Mercado de carbono, emissões compensadas e a dedutibilidade do IRPJ e da CSLL

Em maio de 2022 foi publicado o Decreto n. 11.075 criando as bases para a instituição de mercado regulado de carbono no Brasili. Tal evento tem o potencial de trazer importantes reflexos tributários, especialmente com relação ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na medida em que dispêndios associados à compensação de emissões no mercado regulado passarão a ser dedutíveis das bases de cálculo dos referidos tributos. Mas ainda pairam outras incertezas associadas, que provavelmente levarão algum tempo até serem equacionadas.

Até que o mercado de carbono entre em operação, empresas brasileiras interessadas em compensar suas emissões de gases de efeitos estufa (GEE) continuarão a operar de forma espontânea, no mercado voluntário, adquirindo e aposentando créditos de carbono em quantidade suficiente para mitigar ou anular suas emissões próprias. Apesar de o Brasil ser signatário de convenções internacionais que objetivam reduzir emissões de GEE, não vigorava aqui norma específica obrigando o setor privado a adotar tal procedimento (exceção feita ao setor de combustíveis).

E isso gerou dúvida a respeito da dedutibilidade fiscal dos dispêndios incorridos com a aquisição e aposentadoria dos créditos de carbono no mercado voluntário. Os arts. 46 e 47 da Lei 4.506/1964 admitem a dedução das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL , no regime de lucro real, de custos de produção (entre outros) e de despesas operacionais (não computadas nos custos) e necessárias, usuais e normais à operação da empresa. Comporiam os créditos de carbono do mercado voluntário custo de produção ou despesa operacional passível de dedução?

Em ao menos uma oportunidade a Receita Federal do Brasil (RFB) se manifestou de forma negativa. Ao analisar situação envolvendo o mercado voluntário, argumentou que a atividade empresarial se manteria mesmo que a empresa não incorresse nas despesas associadas aos créditos de carbono, de modo que estas seriam indedutíveis das bases de cálculo dos tributos em questão (Solução de Consulta COSIT n. 460/2017).

Nesse sentido, a edição do Decreto n. 11.075/2022 trará segurança às empresas dos setores que se sujeitarão ao mercado regulado, identificadas desde 2009 na Política Nacional sobre Mudança Climática (parágrafo único do art. 11 da Lei n. 12.187/2009), tais como as do setor de geração de energia elétrica, de transporte, da indústria de transformação.

Afinal, existindo norma ambiental concreta demandando ação por parte do particular, deverá ele cumprir com sua obrigação, de tal modo que os dispêndios associados passarão a compor o seu custo ou suas despesas operacionais dedutíveis.

Ao analisar tema correlato, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que despesas com obras e benfeitorias visando o cumprimento da legislação ambiental não teriam caráter de liberalidade. Seriam, ao contrário, necessárias e vinculadas ao objeto social da pessoa jurídica (Acórdão n. 1301-000.243). Os mesmos argumentos aplicam-se às empresas que se sujeitarão ao mercado regulado. A única diferença é que, no caso, o cumprimento da legislação ambiental se dará não pela realização de obras, mas pela aquisição e aposentadoria de créditos de carbono.

Outras importantes questões com impacto tributário dependem de solução. Por exemplo, caso o contribuinte compense suas emissões além das metas legalmente estipuladas, esse excesso será dedutível como despesa fiscal? O crédito de carbono deve ser contabilizado como ativo não circulante (e.g. intangível) ou circulante (e.g. estoque)? Pode esse ativo ser objeto de amortização fiscal ao longo do período de conformidade? Ou a dedução de seu custo ocorreria somente quando o título for aposentado e baixado da contabilidade do contribuinte? Desde 2014 há projeto em andamento no âmbito do International Financial Reporting Standards (IFRS) com o objetivo de regular a contabilização desses ativos. De acordo com notícias divulgadas pelo IFRS, o assunto deve voltar ao foco em 2023.

O tratamento contábil dos créditos de carbono afetará também, entre outras questões, a tributação das Contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (COFINS) por ocasião de eventual venda do crédito, vez que as receitas decorrentes da venda de bens do ativo não circulante classificado como intangível ou investimento são excluídas da base de cálculo dessas contribuições.

A introdução de mercado de carbono regulado traz amplos impactos. Ao menos as dúvidas que antes existiam a respeito da dedutibilidade dos dispêndios incorridos com a aquisição e aposentadoria de créditos de carbono devem ser solucionadas para os agentes do mercado regulado, que poderão deduzir as despesas associadas das bases de cálculo do IRPJ/CSLL. Mas outras questões ainda precisarão ser debatidas e solucionadas para que os atores envolvidos tenham previsibilidade de suas ações.


i O Decreto 11.075/2022 cria as bases para implementação de mercado regulado no Brasil. Ele identifica os órgãos responsáveis pela elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, que estabelecerão metas gradativas de redução de emissões e remoções de GEE, que deverão estar alinhadas ao objetivo de longo prazo de neutralidade climática informado na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira ao Acordo de Paris. Dispõe também que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), já previsto na Política Nacional sobre Mudanças do Clima (Lei 12.187/2009) será instrumento na operacionalização dos Planos Setoriais ao viabilizar transações envolvendo créditos certificados de redução de emissões e cria o Sistema Nacional de Redução de Emissões de GEE (Sinare), que servirá como central única de registro de emissões e de atos de comércio envolvendo créditos de carbono certificados de redução de emissões. Por fim, dispõe que o cumprimento dos limites de emissão dos entes sujeitos ao mercado regulado poderá se dar pela aquisição e aposentadoria de créditos de carbono (créditos originários de emissões evitadas, ainda não contemplando créditos provenientes da remoção de GEE).

Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado

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