Incentivos ao mercado livre de energia – PL 414/21

O Congresso Nacional está em vias de aprovar o Projeto de Lei nº 414 de 2021 (PL), que aprimora a regulação do setor elétrico brasileiro para retirar barreiras ao acesso de consumidores ao mercado livre de energia e incentivar a geração de energia renovável de forma descentralizada. O PL atenta também para a importância dos serviços ancilares, tais como o controle de frequência e equilíbrio entre carga e geração, que garantem a segurança do sistema energético.

As propostas contidas no PL estão em linha com o movimento de transição energética para o modelo de energia “4D” (descentralizada, descarbonizada, diversificada e digitalizada) que gera oportunidades de negócios no setor e ajuda o país a atingir suas metas de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa.

O preço da energia brasileira é determinado em dois ambientes. O primeiro é o ambiente de contratação livre (ACL), em que o preço é determinado conforme a lógica de mercado, mediante equilíbrio entre ofertas de compra e venda de energia, em sua acepção como commodity. O segundo, o ambiente de contratação regulado (ACR), em que o preço é regulado e tarifado pelo Estado, por meio de contratos de concessões de geração e distribuição de energia, em sua acepção como serviço público essencial.

Conforme informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), relativas a 2021, o mercado livre tem 27.586 unidades consumidoras (acima de 500KW) e o mercado regulado tem 88,7 milhões.

O preço médio de energia no ACL foi 40% mais baixo do que o preço estabelecido no ACR, em 2021, segundo dados da Associação Brasileira de Comercializadores e Energia Elétrica (ABRACEEL). Atualmente, apenas consumidores acima de determinados limites de carga e tensão de energia têm acesso ao ACL. Consumidores abaixo de tais limites devem comprar energia das distribuidoras no ACR.

Dentre as alterações propostas pelo PL, destaca-se a retirada de barreiras à entrada dos consumidores de varejo no ACL, permitindo que os consumidores escolham livremente os geradores e distribuidores de energia, com base em preço, prazo, carga e critérios de sustentabilidade. Os consumidores de baixos níveis de energia serão representados no ACL por agentes varejistas autorizados pela ANEEL.

O PL estabelece que o Poder Executivo deverá diminuir os limites para viabilizar o acesso de todos os consumidores ao ACL, no prazo de 42 meses a partir da entrada em vigor da nova Lei. Há agentes de mercado que defendem que tal prazo poderia ser inferior, pois o sistema elétrico brasileiro já estaria preparado para tal transição.

Do lado da oferta, o PL incentiva o regime de autoprodução e produção independente de energia, com valorização dos benefícios socioambientais relacionados às fontes de energia com baixa emissão de gases causadores do efeito estufa, por meio de desconto nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição, conforme regulamentação do Poder Executivo.

Também há previsão do direito do autoprodutor de energia vender o excesso de energia aos consumidores alocados dentro do terreno onde se encontra a instalação industrial de sua propriedade, o que, a depender da localização, passa por regularização fundiária e controle de título de propriedade.

Os principais desafios da migração de consumidores de varejo do ACR para o ACL são a complexidade de medição de consumo de energia, os tratamentos dos casos de inadimplemento, a necessidade de haver suprimento de última instância em caso de falta de oferta, a remuneração dos serviços ancilares e de transmissão e a forma de contribuição para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que subsidia o fornecimento de energia para a população de baixa renda.

Por isso, o PL equilibra o estímulo ao ACL, na linha do livre mercado, com previsões normativas que visam a segurança do suprimento de energia e a manutenção da energia como bem público essencial, bem como remuneração dos serviços ancilares essenciais à estabilidade e segurança do Sistema Interligado de Energia Elétrica (SIN) e contribuições à CDE.

Nesse sentido, o PL prevê, dentre outras normas, que o Poder Executivo deverá apresentar regulamentação sobre: (i) ações de comunicação para conscientização dos consumidores visando à sua atuação no ACL; (ii) aprimoramento da infraestrutura de medição, faturamento e modernização das redes de distribuição de energia elétrica, com foco na redução de barreiras técnicas e dos custos dos equipamentos; (iii) separação das atividades de comercialização e distribuição de energia; (iv) suprimento de última instância e (v) desenvolvimento de bolsas de energia elétrica nacionais, o que parece encaminhar para aplicação dos princípios de transparência e integridade de formação de preços do mercado de capitais para ao ACL.

O PL também dispõe que a ANEEL deverá estabelecer procedimentos para a caracterização da irregularidade de medição de unidade consumidora, disciplinando a forma de cobrança e de pagamento dos valores atrasados decorrentes dessa irregularidade.

Em 31/5/22, o Senado criou comissão especial para analisar o PL, apesar do clamor de diversos agentes de mercado para que a aprovação ocorresse antes do recesso parlamentar, considerando que apesar de complexas, as discussões sobre o PL vêm sendo travadas há anos, com base em projetos anteriores (PL 1.917/2015 e PL 232/2016).

Uma forma de conferir celeridade aos debates finais sobre o PL seria uma melhor sistematização das alterações, aproveitando para consolidar as normas sobre o setor elétrico em uma única Lei, com definições claras e objetivas. Afinal o PL propõe a alteração de nove Leis e trata de outros assuntos relevantes e complexos, que nem cabem nesta breve nota. Considerando que um dos principais objetivos é atrair o público de varejo para o ACL, a simplificação e sistematização normativa seria muito bem-vinda.

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Autores L&S

Luiz Felipe Amaral Calabró

Luiz Felipe Amaral Calabró

Sócio

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