Tributar exportações de petróleo: bom para nações concorrentes

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou no último dia 7 de dezembro o Projeto de Lei n. 1.472/2021 (PL) que cria o Programa de Estabilização dos preços dos derivados de petróleo, cujo objetivo é reduzir a volatilidade e garantir a modicidade de preços finais ao consumidor. Os recursos viriam, dentre outras fontes, de imposto sobre a exportação (IE) de petróleo bruto. É grande a probabilidade de o imposto produzir significativas distorções, reduzindo a riqueza que ainda pode ser obtida pelo Paísi.

O PL cria uma política de preços de combustíveis. Os preços internos praticados por produtores e importadores observaria as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação. Ficaria a cargo do Poder Executivo estipular faixas com limites para variação de preços ao consumidor por período. Os recursos para compensação das variações (para compensação do subsídio) viriam de um conjunto de fontes, dentre as quais o IE de petróleo bruto.

O IE seria progressivo. Quando o barril de petróleo ultrapassasse os USD 45, o IE incidiria à alíquota de 2,5% a 7,5% sobre esse excesso. A alíquota chegaria a 12,5% sobre o que excedesse os USD 100 por barril. Este desenho aproxima o IE da figura do imposto sobre lucros extraordinários, que tem por objetivo captar o retorno excessivo obtido por agente econômico decorrente de fatores (geralmente) alheios à sua operação.

Os Estados Unidos da América (EUA) implementaram imposto semelhante em 1980: o “Windfall Profit Tax” (WTP) sobre a produção doméstica de petróleo. A alíquota variaria conforme a cotação da commodity (de 22,5% a 70%) e de acordo com fatores específicos de cada poço produtor. Seu objetivo era o de evitar que a indústria se apropriasse de receitas extraordinárias resultantes da desregulamentação do mercado de petróleo e do aumento da cotação internacional da commodity. O tributo foi formalmente suprimido em 1988 ante as distorções causadas.

Apesar de os EUA ser à época o terceiro maior produtor de petróleo do mundo, o país ainda era importador líquido da commodity e os produtores americanos eram tomadores de preço (não tinham controle sobre a cotação internacional). Como as refinarias nacionais poderiam importar o petróleo sem a incidência da WPT, os produtores nacionais tiveram de suportar seu custo. Tal circunstância reduziu a produção nacional de 1,2% a 8% e incentivou importações iieiii.

Efeitos semelhantes tenderiam a ocorrer no Brasil caso viesse a ser instituído o IE. No curto prazo, seu custo recairia sobre os produtores já instalados no país, a reação tenderia a ser a redução do montante de petróleo recuperado. No médio e longo prazo, os custos do IE atenderiam a afetar o país, sob a forma de perda de investimentos. Dada a quase perfeita elasticidade do capitaliv, caindo a taxa de retorno que se obteria no país quando comparada à taxa internacional, o investidor conseguirá redirecionar seu capital sem grandes empecilhos.

Não é mera retórica. Há aspectos fáticos e estruturais que tornam possíveis tais efeitos.

Demonstrações financeiras de multinacional europeia que opera no país indicam que o custo de extração no Brasil é um dos menores no mundo. Logo atrás vem a Ásia, mas o petróleo lá extraído é vendido a um preço superior. A imposição de novo custo ao produtor nacional pode desequilibrar essa equação e retirar competitividade do Brasil.

A onda Ambiental, Social e de Governança (ASG) tem levado ao redirecionamento de investimentos mundo afora. Relatórios da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)v e da Agência Internacional de Energia (AIE)vi apontam que investimentos em extração estão em baixa e assim devem continuar. Diante dessa redução de capitais disponíveis, a competição entre países tende a acirrar-se e os beneficiários serão os que oferecem melhor retorno.

Segundo análises balizadas, o consumo tende a manter-se em patamares elevados, o que deve pressionar preços no médio prazovii, mas a tendência é a de que o mundo chegue a um platô em 2035 (OPEP). Projeções da AIE apontam um pico de consumo já em 2035. Se implementadas as metas de redução de emissão de gás carbônico, este pico poderia ocorrer já em 2025 (AIE). Tais eventos podem reduzir a pressão sobre o preço e reduzir o tamanho do mercado. Os ganhos com esse recurso não-renovável, que poderiam financiar a transição energética do Brasil, tendem a encolher.

Naturalmente, há elevado grau de imprevisibilidade nessas projeções, por mais sólidas que sejam as análises a eles subjacentes. Mas o risco está posto. É possível que o IE contemplado no PL não levasse à arrecadação imaginada, e que ademais prejudicasse o Brasil via redução de investimentos. Restariam minados os propósitos do Programa de Estabilização. Fontes alternativas de receita, já previstas no PL, com os dividendos da Petrobrás ou as Participações Governamentais, seriam escolhas mais sólidas de política pública.

i Há também problema constitucional na proposta. O art. 167, IV, da Constituição, veda a vinculação de receita de imposto a fundo, órgão ou despesa, de modo que é provável que a vinculação da receita do IE ao Programa de Estabilização seja tida por inconstitucional. No entanto, tal declaração não acarretará o fim do IE, mas apenas na sua vinculação ao programa analisado.

ii Rao, Nirupama, Taxes and U.S. Oil Production: Evidence from California and the Windfall Profit Tax [Impostos e a Produção de Petróleo nos EUA: Evidências da California e o imposto sobre lucros extraordinários]. 2013. Pesquisa n. 2211681 da Faculdade de Pós-Graduação em Serviço Público Robert F. Wagner da Universidade de Nova Iorque. Disponível em: https://wagner.nyu.edu/files/faculty/publications/New_Oil_Paper_0.pdf. Acesso em 28/12/2021.

iii Lazzari, Salvatore. The Crude Oil Windfall Profit Tax of the 1980s: Implications for Current Energy Policy [O Imposto sobre Lucros Extraordinários no Setor de Petróleo de 1980: implicações para a Política Energética]. CRS Report for Congress (Serviço de Pesquisa do Congresso Americano). Disponível em https://digital.library.unt.edu/ark:/67531/metadc807671/m1/1/. Acesso em 28/12/2021.

iv Stiglitz, Joseph, e Rosengard, Jay. Economics of the Public Sector [Economia do Setor Público]. 4ª Edição, W.W. Norton & Company, Nova Iorque e Londres. 2019.

v Relatório World Oil Outlook 2021 da OPEP disponível em https://woo.opec.org/pdf-download/index.php. Acesso em 28/12/2021.

vi Relatório World Energy Outlook 2021 da AIE disponível em: https://iea.blob.core.windows.net/assets/4ed140c1-c3f3-4fd9-acae-789a4e14a23c/WorldEnergyOutlook2021.pdf. Acesso em 28/12/2021.

vii Amrita Sem. Embrace high fóssil fuel prices because they are here to stay [A alta dos combustíveis veio para ficar]. 2021. Disponível em: https://www.ft.com/content/a15e7ade-dad0-4ed3-a172-1974ac9d5b23. Acesso em 28/12/2021.


Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado

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