Como gerar crédito de carbono com energia renovável no Brasil? Para a emissão do crédito, os processos de certificação exigem adicionalidade, ou seja, a redução, retenção ou remoção de gases de efeito estufa (GEE) só ocorre por causa de um novo projeto certificado e não por outras condições, o que exige a comparação do projeto com o padrão de emissão de GEE do respectivo setor da economia. À primeira vista pode parecer desafiador provar o requisito da adicionalidade, pois a matriz energética brasileira é preponderantemente renovável e a energia renovável é tão abundante a ponto de ser desperdiçada (desperdício conhecido no mercado como curtailment). Análise do desafio leva a, no mínimo, quatro oportunidades.
A primeira e mais óbvia consiste na elaboração e implementação de projetos de redução ou remoção de carbono, na geração de energia renovável, mais eficientes do que os atuais – produzindo-se a mesma quantidade de energia ou mais, com menos emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Projetos desta natureza, devidamente certificados, poderiam gerar créditos de carbono para negociação no mercado voluntário e/ou obter o Certificado de Remoção ou Redução Verificada de Carbono (CRVE) no setor de energia renovável, conforme a vindoura regulação da Lei 15.042/24, que instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de GEE (SBCE).
O crédito de carbono e o CRVE são ativos financeiros ou valores mobiliários: se negociados de forma bilateral serão ativos financeiros e se negociados em mercado organizado serão valores mobiliários. Portanto, podem ser vendidos ou dados em garantia de empréstimos ou cancelados para reduzir o inventário de emissões de GEE, constituindo incentivo econômico para a competição por descarbonização na geração de energia.
Como a energia é um bem essencial presente em todos os setores da economia, o impacto da descarbonização é exponencial na cadeia de produção de bens e prestação de serviços.
Tal efeito exponencial é positivo para a descarbonização. As empresas de qualquer setor da economia, ao comprarem energia eficiente em carbono, diminuem também suas emissões de GEE em seus respectivos processos produtivos ou de prestação de serviços.
A diminuição da emissão de GEE na cadeia produtiva ou de serviços gera superávit no cumprimento de metas de emissão de GEE. A Lei 15.042?24estabelece a outorga governamental de uma modalidade específica de créditos de carbono: as Cotas Brasileiras de Emissão (CBE – cada cota representa o direito de emitir uma tonelada de dióxido de carbono. As CBEs também têm valor econômico e se enquadram nas modalidades de ativo financeiro ou valor mobiliário, a depender da forma como forem negociadas. ). Portanto, após a regulação do SBCE, a empresa que não atingir a CBEs poderá vender o excedente de CBEs, monetizando a eficiência no cumprimento de suas metas de redução de emissão de GEE.
Porém, o incentivo positivo à descarbonização na geração de energia será completamente neutralizado se o sistema não for capaz de absorver tal energia limpa. Daí a importância da segunda oportunidade, a seguir descrita.
A segunda oportunidade é a emissão de crédito de carbono a partir de projetos que reduzam ou eliminem o curtailment, evitando desperdício de energia renovável e/ou que mitiguem a necessidade de o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) despachar usinas térmicas, que emitem mais GEE em comparação com as energias renováveis, nos momentos de pico de demanda.
Nesse contexto, a certificação do projeto para emissão dos créditos de carbono deve comprovar a capacidade de a tecnologia empregada reduzir o curtailment e/ou evitar o acionamento das usinas térmicas em momentos de pico de demanda. A implantação de tais projetos poderia se dar por meio de Parceria Público Privada (PPP) integrada ao planejamento da ONS e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Também é uma boa oportunidade a ser avaliada no contexto da regulação de emissões de carbono. A regulação poderia incentivar esse processo por meio do estabelecimento de requisitos gerais para certificação, inclusive com envolvimento da ONS e da ANEEL para conferir mais segurança jurídica e planejamento sistêmico.
A terceira oportunidade é provar a adicionalidade por meio da comparação entre a emissão de GEE na geração de energia no Brasil com a emissão de GEE em outros países. Assim, o crédito de carbono seria gerado no Brasil por geradora de energia renovável e poderia ser comprado por geradora ou consumidora de energia não renovável em outro país. viabilizando a monetização da qualidade da matriz energética brasileira, que é uma das três mais descarbonizadas do mundo.
Tais projetos podem ser implantados no mercado de carbono voluntário (que foi legitimado pela Lei, sem restrições) por meio de contratos internacionais bilaterais ou multilaterais entre empresas privadas e mediante contrato com infraestruturas de mercado de carbono que tratem de aspectos relevantes para a segurança jurídica das transações, tais como certificação, escrituração, negociação e liquidação.
A regulação da Lei também poderia incentivar a comprovação da adicionalidade por meio de comparação de produção de energia local já existente com a matriz energética de outros países.
E a quarta oportunidade se refere à geração de CRVE para transferência internacional de resultados de mitigação por meio de acordos bilaterais ou multilaterais conforme artigo 12, inciso II da Lei nº 15.042/24, a depender da vindoura regulação.
Aproveitando as quatro oportunidades acima descritas no âmbito da autorregulação e regulação, o Brasil aumentará suas chances de continuar no podium dos países com matriz energética mais descarbonizada, sem desperdício de energia e gerando riquezas para o País.
Artigo originalmente distribuído no portal Canal Energia
Imagem: Pixabay