Participações especiais: a crônica da morte anunciada; mudar ou perpetuar o pesadelo

No texto intitulado “Indústria do petróleo: porque deveriam ser revistas as regras para cálculo das participações especiais”, comentamos que a controvérsia em torno das Participações Especiais (PEs) tenderia a acentuar-se – em razão da complexidade da regulamentação, importância dos valores envolvidos e dificuldades fiscais dos entes públicos. O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e o relatório de auditoria TC 029.099/2020-0 do Tribunal de Contas da União (TCU) confirmam tal percepção. Solução dependerá de importantes alterações normativas que tenham por propósito principal a simplificação.

A CPI e o TCU concordam que uma das principais dificuldades em relação às PEs é a complexidade das normas de regência, o que afetaria igualmente concessionárias e entes públicos responsáveis por sua arrecadação e controle. Aspecto que é objeto de comentários específicos é a fragilidade da fiscalização dos gastos dedutíveis por parte da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Como apontado, de 2015 a 2020, os três servidores da Agência dedicados de forma não-exclusiva ao assunto teriam se debruçado em fiscalizações sobre despesas que representariam apenas 5% do total deduzido.

À luz dessa constatação, a CPI propôs aumentar o escrutínio sobre as concessionárias:

(1.1) que a Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro (SEFAZ-RJ) passe a fiscalizar os gastos deduzidos das PEs , especialmente os gastos com afretamento, depreciação e provisão de abandono;

(1.2) que seja implementado o Sistema de Informações de Petróleo e Gás Natural (SIPETRO) (desenvolvido pela SEFAZ do Espírito Santo) para integração e compartilhamento de informações entre entidades envolvidas;

(1.3) que a SEFAZ-RJ fiscalize a venda de ativos por parte dos concessionários (especialmente os desinvestimentos da Petrobras dos Gasodutos das Rotas 1, 2 e 3) para cobrar PEs sobre recuperação de custos anteriormente deduzidos; e

(1.4) que a ANP elabore plano de contas detalhado para classificação dos gastos incorridos nas etapas de desenvolvimento e produção.

A CPI propôs também alterações – voltadas a incremento de arrecadação – à Resolução ANP 12/2014 e ao Decreto 2.705/1998, que compõem o quadro normativo essencial no que diz respeito a PEs. As sugestões incluem:

(1.5) vedar a dedução de valores de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) e de Provisão com Gastos de Abandono;

(1.6) vedar a dedução de despesas com aluguéis pagos a título de bonificação, lucros ou similares quando a contraparte for coligada, controlada ou controladora da concessionária;

(1.7) limitar a dedução de aluguéis e de valores de arrendamentos e afretamentos ao valor de depreciação do bem quando a contraparte for coligada, controladora ou controlada da concessionária (norma atual traz dita restrição apenas para pagamentos efetuados a coligadas da concessionária);

O relatório de auditoria do TCU, por sua vez, sugere a adoção de um regime de apuração simplificado, similar ao lucro presumido do Imposto de Renda. Argumenta que tal iniciativa poderia inclusive conferir maior competitividade ao Brasil em mercado globalizado, “que disputa investimentos cada vez mais raros” decorrentes de esforço pela descarbonização da economia.

Outros aspectos da regulação econômica das atividades de Exploração e Produção (E&P) podem vir a ser objeto de alterações, supondo que possam ser adotadas algumas das recomendações dos trabalhos recentes. A CPI propôs, por exemplo:

(2.1) o encaminhamento de projeto de lei (5.109/2021) instituindo a Taxa de Fiscalização Ambiental e Regulatória das atividades de exploração e produção de petróleo e gás (TFPG), devida no montante aproximado de R$ 67 milhões (ano) por cada pessoa jurídica que esteja autorizada a realizar pesquisa, lavra, exploração e produção de recursos de petróleo e gás no Estado do Rio de Janeiro;

(2.2) a regulamentação das PEs sobre campos de grande rentabilidade;

Por sua vez, o relatório de auditoria do TCU contém observações sobre aspectos relevantes que podem levar a alterações substanciais:

(2.3) até hoje não há definição de critérios objetivos para identificação de áreas estratégicas, o que limita a aplicação do regime de partilha;

(2.4) as alíquotas das PEs do Decreto 2.705/1998 seriam incompatíveis com o elevado potencial de produção dos campos gigantes, especialmente os das áreas adjacentes ao polígono do pré-sal, sendo recomendável sua revisão antes da realização de novos leilões;

(2.5) as PEs têm incentivado produtores de campos menores (especialmente os terrestres e os com profundidade não superior a 400m) a manter a produção trimestral abaixo do volume de gatilho das PEs, como forma de evitar a cobrança extraordinária, custos com PD&I e burocracias acessórias (e.g.: contabilização e fiscalizações). Recomendou-se a reformulação de normas para que sejam criados incentivos para aumento de produção;

(2.6) a necessidade de se reduzir o bônus de assinatura em leilões do regime de partilha, pois os elevados valores estariam limitando a concorrência e reduzindo as alíquotas de excedente em óleo da União ofertadas em leilão (em razão da elevação do risco do negócio), afetando a captação de rendimentos extraordinários.

Os aspectos aqui comentados não constituem senão uma mostra muito limitada do grande universo de considerações e recomendações feitas pela CPI e pela auditoria do TCU. Suficiente, no entanto, para amparar a conclusão de que o arcabouço normativo aplicável às atividades de E&P deveria ser atualizado e simplificado, no interesse não apenas da atratividade dessa importante indústria em nosso país, sem infirmar o potencial de arrecadação do setor.

i O relatório da CPI indica a necessidade de elaboração de um manual de procedimentos para realização de fiscalizações conjuntas por parte de Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro (PGE), SEFAZ-RJ e ANP, em razão de Acordo de Cooperação Técnica e seu Plano de Trabalho, assinado em junho de 2021.

ii O foco da auditoria do TCU foram as PEs, mas o Tribunal consignou que essas mesmas dificuldades atingem o cálculo dos custos dedutíveis para determinação do excedente em óleo da União no regime de partilha. A Pré-Sal Petróleo S/A realiza controle semelhante ao da ANP, e este controle também foi dito por deficiente pelo TCU.


Autores L&S

Bolívar Moura Rocha

Bolívar Moura Rocha

Sócio
Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado

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