Compensação financeira em investigações internas: delatores deveriam ser remunerados?

Isabela Pannunzio 23/09/2019

Violações à Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) e outros ilícitos de colarinho branco são de difícil investigação sem a colaboração de executivos e funcionários envolvidos na conduta. Empresas encaram hoje o desafio de fazer com que pessoas que poderiam enfrentar consequências nas esferas penal, cível e administrativa, bem como danos reputacionais, se disponham a colaborar.

Um programa de compliance estruturado, que crie incentivos e proteções para delatores, é capaz de estimular colaborações. Um passo adicional para promover a auto-denúncia, tomado por algumas empresas, é a instituição de programas de incentivo à colaboração que oferecem a possibilidade de compensação financeira a delatores. Esses programas frequentemente oferecem compensações estabelecidas com base em cargo e salário. Por exemplo, a continuidade do pagamento de salário nos anos seguintes ao desligamento do funcionário ou executivo; ou o pagamento de honorários advocatícios e eventuais contribuições pecuniárias oriundas de acordos de colaboração firmados com as autoridades relevantes.

Incentivos financeiros dessa natureza têm sido criticados com base na ideia de que recompensam excessivamente funcionários e executivos que se envolveram em condutas ilícitas, a quem provavelmente também será concedida imunidade total ou parcial pelas autoridades em decorrência de acordos de colaboração. Assim, as recompensas ameaçariam a função do programa de leniência – a saber, desincentivar a prática de ilícitos por empresas e funcionários. Seria por isso, em última instância, incompatíveis com o interesse público.

Por outro lado, a compensação financeira tende a aumentar a disposição das pessoas para colaborar e fornecer informações detalhadas e precisas sobre a conduta, sem que tenham receio de sofrer consequências que afetem sua capacidade de obter renda em decorrência do dano reputacional. Isso enseja uma cooperação mais robusta e, consequentemente, (a) um aumento na instabilidade dos arranjos anticompetitivos e atos de corrupção envolvendo diversos agentes e (b) que as autoridades relevantes tenham mais elementos para investigar e punir outros participantes da conduta. Nesse sentido, a compensação financeira realizaria o objetivo de desencorajar a participação em ilícitos, como pretendido por programas de leniência.

Os programas de inventivo que oferecem compensações financeiras foram criticados com base em dois argumentos adicionais. O primeiro é a possibilidade de as empresas influenciarem o teor da colaboração, desencorajando-a com relação a aspectos que lhe sejam inconvenientes. O segundo refere-se ao fato de que a voluntariedade, que é elemento fundamental da colaboração, poderia ser comprometida pela oferta de contrapartida financeira. Esses aspectos potencialmente negativos precisariam ser avaliados caso a caso.

É essencial para a eficácia da colaboração que as empresas tenham programas bem estruturados de compliance, que definam regras gerais e orientações claras, assentadas em critérios objetivos, aplicáveis a toda e qualquer pessoa que queira cooperar com as investigações. As orientações devem, por exemplo, estabelecer ferramentas que evitem a retaliação a delatores.

Outro aspecto importante a ser considerado é o fato de que, na prática jurídica brasileira, conflitos entre empregados e empregadores decorrentes da interpretação de programas de incentivo serão dirimidos pela Justiça do Trabalho que, historicamente, adota uma postura protetiva em relação ao trabalhador. Além disso, os benefícios concedidos aos indivíduos poderão ser considerados como parte da remuneração devida para fins tributários e de contribuição previdenciária.

Não há ainda decisão judicial ou administrativa acerca da validade dos programas de incentivo, a despeito de sua crescente relevância. Até o momento, acordos de leniência firmados com base em cooperações obtidas com o auxílio dos programas de incentivo que preveem compensação financeira foram homologados e considerados válidos, ainda que não tenha havido discussão ou análise sobre os programas em si. Os próximos anos devem trazer discussões interessantes sobre a validade e os impactos da compensação financeira como forma de incentivo oferecido pelas empresas a seus funcionários e executivos para obter sua colaboração e, em última instância, para obter proteção das autoridades relevantes.

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Advogada

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