Saneamento no Brasil: progresso relevante, enfim?

O novo Marco Regulatório do Saneamento Básico busca reduzir o déficit dramático na cobertura de serviços de água e esgoto no país, por meio de regras que prestigiam a segurança jurídica e a previsibilidade.

A lei se segue a décadas de malsucedidas tentativas de estímulos a investimentos no setor. O PLANSAB, ambicioso plano do governo federal lançado em 1971, fracassou passados 15 anos. A Constituição de 1988 buscou dar segurança jurídica e estimular investimentos, mas impasses e litígios continuaram, especialmente em razão de a concessão dos serviços ser municipal, enquanto as principais empresas de saneamento são estaduais. Outros planos de saneamento básico foram lançados em 2007, 2013 e 2018, mas não tiveram apoio político suficiente ou não resolveram preocupações de potenciais investidores.

A nova lei pode ter destino diferente. Ela é resultado de raro acordo político suprapartidário (ainda que o veto presidencial à renovação de concessões com empresas estaduais tenha causado problemas na reta final). Estabelece metas de longo prazo para aumento do alcance dos serviços de água e esgoto e enfrenta questões que há muito afastam investidores do financiamento de serviços de saneamento no Brasil.

Concessões de serviços de saneamento permanecem nas mãos dos municípios, que podem concedê-los diretamente a empresa controlada pelo próprio município que atenda a requisitos técnicos e financeiros. Do contrário, deverão licitá-los em certame aberto a investidores privados. Municípios que decidirem conceder à iniciativa privada ou privatizar sua empresa de saneamento terão acesso prioritário a financiamento federal em relação aos que não o fizerem. Deixa de ser possível a concessão direta do serviço a empresa de saneamento controlada pelo respectivo Estado sem licitação – prática muito comum até agora. Isso abrirá amplo espaço para participação do setor privado.

A lei também deixa claro que municípios vizinhos poderão se unir em consórcio para oferecer concessões de serviços de saneamento para áreas maiores e, assim, alcançar economias de escala e aumentar a atratividade para investidores (o Brasil possui mais de 5.500 municípios, cerca de 5.000 com menos de 50 mil habitantes).

Empresas de saneamento de controle estadual, historicamente os principais players do setor no Brasil, serão chamadas a competir com empresas do setor privado. Convênios que permitem contratação direta dessas estatais podem ser adiados apenas até março de 2022. Depois disso, qualquer relação com tais entidades dependerá de estas vencerem licitação também aberta a entes privados.

O fomento ao envolvimento do setor privado, que fundamenta vários aspectos da nova legislação, também se traduz na possibilidade de a extração e distribuição de água serem contratadas separadamente. Isso tende a reduzir o investimento mínimo necessário para execução do contrato e aumentar a concorrência, especialmente nas grandes cidades.

A nova lei também pretende resolver conflito antigo entre incorporadores imobiliários, empresas de saneamento e municípios. Prevê que a agência reguladora estabeleça regras que diferenciem as situações em que o investimento feito pelo incorporador para conectar as unidades imobiliárias ao sistema de esgoto é antecipação do cumprimento da obrigação da empresa de saneamento e, portanto, enseja reembolso, daquelas em que tal investimento é de interesse exclusivo do incorporador e não será indenizado. Isso trará segurança jurídica, ao mesmo tempo em que permitirá que a situação de cada município seja tratada individualmente, dependendo das obrigações previstas nos contratos de concessão.

O novo marco legal estabelece conteúdo mínimo que deverá constar dos contratos de concessão de serviços de saneamento – que vai de metas objetivas para expansão dos serviços à redução de perdas na distribuição de água tratada, qualidade do serviço, uso racional da água e reaproveitamento de águas. Os contratos também deverão incluir disposições da Lei de Concessões Públicas relativas a prazos para cumprimento de obrigações e respectivas garantias. Incertezas em relação a essas questões desestimulavam investimentos em serviços de saneamento.

Espera-se que empresas estrangeiras, tradicionalmente resistentes à ideia de investir no setor de saneamento no Brasil, passem a considerar oportunidades que a nova lei tende a criar. Além disso, o incentivo a investimentos privados reduz a exposição desse setor a restrições orçamentárias, tantas vezes invocadas como pretexto para adiar investimentos públicos em saneamento. 

Autores L&S

Marcos Drummond Malvar

Marcos Drummond Malvar

Sócio

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