Crédito de carbono em garantia de financiamentos

O processo de transição para uma economia de baixo carbono exigirá volume cada vez maior de financiamentos de longo prazo. Titulares de créditos de carbono ou outros ativos criados pela Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, poderão utilizá-los como garantia de financiamentos e empréstimos, ampliando assim sua capacidade de acesso a fontes de recursos.

A operação garantida poderá ser financiamento de projeto específico ligado à descarbonização. Mas também poderá ser financiamento de projeto de qualquer outro tipo, ou ainda empréstimo sem destinação específica. Operações de captação de recursos no mercado de capitais, a exemplo da emissão de debêntures ou notas comerciais, também podem contar com garantia de créditos de carbono.

A Lei nº 15.042/2024 criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e dois ativos nele negociáveis: a Cota Brasileira de Emissão (CBE), que representa o direito de emissão de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, a ser outorgada de forma gratuita ou onerosa pelo órgão gestor do SBCE para as instalações ou as fontes reguladas; e o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente de gases de efeito estufa, seguindo metodologia específica. Ambos são definidos como ativos fungíveis.

Além da CBE e do CRVE, a Lei nº 15.042/2024 define ainda o crédito de carbono como ativo transacionável autônomo e valor mobiliário, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, obtido a partir de determinados projetos ou programas de retenção, redução ou remoção de gases de efeito estufa. O crédito de carbono será considerado CRVE se atender a requisitos de metodologia de originação, mensuração e inscrição em registro central previstos na Lei nº 15.042/2024.

Mas mesmo sem isso pode ter valor econômico e ser usado como lastro em garantias. Em termos práticos, será para tanto necessário que conte com certificação independente que reconheça sua materialidade. Trata-se aí dos créditos de carbono em sentido estrito, que prescindem de definição estatal, necessitando apenas em termos práticos de certificação sobre sua originação em projeto com benefícios adicionais em geração à situação ambiental existente, a chamada adicionalidade.

Para facilidade de leitura, menções a “créditos de carbono” a partir deste ponto incluem a CBE e o CRVE, mas também os créditos de carbono em sentido estrito.

Créditos de carbono são considerados bens móveis para os efeitos legais. Mais precisamente, são bens móveis da categoria de direitos pessoais de caráter patrimonial, previstos no artigo 83, inciso III, do Código Civil Brasileiro. Como tais, podem ser dados em garantia de obrigações na forma de penhor ou de cessão fiduciária em garantia, neste último caso em captações realizadas no mercado financeiro ou de capitais.

A própria Lei nº 15.042/2024 prevê o uso de créditos de carbono como garantia, ao dispor em seu art. 15, § 1º, que competirá ao escriturador averbar a constituição de direitos reais ou quaisquer outros ônus sobre esses créditos, nos termos de regulamentação a ser emanada pela CVM. Créditos de carbono negociados de forma privada, fora do mercado financeiro e de capitais, não estão sujeitos à regulamentação da CVM (art. 14, parágrafo único, da Lei nº 15.042/2024), mas podem igualmente ser dados em garantia.

Dadas as características dos créditos de carbono, certos cuidados, no entanto, deverão ser tomados na redação dos documentos de garantia. Um dos fatores a considerar é que os créditos de carbono têm vida efêmera. Nascem com a finalidade de serem cancelados para compensação de emissões de gases de efeito estufa. Neste ponto os créditos de carbono são diferentes de outros ativos consumíveis ou de prazo definido, como matérias primas, estoques ou recebíveis. Estes sempre se transformam em outros bens – produtos acabados, dinheiro – que podem continuar garantindo a dívida, enquanto os créditos de carbono simplesmente desaparecem.

Essa característica não impede a utilização de créditos de carbono como garantia, mas exige provisões contratuais apropriadas para que o credor não se veja desprotegido. Exemplos seriam (a) a obrigação de averbação da garantia junto ao registro dos ativos no Registro Central do SCBE ou junto a registro específico já existente para garantias em geral no caso de créditos de carbono em sentido estrito previamente ao desembolso, de maneira a impedir o registro de cancelamento enquanto persistir a garantia, salvo mediante anuência expressa do credor; e (b) a obrigação do tomador do crédito de constituir outras garantias reais aceitas pelo credor como condição à anuência deste para cancelamento dos créditos de carbono.

A previsão de substituição de garantias é comum em financiamentos de projetos e leva em conta suas diversas fases. Projetos ligados à transição energética podem, por exemplo, prever a substituição gradual da garantia sobre créditos de carbono por garantias sobre ativos e receitas do projeto, liberando-se assim os créditos de carbono para compensação de emissões do próprio projeto.

Instituições financeiras brasileiras não poderão utilizar a garantia sobre créditos de carbono como mitigador do risco de crédito para fins de cálculo de seu requerimento de capital mínimo (índices de Basileia), pois esse tipo de ativo não atende à definição de “colateral financeiro” ou outro tipo de mitigador previsto na Circular nº 3.809, de 25 de agosto de 2016, do Banco Central do Brasil (BCB). Entretanto, a existência de garantia real sobre créditos de carbono ou outros ativos, aliada a outros requisitos previstos no art. 40 da Resolução BCB nº 229, de 12 de maio de 2022, permite que o respectivo financiamento de projeto seja considerado “de alta qualidade”, e assim o risco de crédito seja ponderado a 80% durante a fase operacional, em lugar da ponderação de 100% normalmente aplicada a financiamentos de projeto nessa fase, proporcionando assim menor “consumo” de capital próprio do financiador.

Vários pontos da Lei nº 15.042/2024 ainda dependem de regulamentação, inclusive o mecanismo de estabilização de preços, que deverá prever intervenção do órgão gestor do SBCE no mercado de negociação de créditos de carbono para reduzir a volatilidade de preços. Espera-se que a regulamentação confira ainda mais atratividade ao mercado de créditos de carbono e à utilização desses ativos como garantia de financiamentos.

Por outro lado, a admissão desde logo de créditos de carbono em sentido estrito, já negociáveis, torna essa espera desnecessária para projetos viáveis e que possam por sua qualidade obter certificação privada. Esses desde já podem ser dados em garantia.


Artigo originalmente distribuído no jornal O Estado de S.Paulo 


Imagem: Pixabay

Autores L&S

Luiz Roberto de Assis

Luiz Roberto de Assis

Sócio

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