litígios privados antitruste ainda é limitado. Embora a norma de 2022 tenha esclarecido questões processuais importantes e alinhado o Brasil aos padrões internacionais, ela ainda não foi suficiente para provocar um aumento significativo no número de novas ARDCs.
Parte da razão está em barreiras estruturais à litigância — como o custo de provas periciais, a complexidade da quantificação de danos, a percepção de que poucas cortes cíveis estão preparadas para lidar com questões de direito concorrencial, e o risco de arcar com custas e honorários advocatícios caso o réu vença — que continuam a desestimular potenciais autores.
Além disso, há uma interação inevitável entre as dimensões privada e pública no campo concorrencial. Quanto menos investigações sobre cartéis e outras condutas anticoncorrenciais o Cade realiza, menor é a chance de que as vítimas sequer saibam que são vítimas, que consigam reunir provas suficientes e, portanto, que estejam em posição de ajuizar uma ARDC. E o fato é que o Cade, por razões políticas, orçamentárias e estruturais, não tem conseguido conduzir muitas investigações de grande porte recentemente.
Para que a lei atinja plenamente seu potencial, são necessários novos avanços. O Congresso deveria discutir e aprovar legislação adicional que elimine obstáculos remanescentes às ARDCs; ela poderia, por exemplo, ampliar as situações de inversão do ônus da prova em favor do autor e limitar custas e honorários a serem suportados pelo autor em caso de derrota. Embora o Cade não atue diretamente nas ARDCs, pode contribuir garantindo que suas decisões (e algumas provas-chave) sejam públicas e redigidas de forma acessível a quem não domina as tecnicalidades do direito concorrencial. E os tribunais também podem contribuir: não cabe a eles formular e implementar políticas públicas, mas devem considerar cuidadosamente as consequências que suas decisões podem ter sobre a política escolhida pelos Poderes Legislativo e Executivo.
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