Subsidiar combustíveis fósseis: heresia?

Em tempos de transição para economia de baixo carbono, iniciativas voltadas a ampliar o acesso a combustíveis fósseis podem parecer escolha indefensável de política pública. Soa contraditório, com efeito, buscar reduzir as emissões de carbono e, ao mesmo tempo, empregar recursos públicos escassos para subsidiar o consumo de combustíveis derivados do petróleo.

Entretanto, o investimento em políticas de fomento à energia renovável pode precisar conviver com medidas de apoio a combustíveis fósseis durante fase de transição mais ou menos longa, como única forma de enfrentar necessidades relevantes. Particularmente, alterações expressivas na taxa de câmbio e no nível de preços de petróleo e derivados nos mercados internacionais – como ocorre no momento atual – podem justificar políticas públicas de subvenção a preços.

Mesmo nos países líderes na transição para economia de baixo carbono, políticas de incremento do uso de fontes renováveis convivem com mecanismos voltados a assegurar modicidade de preços de derivados do petróleo. Na maioria dos países membros da OCDE, há tributação menor sobre o diesel que sobre a gasolina e restituição de tributos (tax refund) para o óleo diesel usado em certas atividades, como agricultura e silvicultura. A OCDE e a Agência Internacional de Energia (IEA)i  estimam que as 50 maiores economias tenham aportado cerca de USD 125 bilhões em medidas de suporte ao consumo de combustíveis fósseis em 2020.

Países da Europa ocidental, inclusive alguns especialmente representativos no que diz respeito a esforços voltados à transição para economia de baixo carbono, mantêm políticas de subsídios, reduções tributárias e/ou tributação ajustada para combustíveis derivados de petróleo, tal como diesel utilizado em transporte, agricultura e indústria. Uma diretiva da União Europeiaii  expressamente determina que os Estados-membro devem isentar, por exemplo, combustíveis usados na produção de energia, aviação, transporte ferroviário e aquecimentoiii.

A OCDE estima que a Alemanha, sozinha, teria destinado EUR 4 bilhões em 2019 a subsídios voltados a esses setores. Ao incluir no cálculo as isenções tributárias destinadas ao setor da aviação e a diferença na tributação do diesel, um convênio investigativo (Investigate Europe) aponta valor ainda superior: mais de EUR 30 bilhões teriam sido dispendidos pelo país naquele mesmo anoiv.

A Noruega, que assim como o Brasil é grande produtor de petróleo, possui tributação consideravelmente inferior sobre o diesel, em especial aquele destinado à aviação e ao transporte de mercadorias.

Já nos Estados Unidos, ao menos USD 5 bilhões foram direcionados ao estímulo do consumo de combustíveis fósseis em 2019, principalmente por medidas de governos estaduais (o número não é tão expressivo, dada a magnitude da economia americana). As mais comuns são isenções ou reduções tributárias, particularmente quanto a impostos estaduais sobre usos específicos de energia/combustíveis e sobre o consumo. Dados levantados pela OCDE indicam que são comuns benefícios sobre combustíveis voltados ao setor agropecuário, em especial nos estados da Pensilvânia, West Virginia, Califórnia, Colorado, Kentucky, Louisiana, North Dakota, Texas e Oklahoma. O estado da Califórnia também prevê benefícios para transporte aquaviário e para ônibus escolares. Já o Texas favorece o consumo de gasolina, isentando o consumo do combustível tanto para agricultura, como mencionado, quanto para navegação marítima, construção, indústria, ônibus escolares e usos governamentais, por exemplo.

Como se vê, a revisão das matrizes energéticas não parece prescindir da manutenção/adoção de medidas que garantam o abastecimento a preços aceitáveis dos combustíveis atualmente usados pelos setores produtivos, mesmo nas jurisdições que de forma deliberada e estruturada buscam transição acelerada para economia de baixo carbono. O Brasil talvez não deva ser exceção, nesse particular.

i OECD Work on Support for Fossil Fuels [Pesquisa da OCDE sobre Subsídios a Combustíveis Fósseis]. Disponível em: https://www.oecd.org/fossil-fuels/#:~:text=The%20latest%20OECD%20and%20IEA,energy%20costs%20for%20end%2Dusers. Acesso em 4/1/2022.

ii Diretiva 2003/96/CE. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX:32003L0096. Acesso em 4/1/2022.

iii Em 14 de julho de 2021 a Comissão Europeia apresentou ao Parlamento Europeu conjunto de medidas legislativas voltadas à redução da emissão de gases poluentes. A proposta inclui o aumento da tributação de certos combustíveis, o fim da isenção tributária a combustíveis usados para aviação e navegação e a proibição de venda de carros de combustão interna a partir de 2035. Estima-se que as medidas somente entrarão em vigor, caso aprovadas, em pelo menos dois anos. Mais informações estão disponíveis em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_3541

iv Europe’s love affair with fossil fuels [A relação amorosa da Europa com combustíveis fósseis]. 2020. Disponível em: https://www.investigate-europe.eu/en/2020/europes-love-affair-with-fossil-fuels/. Acesso em 4/1/2022.

Autores L&S

Fernando Hamú Alves

Fernando Hamú Alves

Advogado

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